Paulo Duarte, o padre jesuíta que é um sucesso nas redes sociais
Paulo Duarte, o padre jesuíta que é um sucesso nas redes sociaisEstelle Valente (Facebook de Paulo Duarte)

Missão em ambiente digital: a verdadeira “mediamorfose da fé”

Lançam as redes, tal como lançaram os fundadores da Igreja. Francisco exortou-os a caminhar nas ruas digitais. Leão XIV pede-lhes redes que salvem. Partilham mensagens de fé ou de reflexão, notas, episódios ou memórias pessoais – por vezes provocatórias, por vezes irónicas, sempre concisas. Não há sermões.
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Francisco exortou-os a percorrer as ruas digitais, “repletas de humanidade, muitas vezes ferida: homens e mulheres que procuram a salvação ou a esperança.” Replicando o desafio de Jesus - "Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura” - o papa argentino convocou a Igreja para uma "saída missionária" nova, e atenta a diferentes fluxos sócio-digitais, para aí “tecer laços” e “construir comunidades”, traçando o retrato dos novos missionários.

Não se trata de uma marca comercial, partido político ou ONG. “Nós, cristãos,” escreveu num tweet de 2018, “não temos um produto para vender, mas uma vida para comunicar”.

Leão XIV, o sucessor de Francisco, recua em 2025 aos pescadores apóstolos fundadores da Igreja Católica para convocar estes missionários à construção de “redes de amor”: “Onde se possa consertar o que está partido, curar a solidão, redes que salvem”. Acrescentando: “Sem se importar com o número de seguidores”.

O que leva à pergunta: quais os critérios para avaliar a missão da Igreja no meio digital? Que métricas seguir?

Procura-se equilíbrio, difícil, sob pena de contradição: como pode um evangelizador, enquanto discípulo-missionário de Jesus de Nazaré ter a tentação da fama, dos likes, da monetização e mercantilização?

Não pode, diz o Vaticano. São chamados a ser, por isso, contra corrente. Contra-influenciadores digitais, nome sugerido, passados mais de 2000 anos, com o desafio de lançar redes em águas agora muito mais profundas. Foram mais de mil, entre sacerdotes, religiosos e leigos, os que estiveram reunidos no primeiro encontro dedicado aos missionários digitais católicos, em Roma, iniciativa que faz parte do Jubileu, período de reflexão e penitência de um ano organizado pela Igreja a cada quarto de século.

Entre os participantes do evento de 28 e 29 de julho passado, um português. Combina oração e Evangelho com poesia, arte, humor. Com alegria. O jesuíta Paulo Duarte, 45 anos, a quem chamam padre do lenço, em virtude de uma longa coleção de cachecóis e foulards jamais usados ao acaso. Outro, Pedro Figueiredo, vigário de 5 mil fiéis, com presença digital cheia de graça e humor, participou no Jubileu dos Jovens.

Ambos, partilham mensagens de fé ou de reflexão, notas, episódios ou memórias pessoais – por vezes provocatórias, por vezes irónicas, sempre concisas. Sem longos sermões. Dizia São João Crisóstomo: “O sacerdote deve ser circunspecto e perspicaz”. Paulo e Pedro apostam apenas na segunda. Ambos com milhares de seguidores, começaram "nisto" por brincadeira “Pena que ainda somos tão pouco", lamenta Pedro Figueiredo ao DN.

Paulo Duarte é padre jesuíta em tem 33 mil seguidores somente no Instagram
Paulo Duarte é padre jesuíta em tem 33 mil seguidores somente no InstagramPedro Sadio

Pe. Paulo Duarte. Tem 45 anos, é jesuíta: “À-vontade, sempre, à-vontadinha, nunca”.  

 A fotografia de uma sombra, a dele, refletida na água, uma outra em que embrulhado num pano de cores budistas posa, de costas, junto ao mar ilustram  “breves apontamentos” sobre  férias, a sabedoria do descanso, a importância da contemplação. 

