Teresa Pina é politóloga e doutorada pelo ISCTE.
Teresa Pina é politóloga e doutorada pelo ISCTE.REINALDO RODRIGUES/GLOBAL IMAGENS

Migrações. “A exceção ucraniana devia ser a regra”

Teresa Pina, politóloga e autora da tese 'Tensão Entre Supranacionalismo e Intergovernamentalismo: Uma análise do impacto da crise europeia de refugiados de 2015 sobre a política pública de migração e asilo da União Europeia', doutorada pelo ISCTE, fala ao DN sobre o tema – do passado à atualidade.
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Este tema das migrações e asilo, como é que surgiu?

Surgiu porque foi um tema que eu, enquanto jornalista, acompanhei de alguma forma, designadamente os acontecimentos de 2015, que trouxeram mais destaque a estas temáticas no âmbito da União Europeia. Comecei, precisamente, por tentar perceber as respostas que tinham sido dadas à crise de 2015. É por aí que começa a tese.

O estudo que apresentou no ISCTE pretende “analisar o impacto da crise europeia de refugiados de 2015 sobre a política pública de migração e asilo na União Europeia”. A que conclusões é que chegou? 

Concluí, de uma forma muitíssimo sumária, que esse impacto se traduziu numa proeminência dos Estados-membros, mais do que no papel das instituições europeias. Daí haver essa tensão entre o supranacionalismo e o intergovernamentalismo, sendo que este último representa, no fundo, os interesses dos Estados-membros em preservar, de alguma forma, esta política pública na sua esfera de influência. A conclusão a que cheguei é que os Estados-membros, de alguma forma, quiseram preservar e não aprofundar a integração. E o novo pacto para a migração e o asilo, que foi apresentado numa primeira formulação em 2020, pela Comissão Europeia, pela presidente Ursula von der Leyen, depois esteve lentamente a fazer o seu percurso, até agora que foi aprovado, em sede de Parlamento e também do Conselho, antes das Eleições Europeias, mas que no fundo – é a minha opinião –, espelha essa preponderância intergovernamental que persiste nesta política europeia. Simplificando, cada país-membro quer manter a sua própria política em relação a esta situação. Sem querer, no fundo, cooperar em pé de igualdade com os demais Estados-membros.

A questão é que os migrantes chegam todos os dias. Em Portugal, há cerca de três meses verificou-se que tinham vindo cerca de 100 pessoas de África, do Senegal, da Gâmbia, e que estavam a viver na rua, sem qualquer apoio. 

Há aqui duas questões que eu também procurei distinguir: uma coisa são os requerentes de asilo ou de proteção internacional, que fogem dessas situações limite, e temos dois exemplos emblemáticos. A Ucrânia, mais recente, e primeiro a tal crise de 2015. Como é que, em situações muito semelhantes, pessoas que fogem da guerra, de um conflito, às portas da Europa – enfim, no caso da Síria era no Médio Oriente, no caso da Ucrânia é a Leste – provocaram uma pressão às portas da União Europeia? No caso das pessoas que fogem da Síria, sobretudo na Grécia e na Itália, no caso dos ucranianos, junto da Polónia, Chéquia, Hungria. [Como é que essas pessoas] tiveram desfechos tão diferentes, não é? 

Sim, porque para a população ucraniana arranjou-se soluções.

Sim, mas enquanto no caso da Síria as soluções foram ad hoc, passaram por soluções externas – esse acordo da Turquia foi precisamente para reter os migrantes na Turquia, a partir de 2016, para evitar que os migrantes viessem sobrecarregar a Grécia e Itália – havia ainda muitas pessoas às quais a União Europeia não estava a conseguir dar qualquer tipo de apoio, embora tenha tentado. Criou-se um sistema de recolocação de pessoas, ainda em 2015, em setembro, criando quotas obrigatórias para distribuir essas pessoas pelos Estados-membros e, desde aí, houve logo uma certa rejeição, porque não houve consenso na aprovação desse sistema. Por exemplo, a Hungria votou contra, tal como outros Estados, a Finlândia absteve-se. Tanto que depois esse plano teve um efeito quase simbólico, não se preencheu o número de quotas. No caso da Ucrânia, que até tinha uma dimensão muito maior, de repente, havia seis milhões de deslocados na Ucrânia – enquanto que no outro caso era pouco mais de um milhão... A questão é que, rapidamente e com o consenso de todos os Estados-membros, se aprovou uma medida interna, prevista na lei europeia, que foi ativar a tal diretiva de proteção temporária, de que todos ouvimos falar, que nunca tinha sido ativada, estava lá, escondida no acervo legislativo europeu, tinha sido criada por causa da Guerra nos Balcãs, e cujo objetivo é precisamente proporcionar uma solução imediata a um conjunto de pessoas de fora da UE que fogem de uma situação limite, de uma catástrofe, de uma guerra, etc.

