És eterno”. Esta frase foi escrita à mão com caneta de cor preta no autocolante da barbearia Granda Pente, no bairro do Vale, em Lisboa, onde há três meses o proprietário Carlos Pina foi morto com disparos de pistola calibre 6.35 mm. Na porta de vidro estão as marcas da tragédia e um aviso de “não encostar no vidro”, ainda com um buraco de disparo de arma de fogo . O DN voltou ao local da tragédia que matou não só Pina, o barbeiro mais famoso da zona, mas também Bruno Neto, de 36 anos, e a esposa, Fernanda Júlia da Silva, luso-brasileira de 34 anos, que estava grávida.O clima na zona é tranquilo, com moradores a passar com compras e a desejar um bom ano. A vida parece seguir um ritmo calmo, típico dos últimos dias de dezembro. Do lado de dentro da barbearia, tudo lembra a Carlos Pina. Logo na entrada, uma grande foto do barbeiro está no alto, com a data de nascimento e de falecimento da vítima, com 42 anos a separar os dois momentos. Numa das paredes laterais está afixada num quadro uma camisa branca estampada com foto de Pina. Acima, a impressão de mais duas fotografias: uma de Pina e outra do casal Bruno e Fernanda, com o laço preto, símbolo de luto, entre as duas imagens. No aparador, um vaso de rosas brancas bem cuidadas. “Arranjo todos os dias”, diz ao DN Fábio Ferreira, mais conhecido como Ziggy, a apontar ao pequeno altar. . Ziggy, de 31 anos, conhece Pina há pelo menos metade da vida. “Eu aprendi muita coisa com o Pina, muita coisa. Quando cheguei aqui, depois de vir de Inglaterra, já sabia cortar cabelo, mas aprendi muita coisa com ele, sobre as tesouras, as navalhas e sobre como atender. O Pina cativava as pessoas, era muito sorridente, estava sempre a sorrir, mesmo quando estava chateado. Com ele eu aprendi a ser mais aberto, ms agora fechei-me de novo”, conta o profissional, que trabalha na barbearia há pouco mais de seis meses. Antes, já havia sido parceiro de Pina noutra barbearia. Hoje, é Ziggy quem gere o empreendimento e faz um esforço diário para manter a barberia Granda Pente aberta depois do assassinato do amigo - ao qual presenciou.Conta ao DN que os últimos três meses tem sido bastante desafiantes. “Não tem sido fácil, mas estamos a tentar, ele jamais queria que isto fechasse, estamos a tentar levar isto pra frente”, explica. Fábio trabalha ali com as boas lembranças de longa data do amigo e as más lembranças do dia do crime, que chocou o país e além fronteiras. Ziggy diz sentir “uma mágoa, uma revolta no peito”, mas que se dissipa ao manusear as tesouras. “Estou a trabalhar todos os dias, a atender fora do horário, a dar o meu melhor”, relata. Pina, que abriu a barbearia em 2016, tinha um grande carteira de clientes de toda a zona e arredores. Já em reportagens anteriores do DN, diversos moradores relataram que era uma pessoa querida na comunidade. Alguns continuam a fazê-lo. Outros estão com medo de frequentar o local depois do que aconteceu. “Eu percebo o medo das pessoas, mas está tranquilo, aquilo não deveria ter acontecido, não foi uma coisa normal”, argumenta o barbeiro. Segundo Ziggy, os que mais deixaram de frequentar a barbearia são os jovens, enquanto os mais antigos se mantêm fiéis ao Grande Pente.Os amigos contam que, logo a seguir à morte do barbeiro, o senhorio do estabelecimento tentou não renovar o contrato - uma advogada ajudou na causa e o senhorio acabou por aceitar deixar a barbearia no imóvel. Mas a condição imposta foi a de aumentar a renda em mais de 100 euros e já avisando que haverá mais aumentos. A subida no valor mensal foi mais um golpe. ."A sociedade só soube falar em rótulos". Dino D'Santiago lamenta mortes em triplo homicídio. Procurando assegurar a continuidade do empreendimento do amigo, Fábio está a tentar inovar para manter os clientes e conquistar novos. Recentemente, lançou promoções, como a oferta do décimo corte de cabelo ou