O jesuíta escreve em forma de "breves partilhas, "breves apontamentos", notas soltas ou “coisas da vida de um padre”. A experiência de uma oração comunitária, o batismo de um criança - “chegam boas recordações de um dia bonito. A tranquilidade do Vicente era imensa. Ao longo de toda a celebração foi vivendo cada momento, observando tudo com muita atenção” -, fins de tarde ou o amanhecer. Partilhas mais pessoais, também. “Há dias, num comentário que fizeram sobre duas pessoas que não se dão bem, brotaram em mim sentimentos de satisfação por isso e de vingança. Quando me apercebi, tive a tentação de os afastar, nessa negação de fingir que não aconteceram. Mas, sim, senti. E na vincada consciência deles, brotou a tristeza e a vergonha. Levei tudo ao silêncio e à oração (...)”. ⠀ 

Pequenos bilhetes escritos a mão, a tinta verde, lembram fragmentos de um diário: um telefonema da mãe, uma sensação, uma alegria. Um retrato dele, criança, para falar do bullying de que nesses anos foi vítima. "Cada foto é um ponto de partida para uma nota, um assunto”:  da violência doméstica a “como encontrar Deus em Todas as coisas”.  Escolhe os temas em que pode acrescentar um olhar, uma perspetiva. Fazer a diferença. Nunca responde a comentários, a menos que lhe cheguem, e chegam muitos, em forma de mensagem privada.  

Costuma publicar entre as 8 e as 9 da noite. No Instagram, para 33 mil seguidores. No Facebook, onde regista 11 mil seguidores. E se apresenta assim: “Não me julgues por eu pecar de forma diferente da tua”.  

Os seus posts são “responsavelmente” livres. “Não vale tudo. Há o bom-senso, e também a teologia subjacente à igreja. Temos de refletir e ter cuidado, na medida em que aquilo que se escreve pode ter várias interpretações, muitas vezes resultado de descontextualização”, diz.

As redes sociais promovem uma proximidade desejada. Porém, Paulo Duarte conhece os defeitos da virtude. “ É um erro deixarmos os outros pensarem que somos todos grandes amigos só porque estão a ler-nos e a comentar-nos. Desde logo porque não é verdade”. Traça linhas limítrofes, tem um lema: “ à-vontade sempre, à-vontadinha, nunca”.

E uma imagem de marca: os foulards. Chamam-lhe o padre do lenço. “Gosto muito, recebo vários de presente, uso sempre que me apetece”. Nunca ao acaso, combinando cores. Porque, diz, “não fiz voto de mau gosto”.

Formado em Filosofia, Teologia, com mestrado em Teologia Fundamental na área do corpo, tem interesses de estudo e investigação relacionados “com a Humanidade, no contributo da busca de sentido e reconciliação, a partir de questões como a corporeidade e a arte, pela dança, relacionando com a espiritualidade e acompanhamento”. Publicou dois livros: «Deus como Tu» (2018) e «Rezar a Vida - A experiência da fé no quotidiano» (2019).

Algarvio, quis ser veterinário, foi comissário de bordo, celebrou a primeira missa em 2014, seguindo a fé de Constança, a avó alentejana de Odemira, única praticante da família próxima.

Pedro Figueiredo publicou esta fotografia com a seguinte legenda:" Quando vês os teus fiéis a baldarem-se à missa nos olivais. Obrigado @miniavailable 🤣🤣🤣. Brincadeiraaa! #Tb às Ordenações Sacerdotais no Mosteiro de São Vicente"
Pedro Figueiredo publicou esta fotografia com a seguinte legenda:" Quando vês os teus fiéis a baldarem-se à missa nos olivais. Obrigado @miniavailable 🤣🤣🤣. Brincadeiraaa! #Tb às Ordenações Sacerdotais no Mosteiro de São Vicente"@padrepedrofigueiredo

Pedro Figueiredo, 33 anos: rir não é pecado 

Em três meses de Instagram tem 15.000 seguidores, a que junta 4.000 no TIK TOK e 3.300 no Facebook.  Publica diariamente entre as 18:00 e as 19:00. “É fundamental apostar ao sábado”, diz ainda este atento influencer católico, cuja “ carreira” nas redes foi iniciada por brincadeira. E com muito sentido de humor, posts em que é protagonista: "Como se veste um padre para a celebração em sessenta segundos", "quais as alfaias litúrgicas" ou "Caminhada no dia mais quente do ano". “Foge”, vídeo em que é visto a escapar das tentações do diabo, "Bora rezar" ou o sugestivo “Não caias nessa”, para depois o vermos soprar em Bíblias carregadas de pó ou encosta abaixo, em correria destravada, demonstrado que depois do  batismo “nasce uma nova pessoa". Ou mesmo a levar com caixas de cartão na cabeça, convite um tanto exótico à participação nas festas populares da paróquia.

Pedro Figueiredo é vigário em Olivais sul e Santa Maria dos Olivais, onde dois padres servem  cerca de 30 mil fiéis, e capelão do hospital CUF Descobertas.

Esteve no jubileu dos influenciadores católicos . “O novo mundo digital, apesar de ser um mundo líquido, é o mundo em que muitos vivem. É lá que devemos também estar. Essa é a nossa génese”.   

As redes servem também para mostrar que são homens. “ O segredo está em nos mostrarmos como somos. Porque assim se estabelece proximidade". Nunca se coloca no papel de quem procura ajuda. “Sigo Jesus. Vim para servir e não para ser servido. Não tenho problemas em mostrar a minha debilidade,  mas o que procuro é divulgar conteúdos, sobretudo catequéticos".  

Luta contra preconceitos. “Ando na rua identificado e noto certos olhares. Sei que preconceitos vão nas pessoas que olham assim,” diz, considerando o impacto dos abusos sexuais nas comunidades. Dá como exemplo um vídeo em que se levanta da cama e se dirige à janela, que abre, para deixar entrar a luz do dia. “Logo houve quem me perguntasse pelas crianças”.   

Apesar de todas as paróquias  terem presença nas redes, sabe que as pessoas preferem seguir vidas concretas.   

Ricardo Figueiredo com o papa Francisco, no Vaticano
Ricardo Figueiredo com o papa Francisco, no Vaticano@pericardofigueiredo

Pe. Ricardo Figueiredo. A parte racional do cérebro  

Tem cerca de 3000 seguidores no Instagram e outros tantos no Facebook. Utiliza Youtube e Spotify. Nasceu em Belas, em 1990.  É, desde 2025, presbítero e diretor de comunicação do Patriarcado de Lisboa. É doutorado em Teologia Sistemática. Autor de diversos livros.  

Em 2023 abriu um novo capítulo no Instagram: o que mais que parecia um placard da paróquia passou a ser um espaço para evangelização, “levar Cristo aos outros”, movido pela certeza transmitida por São Paulo, citando os antigos poetas, «Somos da raça de Deus». 

“Assumi essa missão dando prioridade à parte racional do cérebro”, diz ao DN.  Uma página dirigida essencialmente a jovens, com desafios, centrada no sacramento da Eucaristia.  Podemos vê-lo sentado no chão, de pernas cruzadas, a falar da Irmã Clare Crockett, “grande exemplo de santidade”, ou a recordar a primeira comunhão, legenda de uma fotografia em que ele, menino, está com as mãos postas. “Nunca nos podemos esquecer de que comungar não é receber uma coisa, mas receber uma Pessoa, o Corpo de Jesus, vivo e ressuscitado, que nos quer fazer participantes da Sua vida divina”.  Também o vemos, sorridente, num “Dia incrível de sol por Sintra”, ao lado da mãe ou, ainda com a mãe, felizes, no casamento do irmão.   

Há gatos nas redes de Ricardo Figueiredo. Os que fotografa no jardim da casa paroquial. E tratores. Que benze, a pedido. Há trechos de homilias, anúncios de novos livros. Sobre São Miguel, ou para conhecer e rezar ao Beato Carlo Acutis, de quem é admirador. 

“Se há séculos, muitos partiram pelo mundo a anunciar Cristo, hoje é necessário partir para evangelizar as redes”, diz ao DN. Os primeiros contactos surgiram nos anos de pandemia, em resposta ao confinamento.  

Diretor do departamento de comunicação do Patriarcado de Lisboa, tem um grupo que trata da redes sociais.  Cerca de 5 pessoas. 

