Uma projeção feita pelos serviços do Ministério da Saúde para 2030 dá conta de que, a partir de 2026, o número de médicos de família que se forma será superior ao dos que têm idade pata a reforma, noticiou ontem o jornal Público. Segundo explica a noticia, 2024 será ainda um ano de pico de reformas, das gerações que entraram no Serviço Nacional de Saúde (SNS) no final dos anos da década de 1970 e de depois na década de 1980, mas a partir de 2025 este número ficará equilibrado com o número dos recém-formados, projetando-se que “a partir de 2026, Portugal deverá passar a ter excesso de médicos de família, depois de anos a fio de carência”. .A Associação representante dos Médicos de Medicina Geral e Familiar já veio dizer que não é assim, os sindicatos médicos também e o bastonário da classe fez o mesmo. E todos convergem na mesma explicação, que “esta projeção não considera fatores essenciais que estão a marcar a realidade de hoje, como rescisões de contratos, recém formados que escolhem outras alternativas ao SNS para trabalhar e ainda o número de vagas para a especialidade que ficam por preencher todos os anos”, explicou ao DN o bastonário Carlos Cortes, especificando que o seu comentário tem apenas por base a noticia divulgada no Jornal Público, já que “não ouvi ainda nenhuma declaração do Sr. ministro sobre o assunto. .Ao DN, o Ministério da Saúde explicou que as previsões noticiadas “decorrem da análise realizada no âmbito do planeamento de recursos humanos”, considerando que estão em curso no SNS medidas que vão no sentido da “valorização da Medicina Geral e Familiar”, como “a generalização do modelo de Unidade de Saúde Familiar tipo B como base da resposta dos cuidados de saúde primários”, onde os “profissionais recebem incentivos ao desempenho com aumentos salariais de pelo menos 60%”..A tutela recorda que “só este ano entraram em funcionamento 222 novas USF-B , com valorização salarial para mais 3600 profissionais, dos quais 1330 médicos de família. O número de profissionais a trabalhar em USF-B com incentivos salariais supera já os 10 mil, entre os quais 3880 médicos de família, 3855 enfermeiros e 2832 secretários clínicos”..Mas Carlos Cortes é peremptório ao afirmar que “não vai haver excesso nos próximos dois anos e é muito pouco provável que aconteça ainda nesta década”. Porquê? “Em primeiro lugar, porque este exercício de análise é meramente teórico, não contabilizou o número de médico de família que têm estado a rescindir com o SNS, nem tão pouco os cerca de 20% dos recém formados que nem sequer querem entrar no SNS, escolhendo outras alternativas para trabalhar”..E dá um exemplo: “Cerca de 20% dos 466 médicos de família que se formaram em 2023, 393 na primeira fase e 73 na segunda, não aderiram sequer aos concursos lançados para uma vaga nos cuidados primários. Portanto, é quase uma centena não quis sequer entrar no SNS, preferindo outras alternativas”. .A juntar a este aspeto há ainda um outro, o das rescisões de contrato com o SNS. O presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) referiu à Lusa que “há três anos rescindiram 1200 médicos, há dois mil e no ano passado também mil”..A ser assim, nos últimos três anos rescindiram com o SNS cerca de três mil médicos, sem contar com os que se reformaram, dados que não foram dados pela tutela a nível de especialidade. .O bastonário volta aos exemplos: “No final de abril vamos ter mais cerca de 400 médicos recém formados, o que é que o SNS já fez para os contratar? Até agora, não deu qualquer sinal de os querer, quando poderia começar por divulgar as vagas disponíveis e as condições que lhes dá, mas não. Outros agentes da Saúde já estão a tentar cativar muitos destes médicos”. O ministério reitera aqui que, muitas vezes, os médicos que não concorreram num ano voltam ao concurso para o SNS mais tarde”. .Para além dos médicos que rescindem ou que não querem sequer entrar no SNS, “há ainda o número de utentes que não tem médico de família, 1,7 milhões. E a haver mais médicos é preciso suprir o número de utentes sem medico de família”. .O bastonário considera que há ainda outro factor que é preciso resolver assim que começar a haver mais médicos de família. “É um aspeto importante. É que, neste momento, cada médico de família tem uma lista de 1750 utentes ou mais e o que é recomendado para uma prestação de cuidados de saúde adequada e com qualidade é 1550. Ora todos sabemos que há anos que é colocada muita pressão sob os médicos de família se houver mais médicos esta vai ter de começar a ser corrigida. Portanto é impossível chegarmos a 2026 com um excesso de médicos de família”.