Urgências da área materno-infantil da região de Lisboa e Vale do Tejo  são as mais afetadas com os encerramentos.
Urgências da área materno-infantil da região de Lisboa e Vale do Tejo são as mais afetadas com os encerramentos. Pedro Correia

Médicos dizem que fecho de urgências “vai piorar mais” a partir do final de março

No fim-de-semana, 13 serviços de urgência fecharam portas. Nesta semana serão 16. E só "vai piorar". Mais médicos a sair do SNS e o limite das horas extras a ser atingido são as razões apontadas.
Publicado a
Atualizado a

O encerramento de serviços de urgência já começou a piorar neste fim-de-semana. Ao todo, foram 13, seis no sábado e sete no domingo, basicamente os mesmos e todos na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT). Esta semana, até domingo, encerram 16, de acordo com a escala das urgências do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Voltam a ser praticamente os mesmos. Ou seja, os serviços de Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria dos hospitais Amadora-Sintra, Barreiro, Vila Franca de Xira, Loures, Santarém e Garcia de Orta.

O Movimento dos Médicos em Luta (MML) e os dois sindicatos da classe alertam: “Quando março terminar e a maioria dos médicos atingir o limite de horas anuais imposto pela lei (150 horas), a situação ainda vai piorar mais”.

Helena Terleira, uma das fundadoras do Movimento dos Médicos em Luta (MML) - que há dois anos lançou um apelo aos colegas que quase parou o SNS (“Nem mais uma hora extra além das 150”) - diz agora ao DN que “o desânimo é tão grande que os médicos continuam a sair do SNS” e muitos, assim que podem, deixam de fazer horas extras sem ser necessário uma ação conjunta.

“Os serviços trabalham cada vez mais nos limites e receamos que a situação que se atingiu no SNS se torne irreversível”, desabafa. Para a médica, “as medidas que eram necessárias há dois anos não foram tomadas, continuando a arrastar-se a falta de condições para fixar mais profissionais no SNS”, comenta.

Segundo explica, o feedback que lhe chega dos colegas é que o anúncio do “regresso das Parceiras Público Privadas e o facto de os farmacêuticos poderem a vir a avaliar situações clínicas e a prescrever medicamentos foram destruidores de alguma esperança que ainda havia”. “Quem vier a seguir a Ana Paula Martins [se a ministra da Saúde sair após as legislativas antecipadas], ou traz um olhar de esperança com medidas concretas ou não há mais retorno para o SNS”.

16 serviços vão fechar até dia 23

Na semana que agora começou, dos mais de 130 serviços de urgência do SNS, todos os dias há pelo menos um, da região LVT, que tem de encerrar portas. Os dias com menor número de encerramentos são quarta e quinta-feira, em que apenas está fechada a urgência de Ginecologia-Obstetrícia do Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro. No entanto, em cada um destes dias haverá também duas urgências de outras unidades que estão a funcionar apenas como referência para casos urgentes.

Na sexta-feira, dia 21, há dois serviços que encerram, também em LVT - os de Ginecologia-Obstetrícia dos hospitais de Vila Franca de Xira e do Garcia de Orta, em Almada. Sábado é o dia em que há mais serviços a fechar. São seis, quatro de Ginecologia-Obstetrícia (Amadora-Sintra, Garcia de Orta, Vila Franca de Xira e Santarém) e dois de pediatria, em Loures e Vila Franca de Xira. No domingo, voltam a fechar os serviços de Ginecologia-Obstetrícia do Garcia de Orta e Vila Franca de Xira e os de Pediatria de Loures e de Vila Franca de Xira.

Para o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Nuno Rodrigues, esta situação não surpreende, porque “os quadros de pessoal nestas duas especialidades são muito diminutos e mais rapidamente atingem as 150 horas extras anuais”. “Por exemplo, um médico que faça 24 horas de urgência por semana, o que não deveria acontecer, mas não é incomum, em oito semanas atinge as 150 horas. Já vamos na décima semana de 2025. Portanto, a partir de agora só vai piorar”, frisa.