Os sobrinhos, crianças, “acham que o tio é a maior estrela do mundo”. Com os comentários abertos, responde, por vezes, em mensagens privadas.  “Já tive pessoas que se  aproximaram de Deus, outras que se converteram ao batismo”, diz.   

Américo Aguiar, em viagem a Roma, entre os cardeais Cobo e Omella
Américo Aguiar, em viagem a Roma, entre os cardeais Cobo e Omella@cardealamericoaguiar

Cardeal Américo Aguiar: “Forma extraordinária de comunicar” 

 São 23,8 mil seguidores para 2004 publicações no Instagram. Com uma única interrupção: os dias do recente conclave levaram o cardeal-eleitor a suspender temporariamente as contas nas redes, por ter percebido “com clareza”, que se “impunha um distanciamento da agitação do mundo, um silêncio de palavras ditas e escritas. E hoje, olhando para trás, confirmo que foi a decisão correta”, anunciou no Instagram. 

Américo Manuel Alves Aguiar, nascido a 12 de dezembro de 1973, é talvez o cardeal católico português mais influente nas redes sociais. Para o bispo da diocese de Setúbal, Instagram e Facebook “são uma forma extraordinária de comunicar, porque capaz de chegar a todos, ao mesmo tempo”.  

Seja ao lado de bombeiros ou de líderes políticos, a acompanhar  fiéis ou a plantar arvores, em procissão ou a dar sangue, em estádios ou a alertar para burlas  que estariam a ser cometidas em seu nome,  o cardeal mostra a vida pública sem receio.  

No Facebook são quase 5 mil os que o seguem. Lá,  posa ao lado de figuras que admira. “A “juventude acumulada” do nosso Cardeal José Saraiva Martins, nonagenário, natural da diocese da Guarda e antigo Prefeito do Dicastério para as Causas dos Santos”, escreve. Outras, que homenageia, como Jorge Costa, na morte deste,  elogiando o antigo capitão do FC Porto, clube da devoção do cardeal nascido em Leça do Balio.  

Com forte ligação à juventude e atitude informal, Américo Aguiar cedo percebeu a influência das redes e depressa aderiu ao desafio de Francisco,  o “seu” papa, com quem partilhava dia de nascimento. Uma ligação consolidada durante a presidência da Fundação JMJ Lisboa 2023.   

O Pe. Guilherme tem mais de um milhão de seguidores somente no Instagram
O Pe. Guilherme tem mais de um milhão de seguidores somente no Instagram@padre.guilherme

Pe. Guilherme Peixoto – 51 anos - O DJ viral das JMJ 

“Música electrónica e uma noite em família no Monte São Félix, em Laundos na Póvoa de Varzim no mais típico espaço paroquial do mundo - Ar de Rock Laúndos - no passado dia 15 de Agosto. Na mesa de mistura, estiveram comigo os DJs DJ Renato Neiva, ATTILO e pela primeira vez a minha afilhada e sobrinha Mariana - ALBA. Que momento tão especial “, anuncia Guilherme Peixoto a mais de um milhão e meio de seguidores. Figura viral das jornadas Mundiais da Juventude realizadas em Lisboa, é o padre português mais influente das redes.  

“Aos nossos voluntários e a todos quantos nos visitaram a nossa gratidão por nos ajudarem a tornar o sonho realidade com a construção da Sede para o Agrupamento de Escuteiros de Laúndos inserida no Centro Pastoral”, diz no Instagram, partindo doa  música para ações de solidariedade. “Música, união na pista de dança e muitas mensagens de esperança e fé”, escreve. 

Com concertos no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, no âmbito do festival religioso Juventude pela Paz, e do destaque na JMJ, Padre Guilherme, o DJ, é um dos artistas mais procurados no país, sobretudo nos meses  de verão.  

No Brasil, um espetáculo de luzes, equipamentos de última geração e batidas intensas de electronic dance music, o Padre Guilherme acumulou mais de 500 mil visualizações. 

 Houve até quem dissesse que, graças ao DJ, conseguiu reencontrar-se com a sua fé.  

Desde cedo, Guilherme Peixoto, nascido em Guimarães, sonhou em ser padre. Ingressou no seminário aos 13 anos, mas nunca imaginou que, além de se tornar sacerdote, se tornaria um aclamado DJ de techno.  

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