Sim, mas os outros também fogem disso. Há aqui uma discriminação de alguma maneira?

A questão que se coloca é por que se aplicou num caso e não se aplicou no outro. Talvez se tenha aprendido alguma lição, uma vez que a solução exposta à Ucrânia foi posterior. Mas não deixa de se poder fazer notar que no caso da Síria aquele sistema de recolocação que se criou não mereceu sequer união na resposta europeia, porque houve diferentes votos.

Ao mesmo tempo que houve essa exceção para os ucranianos, há  africanos que, por exemplo, fogem do Sudão, da Serra Leoa, fogem também de territórios que estão em guerra e com fome, e não há uma solução para eles.

A questão é que a exceção ucraniana devia ser a regra. E ainda bem que ela existiu e esperemos que possa fazer história e criar o precedente. A questão que se coloca é até que ponto é que não se deve ter sempre em conta o que está previsto em matéria de Direitos Humanos e de proteções legais na lei europeia, para não haver diferenciações nem discriminações. 

Voltando aos ucranianos, em 2022 ouvia-se muitos a queixarem-se que chegaram a Portugal e não tinham apoios.

Temos 60 mil ucranianos em Portugal. Essas pessoas estão integradas, pelo menos não há sinal público de que as coisas não estejam a funcionar. Infelizmente, a União Europeia, no mês passado, se não estou em erro, em junho, prorrogou a aplicação dessa diretiva, que é temporária, até 2026. Há cerca de 4,2 milhões de ucranianos abrangidos por esta proteção em toda a União Europeia que foi alargada até 2026.

Em relação aos africanos que migraram para Portugal, muitos estão indocumentados e a viver na rua. O que é que se pode fazer para ajudar estas pessoas?

Uma questão são os refugiados ou requerentes de asilo, outra são pessoas que migram sem depois desejarem fazer esse pedido de proteção internacional. Se são requerentes de asilo deverão ter esse acom- panhamento. Outra questão são pessoas que viajam com algum documento e depois, de alguma forma, ficam irregulares em Portugal. E isso é uma questão de gerir as migrações em Portugal.

O que tem sido uma grande dificuldade agora com a AIMA. 

Em relação a refugiados e requerentes de asilo, o que as pessoas procuram em primeiro lugar é uma segurança, acolhimento. E cabe às entidades competentes analisar esses pedidos e verificar se são fundamentados. E depois integrá-las.

Voltando à sua tese, é referido que a crise de 2015 expôs deficiências estruturais do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA). Que deficiências são essas? 

A principal especificidade é que o sistema assenta no Espaço Schengen, que é um espaço sem fronteiras, entre os Estados-membros, fronteiras internas, bem entendido. No que toca aos requerentes de asilo, por exemplo, o Acordo de Dublin determina que quem é responsável por analisar os pedidos é o Estado de entrada. Isso onera, de uma forma desproporcional, os países cujas fronteiras coincidem com as fronteiras externas da União, tradicionalmente a Itália, a Grécia, e a Espanha mais recentemente, agora com a retoma da rota migratória atlântica. É um espaço desigual e desequilibrado. É de recordar os acontecimentos de 2015, quando esses países ficaram, de repente, a braços com milhares de pessoas que entravam pelo Mediterrâneo. Por isso é que se criou a Diretiva de Proteção Temporária, precisamente, para evitar que isso acontecesse, neste caso, já nas fronteiras Leste. Há dois anos, quando houve a crise ucraniana, vimos o mesmo a acontecer nas fronteiras da Polónia, da Hungria, da Eslováquia, com grandes filas de migrantes. Não se chegou a formar um aglomerado de pessoas, como aconteceu nas ilhas gregas, porque, em poucos dias, foi aprovada a tal ativação da Diretiva.

Estamos a observar, a nível europeu, uma ascensão da extrema-direita e é sabido que esta política é contrária à vinda de migrantes. Isto pode implicar com o inter-governamentalismo?

A verdade é que essa retórica antimigrantes tem vindo a dominar sucessivamente o discurso político em alguns Estados. Acho que é um tema ultrainteressante que se tem vindo a concretizar como um dominó por todos os Estados-membros. Na verdade, parece que os Estados-membros só concordam com medidas – aconteceu em 2015 – que vão ao encontro dos seus Estados, e não aos interesses de uma entidade supranacional comum, àquilo que está previsto, no fundo, nos tratados europeus sobre o acolhimento, neste caso, de refugiados. Depois temos a grande exceção da Ucrânia, que não bate certo com isto, que é exatamente o contrário. Em que tivemos uma resposta supranacional, perfeitamente enquadrada no espírito da Convenção de Genebra, dos tratados europeus, de tudo o que diz a lei, dos Direitos Humanos.

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