O dirigente sindical defende que a situação das urgências de Obstetrícia e de Pediatria só se resolve com “urgências metropolitanas”, o que já acontece há anos na região norte - um projeto que leva médicos de várias unidades a fazerem urgências em hospitais que não são os seus para dar resposta aos utentes. “Os colegas estão satisfeitos e os utentes também. Portanto, não há uma razão óbvia para que nesta região não funcione também”, afirma.

No entanto, salvaguarda, que a medida não deve ser imposta e terá de remunerar bem quem está nos quadros do SNS e se disponibiliza a fazer este tipo de urgência.

O líder do SIM - o único sindicato médico a assinar acordo com Ana Paula Martins que se “traduziu em melhores condições remuneratórias e de trabalho para os médicos”, segundo Nuno Rodrigues - considera mesmo que uma urgência metropolitana em LVT funcionaria se se valorizasse os médicos do SNS. “Se não valorizarmos os que ainda cá estão, quem vamos valorizar?”, questiona.

"Encerramentos são espelho da incompetência deste ministério"

Do lado da Fnam, a presidente Joana Bordalo e Sá concorda que a partir de agora “tudo vai piorar, porque as urgências funcionam à custa do trabalho extraordinário dos médicos. E não há dúvida que a esmagadora maioria da classe atinge o limite de horas anuais no fim de março ou início de abril”. Para a médica, o agravamento que se começou a registar neste fim-de-semana “tem mesmo a ver com a falta de profissionais em geral nas áreas da Obstetrícia e Pediatria”. E, mais uma vez, critica o ministério de Ana Paula Martins: “Em 11 meses de governação, não conseguiu fazer nada, nem um acordo satisfatório, para ter mais médicos no SNS”.

A dirigente da Fnam, estrutura que ontem mesmo prolongou até 11 de maio a greve às horas extras nos centros de saúde, diz que “a falta de médicos não existe só nas urgências, existe em todos os serviços hospitalares, consultas e cirurgias, e nos centros de saúde”., acrescentando: "Se encerram as urgências é porque não há um número específico de médicos nas equipas, mas muitos, mesmo com equipas reduzidas, mantêm as portas abertas, aumentando os riscos para os profissionais e utentes”.

Segundo Joana Bordalo e Sá, este ministério não teve “um plano estratégico para trazer mais médicos para o SNS”. “A única aposta foram as linhas telefónicas, mas, mesmo assim, estas não substituíram o atendimento médico, porque grande parte das situações foram enviadas para os hospitais. Estes encerramentos não são mais do que o espelho da falta de vontade política e de competência deste ministério em negociar”, conclui.

O DN contactou a Direção Executiva do SNS para saber se tem acompanhado os encerramentos e o que vai ser feito no sentido de os travar e a resposta dada foi que "a atual direção Executiva do SNS está a trabalhar insistentemente com as ULS para as sensibilizar para o novo modelo de urgência obstétrica", lembrando que "apesar de se verificar o encerramento das urgências externas, há que salientar que as maternidades continuam a estar abertas e a prestar cuidados aos doentes". Na mesma resposta, a DE refere que "o SNS trabalha em rede e, como tal, a resposta aos utentes tem sido garantida pelas outras maternidades. Exemplo disso é o caso da MAC, Santa Maria e Cascais, que nunca estiveram encerradas".

Urgências da área materno-infantil da região de Lisboa e Vale do Tejo  são as mais afetadas com os encerramentos.
No Hospital São José há profissionais a tentarem transformar a Urgência: “Já é a nossa casa”
Urgências da área materno-infantil da região de Lisboa e Vale do Tejo  são as mais afetadas com os encerramentos.
Ministra admite que tempos de espera nas urgências hospitalares são "inaceitáveis" e que problema tem de "ser resolvido"

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt