Segundo a Sociedade Portuguesa de Matemática, prova tinha poucas questões de conteúdos do 9.º ano. -- Foto: GERARDO SANTOS/GLOBAL IMAGENS
Segundo a Sociedade Portuguesa de Matemática, prova tinha poucas questões de conteúdos do 9.º ano. -- Foto: GERARDO SANTOS/GLOBAL IMAGENS

Melhoria dos resultados de Matemática não corresponde ao real conhecimento dos alunos

Na prova de Matemática, de 9.º ano, metade dos alunos obtiveram classificação igual ou superior a 50%. Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) alerta para a facilidade do teste, pede reforço na recuperação de aprendizagens e quer exames em todos os finais de ciclo.
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A média da prova de Matemática do 9.º ano realizada em junho foi de 51 pontos, mais oito que o exame da mesma disciplina no ano letivo de 2022/23. Um resultado que poderia indicar uma melhor aprendizagem da matéria por parte dos alunos, mas que será enganador, pois o teste terá sido mais fácil. Aliás, o Ministério da Educação não faz comparações: “O facto de as provas da mesma disciplina não serem comparáveis entre anos letivos não permite concluir que o desempenho dos alunos tenha melhorado.”

É também esta a conclusão da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), que alerta para a facilidade da prova deste ano, comparativamente à do ano passado. “A avaliação externa tem tido um papel decisivo na melhoria da aprendizagem e do desenvolvimento de capacidades fundamentais para o futuro dos jovens. Cada prova é um referencial de exigência para o sistema de ensino. Daí a importância vital da consistência das provas ano após ano. Infelizmente, a desadequação da prova leva-nos a considerar que o objetivo não será cumprido”, sublinha José Carlos Santos, presidente da SPM. Para o responsável, “o importante não é a classificação da prova, mas o real conhecimento dos alunos” e sublinha que os resultados, em testes internacionais, como os testes PISA, estão abaixo da média. 

“A nossa perceção foi que a prova foi bastante fácil. É um exame de todo o 3.º ciclo e tinha poucas questões de conteúdos de 9.º ano. Temos tendência para nos convencer que as coisas estão bem quando as notas são elevadas, mas o que interessa se a prova foi fácil?”, questiona. Segundo o presidente da SPM, o que importa é que “os alunos saibam Matemática e os testes internacionais não refletem isso”. “Descemos bastante. Gostava que estivéssemos ao nível de outros países próximos geograficamente e em tamanho, como a Bélgica e estamos bastante atrás”, lamenta.

Os resultados da prova de Matemática têm outras consequências negativas, porque “não permitem distinguir um aluno talentoso e aplicado de um aluno mediano”. “Um aluno talentoso não tem estímulo quando tem a mesma nota de um colega que não trabalhou”, alerta José Carlos Santos. Questionado pelo DN sobre os motivos que justificam os fracos resultados na disciplina, vista como um estigma pelos alunos, o presidente da SPM aponta para várias problemáticas. “A falta de professores afeta os alunos e os resultados, bem como a pandemia. A falta de docentes é um problema grave e condiciona a escolha dos alunos que entram para o secundário, quando sofreram com a falta de aulas no 3.º ciclo. Acresce ainda um problema cultural, com a Matemática vista como um um bicho de 7 cabeças, há países onde a Matemática não tem este estigma. Se os filhos dizem aos pais que é difícil, acaba por condicionar e isso é difícil de mudar”, explica. Por isso, pedem “é preciso mudar a maneira de pensar das pessoas”. 

José Carlos Santos justifica ainda as dificuldades dos alunos à disciplina com falhas no domínio da língua portuguesa, “de extrema importância para a Matemática e para compreensão dos problemas”. “Devemos apostar numa melhor formação no português e na interpretação de textos”, conclui.

Plano de recuperação de aprendizagens não foi eficaz

Afirma ainda não ter havido um programa de recuperação de aprendizagens eficaz e pede reforço no novo plano, que será apresentado este mês pelo Ministério da Educação. “Este novo plano deveria ter um grande número de aulas extra para colmatar as falhas do período da pandemia, onde os alunos estiveram sem aulas. Deve ser uma quantidade adequada, mas com a falta de professores não vejo como poderá acontecer”, lamenta.

João Pedro Aido, vice-presidente da direção da Associação de Professores de Português (APP) também quer mudanças no novo plano de recuperação de aprendizagens, com maior ênfase nas práticas de leitura e de escrita dos alunos. “Sugerimos que os planos de recuperação das aprendizagens, que permitam aumentar o número de alunos com desempenho elevado (top performers), incidam numa exposição alta a atividades de leitura e de escrita, que tipicamente devem ocorrer na aula de Português, com recurso a didáticas que privilegiem as competências mais complexas definidas no Perfil dos Alunos, o que sabemos que tem um impacto efetivo nas práticas de leitura dos alunos”, defende. Contudo, o responsável tem dúvidas sobre a operacionalização das estratégias devido ao “contexto de insuficiência de professores de Português durante uma década, pelo menos, e em que parece não haver capacidade instalada no ensino superior para responder rapidamente a esta necessidade urgente”.

Também o presidente da SPM afirma ser necessário formar mais professores. “Os alunos estão condicionados nas escolhas e isso é catastrófico. É preciso recorrer ao método de baixar a qualificação dos docentes, o que vai baixar o nível do ensino. Seria muito positivo se se pudesse pegar em professores já com licenciatura e facilitar o acesso ao mestrado de via ensino”, defende. Segundo José Carlos Santos, uma outra estratégia para melhorar os resultados, seria aplicar uma prova em cada final de ciclo e não apenas no 3º. “As provas deviam ser aplicadas em todos os ciclos de estudo, com ponderação na nota final. Quando os alunos sabem que vão ter um exame, aprendem mais”, conclui.

Faltam professores de Matemática e Português

Na prova de Português, 76% dos alunos obtiveram uma classificação igual ou superior a 50%, mas a disciplina enfrenta os mesmos problemas da de Matemática, com uma grave falta de docentes. A três meses das provas realizadas em junho, ainda havia alunos sem professores nas disciplinas sujeitas a prova. Cerca de 60% das escolas tiveram de recorrer a docentes de Português sem habilitação profissional para mitigar o problema. Em março deste ano, Carlinda Leite (coordenadora do grupo de trabalho nomeado para rever o regime de habilitação profissional para a docência) alertava para a falta de 854 professores de Português, um número que subiria, em 2024, para 897 professores e em 2025, para 1134. Já 2030, faltarão 2861 professores de Português nas escolas.

Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, entre 2003 e 2007, diplomaram-se 357 professores de Português e 256 de Matemática. De 2018 a 2022, o número de novos professores diminuiu significativamente, com apenas 45 diplomados para a disciplina de Português e 26 de Matemática. A falta de professores de Português agravou-se 250% no último ano. Português e Matemática estão entre os grupos onde a escassez de professores é maior. 

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