barba. “Mandamos fazer novos cartões com essa informação”, conta. Foi criada uma rifa no valor de 1 euro, com brinquedos como brinde. Passou também a fazer chamadas telefónicas para velhos amigos a incentivá-los a marcar um horário no local. “Alguns até vem de longe, de outras zonas, para apoiar”, relata. Quando conversava com o DN no sofá da barbearia, o telemóvel tocou. Era um amigo que queria agendar três cortes naquele mesmo dia, para depois das 18h. Ziggy atendeu com alegria e expressou gratidão por mais três serviços garantidos, que prontamente anotou na agenda. “Vamos manter os bons produtos para as pessoas se sentirem bem; os champôs, toalhas, tudo organizado”, cita. O barbeiro quer também conquistar mais clientes crianças. “Graças a Deus as crianças adoram contactar comigo. Tenho aquele jeitinho para elas. É rápido e ficam como se fossem um adulto mesmo. Todo bonitinhos. E os pais e as mães adoram, quando veem o cabelo já cortado”, conta com um sorriso. “Pelos filhos” . Carina Alves, de 39 anos, é ex-esposa de Pina e mãe de um dos seis filhos do barbeiro. Entre uma corrida e outra de TVDE, sua ocupação principal no momento, também passou a fazer cortes de cabelo para senhoras na barbearia. “Tivemos a ideia de pôr aqui o corte de cabelo para mulheres também, e puxá-las para cá para fazer as unhas, para ver se a barbearia desenvolve, se corre tudo bem. Até agora estamos a conseguir. Mas isto é tudo muito recente. Espero que corra bem, em prol dos filhos dele”, explica Carina.Segundo ela, também moradora na zona, a situação no bairro “está tranquila”. Porém, assim como Ziggy, diz entender que as pessoas tenham algum receio em frequentar a barbearia. Como “aqueles jovens de 16, 17 anos, que já vinham sozinhos, e as mães agora não querem que eles venham”, diz. “Mas o ambiente aqui está completamente tranquilo. E porque não havia de estar? Aquilo foi uma situação do momento”, argumenta.O casal esteve junto por 13 anos e a separação foi tranquila, tanto que continuaram amigos. Carina emociona-se ao lembrar que Pina “adorava as festas de Natal e da passagem de ano”, tornando a data neste ano mais difícil. “Fomos para a casa de minha irmã, para não ficarmos sozinhos”, ressalta. O filho de Carina, com17 anos, é um dos seis filhos de Pina e, na altura do crime, morava com o pai. A mais nova dos seis irmãos tem apenas dois anos. “O Pina sempre quis ter uma menina, era a luz dele. Agora, vai crescer sem as lembranças do pai”, lamenta.A poucos passos da barberia, a lembrança de Pina está marcada na parede. Um grande mural foi grafitado em sua homenagem e pode ser avistado ao longe. A iniciativa foi dos amigos e vizinhos, que fizeram uma “vaquinha” e juntaram o recurso necessário para a pintura. O desenho foi assinado pelo artista Vile Graffiti. Na parede ao lado, outra pintura homenageia Tiaguinho, um jovem do bairro que foi vítima de de um acidente em 2009. Na altura, tinha 17 anos. Segundo Carina, os filhos de Pina definiram em conjunto todos os detalhes da obra que homenageia o pai naquela parede. “Escolheram a foto, se punha ou se não punha a data de nascimento e da morte, a frase, tudo como eles queriam”, relata. . Fernando Silva, conhecido na zona como Nando, confessou os crimes e está preso preventivamente. No dia do crime, saiu em fuga de carro, mas foi preso pela PJ no dia 9 de outubro em Setúbal, na casa de um parente, a 35 quilómetros do local dos assassinatos. A defesa de Fernando Silva alega doença mental, hipótese rejeitada por amigos e familiares de Pina. Pela grave natureza dos crimes de que é suspeito, Fernando Silva arrisca 25 anos de prisão, a pena máxima prevista em lei.amanda.lima@dn.pt .Moradores do Bairro do Vale rejeitam que a família do triplo homicida regresse a casa: “Pode originar nova tragédia”.Triplo homicídio em Lisboa. “Caso sem precedentes de violência gratuita”