O fotojornalista Eduardo Gageiro, conhecido por imagens históricas captadas na Revolução do 25 de Abril, morreu durante a madrugada desta quarta-feira, 4 de junho, em Lisboa, aos 90 anos. A notícia foi avançada por fonte da família à agência Lusa. Gageiro morreu no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, "em paz, rodeado pela família, com todo o carinho e conforto", afirmou Afonso Gageiro, neto do fotojornalista, à mesma agência.. Nascido em Sacavém, em 1935, Eduardo Gageiro deixa um vasto arquivo de uma obra de décadas, que ilustra realidades políticas, sociais e culturais do país, modos de vida e personalidades diversas, num registo histórico que se estende desde a década de 1950 até à atualidade.Foi um dos primeiros fotojornalistas a chegar aos cenários do 25 de Abril, fixando as imagens do encontro dos militares no Terreiro do Paço, o assalto à sede da PIDE, a polícia política da ditadura, e o momento em que o capitão Salgueiro Maia percebeu que a queda da ditadura era inevitável e a revolução triunfara.No Terreiro do Paço captou aquele que Salgueiro Maia descreveu como o "momento mais belo de insubordinação" quando, regressando da Rua do Arsenal, dois militares subalternos tinham acabado de desobedecer ao brigadeiro leal ao regime, recusando-se a disparar sobre as tropas revoltosas. Essa imagem é, para o fotojornalista José Carlos Pratas, um dos ícones de Gageiro. "Era um grande fotógrafo. O melhor de nós todos", diz em declarações ao DN. Assume ter tido com Gageiro um "conflito grave", o que não o impede de realçar a qualidade daquele de quem foi amigo e com quem muito aprendeu. "Aprendi com ele a fazer fotografias que falam para a reportagem", assume.Mesmo assim, considera que Eduardo Gageiro "é mais fotógrafo do que propriamente jornalista". "Faz arte onde nós olhamos como jornalismo."A jornalista Patrícia Reis, que trabalhou com Gageiro e cujas imagens escolheu usar em diversas ocasiões, recorda ao DN o então "editor de fotografia da antiga revista Sábado. Trabalhámos juntos algum tempo e foi sempre criativo, foi sempre recheado com muitas histórias", diz. "Mais tarde, publiquei várias fotografias icónicas do seu portfólio, entre elas a fotografia maravilhosa de Sophia de Mello Breyner à secretária a fumar, Raul Solnado a espreitar de uma saída de esgoto, Jorge Sampaio a tocar violino, Amália em Alfama rodeada de miúdos, entre outras. Era um fotojornalista de mão cheia. Foi um privilégio privar com ele", admite.Já o fotojornalista Mário Cruz salientou à Lusa o pendor “profundamente humanista” do trabalho de Gageiro, “a maior referência na fotografia portuguesa". “O trabalho dele tem uma componente social que, para mim, fez sempre sentido na fotografia, fotojornalística e documental. A fotografia de Eduardo Gageiro constitui prova, é uma fotografia profundamente humanista e que é utilizada enquanto veículo de comunicação para nos alertar e para nos fazer pensar, para nos fazer refletir. Isso é um legado que ele deixa e a mim inspira pessoalmente, e para o meu trabalho certamente”, continuou o vencedor de dois World Press Photo.Depois de ter sido o primeiro a marcar presença no cenário da Revolução dos Cravos, também esteve no último desfile do 25 de Abril, este ano, já debilitado. “Estava a dizer-lhe que lhe agradecia bastante pelo trabalho, e ele só me perguntou onde é que estava a câmara fotográfica. Aquela crítica, indicando que temos de estar preparados para documentar a História”, contou Mário Cruz acerca do momento em que o encontrou na Avenida da Liberdade..Referência da fotografia em Portugal, Eduardo Gageiro era menos consensual no que respeita à sua personalidade, sendo público um diferendo que teve com Alfredo Cunha, outro dos fotógrafos do 25 de Abril: acusou-o de assinar como suas fotografias que não lhe pertenciam."Nunca percebi esta atitude dele, porque sempre o respeitei, sempre achei que ele era um grande fotógrafo, nunca tive o mínimo atrito com ele, e de repente, para aí em 2013, ele sai-se com essa", disse Alfredo Cunha em entrevista ao Observador, em 2017. "Eu conheço-o há 40 e tal anos e ele esteve sempre em diferendo com alguém", acrescentou.Não muito tempo depois, o tribunal decidiu a favor de Alfredo Cunha."Empregado de escritório na Fábrica de Loiça de Sacavém de 1947 a 1957, conviveu diariamente com pintores, escultores e operários fabris, que o influenciaram na sua decisão de fazer fotojornalismo", lê-se ainda na biografia que consta do site do fotojornalista."Com 12 anos publica no Diário de Notícias, com honras de primeira página, a sua primeira fotografia", tendo dado início à "atividade de repórter fotográfico no Diário Ilustrado em 1957", lembra a nota biográfica de Eduardo Gageiro.Ao longo da carreira trabalhou para as revistas O Século Ilustrado, Eva, Almanaque, Match Magazine, foi correspondente da agência Associated Press (Portugal), editor da revista Sábado e manteve uma longa atividade como freelancer.O seu trabalho abrangeu também a Companhia Nacional de Bailado, a Assembleia da República e a Presidência da República, a editora alemã Deustche Gramophone e companhias internacionais como a Yamaha e a Cartier.Eduardo Gageiro foi condecorado como comendador da Ordem do Infante D. Henrique e cavaleiro da Ordem de Leopoldo II, da Bélgica.Entre as distinções da sua carreira, conta-se o World Press Photo, em 1975, por uma imagem de António de Spínola, na clarividência da derrota iminente, com a passagem da História.Foi nomeado “membro de honra” do Fotokluba Riga (ex-URSS), do Fotoclube Natron e da Novi Sad (ex-Jugoslávia), da Osterreichisdhe für Photographie, da Áustria, e recebeu o prémio de excelência da Fédération Internationale de l’Art Photographique (FIAP), em Berna, na Suíça.No II Congresso Internacional de Repórteres Fotográficos, realizado em S. Paulo, Brasil, em 1966, foi nomeado vice-presidente da organização.Mestre Fotógrafo Honorário da Associação de Fotógrafos Profissionais desde 2009 é o único português com uma fotografia em exposição permanente na Casa da História Europeia, em Bruxelas, desde 2014, indica a sua biografia e no início deste ano, a Câmara Municipal de Torres Vedras adquiriu o acervo do fotógrafo, que já se mantinha à sua guarda e conservação.Até 13 de setembro está patente na Galeria Municipal de Torres Vedras a exposição “Pela Lente da Liberdade”, que parte desse acervo.Com Lusa.Eduardo Gageiro exibe fotografias icónicas do 25 de Abril na Cordoaria.Eduardo Gageiro volta a ter três fotos premiadas.O amor capturado pela lente de Eduardo Gageiro