Em 2023, segundo os dados do último relatório da ONU/SIDA, 1,3 milhões de pessoas foram infetadas com o vírus da sida no mundo - só nos Estados Unidos da América foram 100 por dia. Mas esta realidade pode mudar daqui para a frente com a aprovação de um novo medicamento injetável pela Food Drug Administration (FDA), Autoridade Reguladora do Medicamento, nos EUA, que será aplicado apenas duas vezes ao ano. De acordo com os ensaios clínicos, o Yeztugo ou lenacapavir, tem uma eficácia de 99,9% e é considerado como o medicamento existente mais próximo de uma vacina contra o VIH/Sida, mas, na verdade, não é. No comunicado divulgado pela Gilead Sciences, o presidente Daniel O’Day descreve o dia 19 de junho como “um dia histórico na luta de décadas contra o HIV. O Yeztugo, ou lenacapavir, é um dos avanços científicos mais importantes da atualidade e oferece uma oportunidade muito real para ajudar a acabar com a epidemia do HIV”. Daniel O’Day sublinha ainda o facto de se tratar de um “medicamento que só precisa de ser administrado duas vezes por ano com resultados notáveis em estudos clínicos (99,9%), o que significa que pode transformar a prevenção do HIV. Os cientistas da Gilead dedicaram as suas vidas ao combate ao HIV e agora, com a aprovação do Yeztugo pela FDA e em colaboração com nossos diversos parceiros, podemos ajudar a tornar esse objetivo uma realidade”, afirmou.A médica infeciologista do Hospital São João e ex-diretora do Programa Nacional contra as Doenças Sexualmente Transmissíveis e VIH/Sida, Margarida Tavares, concorda que “este medicamento é uma enorme esperança” no combate à doença. