Médicos “revoltados” dizem que “ministra tem de decidir se quer ver SNS ruir ou negociar”
Nove meses depois da última greve, nos dias 17 e 18 de outubro 2023, os médicos voltam esta terça-feira a parar e a manifestar-se na rua. Os fundamentos que sustentam este protesto decretado pela Federação Nacional dos Médicos (Fnam) são praticamente os mesmos dos da última greve, mas desta vez visando uma tutela diferente, agora é dirigido a Ana Paula Martins, que consideram estar a ser “extremamente inflexível” e “intransigente”.
Ao DN, a presidente desta estrutura sindical, Joana Bordalo e Sá, explica: “É como se tivéssemos voltado à estaca zero nas negociações. As soluções apresentadas por este ministério não vão fixar mais médicos no SNS e as matérias que são, de facto, importantes e que os médicos querem ver discutidas o ministério não aceita discutir”.
Joana Bordalo Sá relembra que a tutela “não aceitou um único ponto que a Fnam levou para cima da mesa, enquanto nós aceitámos todos os que o ministério propôs para discussão”.
Na base desta greve está o facto de a tutela ter empurrado a discussão das grelhas salariais para março de 2025, quando a Fnam propunha que tal fosse feito até setembro para ficar inscrito no Orçamento do Estado - “embora estivéssemos dispostos a aceitar que aplicação da medida fosse aplicada só próximo ano e, eventualmente, faseada”, admite ao DN. Outro ponto prioritário para o sindicato é a discussão da jornada semanal dos médicos, que pretende que regresse às 35 horas, o que já esteve também em cima d mesa com o anterior ministério. E, por fim, a integração do internato médico na carreira, uma medida que, diz, tem custo zero a nível orçamental. Só que nenhum dos pontos “foi aceite, a ministra que considerou que eram linhas vermelhas, empurrando-nos para a greve”.
Ana Paula Martins tem vindo a dizer que o seu ministério mantém disponibilidade para negociar e aproximar-se das reivindicações dos médicos, mas quem está no terreno “não vê isso”, sublinha esta médica. “Os médicos estão exaustos, porque quem está no SNS, trabalha a dobrar, e estão revoltados porque duas das medidas já aprovadas pelo ministério, unilateralmente, sem acordo de nenhum dos sindicatos, já estão a fazer estragos”, referindo-se ao diploma que alterou as regras dos concursos para colocação de médicos, “não há um único médico formado em março que esteja colocado” e o diploma sobre as horas extras, a partir do qual os médicos passam a receber por pacotes de 40 horas. “Acho que nunca houve um diploma tão perverso como este”, argumenta a dirigente.
Por agora, as medidas de luta estão definidas, greves nacionais e parciais e o apelo à recusa de mais horas extraordinárias do que aquelas que são as legais, mas podem não ficar por aqui. “Não é isso que queremos, porque o pretendemos é uma negociação séria e transparente, mas, eventualmente, a luta pode endurecer”.
No ano passado por esta altura, o Movimento de Médicos em Luta avançava com um apelo à recusa de mais horas extras, o que fez com que serviços de urgência de norte a sul do país fechassem temporariamente até ao final do ano. Este ano, já fez o mesmo apelo e enviou uma carta aberta à ministra para que negoceie soluções com os sindicatos. E neste altura diz que já tem mais de 600 médicos dispostos a entregar essas minutas. Joana Bordalo e Sá afirma ao DN que “o sentimento que se sente no terreno é de revolta e isso é da inteira responsabilidade deste governo e do ministério de Ana Paula Martins. É a ministra que tem de decidir se quer ver o SNS ruir ou se quer negociar com os médicos”.
Ao fim de 100 dias como titular da pasta Ana Paula Martins é uma das ministras com mais oposição e, provavelmente, que mais vezes foi ao Parlamento a pedido dos deputados para explicar as suas decisões. Até ao final da semana, a Fnam diz não ter recebido qualquer convocatória para voltar à negociação e o que está em causa “são as matérias que, de facto, interessam aos médicos”.
A médica reforça que os pontos levados pelo ministério para o protocolo de negociação já estiveram em negociação com o anterior executivo e não se justifica que andemos meses a discutir o mesmo”. Joana Bordalo e Sá refere-se à avaliação dos médicos pelo sistema do SIADAP, “já há legislação adaptada e tudo. O que o ministério tem de fazer é que os conselhos de administração das 39 Unidades Locais de Saúde cumpram a lei”. Outro ponto que “aceitámos discutir é o da formação no âmbito do internato médico, que é matéria que os sindicatos têm de ser ouvidos obrigatoriamente e não faz sentido estar numa negociação destas, mas aceitámos. O terceiro ponto é o das normas particulares e disciplinares do trabalho, que também já foi discutido com a anterior tutela e só nada seguiu por causa da crise política”.
A médica considera que a única diferença da primeira reunião com a ministra para a segunda foi a integração das discussão das grelhas salariais, “cujos prazos definidos pelo ministério não são aceitáveis para a Fnam”. Perante tudo isto, a médica diz que não restou outra solução ao sindicato senão “avançar para a greve”.
A presidente da Fnam reforça que “o ministério de Ana Paula Martins ainda não percebeu que os médicos querem discutir medidas urgentes que tragam soluções para fixar profissionais no SNS”. Apesar da greve agora decretada, o Sindicato Independente dos Médicos aceitou as condições do ministério, assinando um protocolo de negociação.