Ao longo dos anos tem havido aumento ou diminuição de casos de bullying? Há uma maior consciencialização, até porque há muitos programas de prevenção e sensibilização, nomeadamente no Instituto de Apoio à Criança (IAC). Temos gabinetes em cerca de 50 agrupamentos escolares em várias zonas do país, com técnicos especializados. Nos nossos gabinetes temos poucos casos sinalizados porque trabalhamos na prevenção. Mas cada vez há mais violência gratuita. Os miúdos estão cada vez mais reativos quando contrariados e resolvem muito na base da violência. Não se pode dizer que o bullying diminuiu. Eu diria que há mais requintes na maneira como acabam por fazer bullying. Os miúdos têm mais meios para chegar ao outro. Antigamente, o bullying restringia-se ao contexto escolar e agora ultrapassa os portões da escola..O que justifica esse aumento de “violência gratuita”? As crianças e jovens estão cada vez mais incapazes de controlar os impulsos. Da agressividade, quando é mal gerida em relação aos outros, surgem os comportamentos de violência. Temos meninos com cada vez mais dificuldade de racionalizar sentimentos. Há ainda a questão da exposição à violência gratuita pelas tecnologias. Os miúdos são muito permeáveis e estão constantemente a ser invadidos por esses estímulos..Há diferenças entre rapazes e raparigas? As meninas praticam sobretudo bullying psicológico e muito a exclusão do grupo. São mais propícias a inventar boatos. O físico é mais comum nos rapazes. Tem-se mantido assim ao longo dos anos. O que mudou é que havia mais casos no 3.º ciclo (relacionado com as alterações hormonais), entre 7.º e 9.º anos, e agora começa já no ensino pré-escolar e muito no 1.º ciclo..O acesso às redes sociais e o culto da imagem podem explicar o registo de casos no 1.º ciclo? Às meninas, na questão da exclusão, esse culto da imagem pode torná-las mais suscetíveis em questões de autoestima. Tem maior impacto nelas. Mas o bullying começa no agressor, independentemente da forma como a vítima se sente. Se alguém lhe diz que não é bonita, o problema não está na sua autoimagem, mas sim no outro..O que se implementa nas escolas para combater o bullying é suficiente? É preciso fazer mais. Há muitos estudos e pouca prática. Não temos interventores sociais suficientes nas escolas. Por exemplo, nas escolas onde temos Gabinete de Apoio às Crianças e às Famílias (GAAF), a nossa taxa é residual. Num universo de 61.288 mil alunos, temos 6976 acompanhados pelo GAAF. E nesses só temos sinalizadas 128 vítimas, sendo que após intervenção já só temos 34 agressores e 39 vítimas. Isto é muito pouco. Fazemos um trabalho de prevenção e de proximidade, estamos no recreio, nos pátios e em todos os espaços da escola. E, portanto, o que faz falta é mais equipas que ajudem a fazer este trabalho. Precisamos de ação, que se faça mais, que se trabalhem mais as competências sociais das crianças para não chegar a este limite. A agressividade é uma coisa inata e é preciso fazer esse trabalho..A legislação existente é suficiente? Não há legislação específica para o bullying. Não existe a criminalização do bullying [mas atos associados podem ser punidos por lei]. Não seria mau rever estas questões legais para ver se ajudaria na prevenção e se seria um fator dissuasor..O que devem fazer as vítimas quando não conseguem resolver o problema na escola? Temos a linha SOS Criança (11611). Nessa linha, quer adultos quer crianças podem fazer denúncias de tudo o que estiver a pôr em causa os seus direitos para podermos intervir. A linha é anónima, confidencial e gratuita. Podem ligar por tudo e por nada, por situações muito graves ou menos graves.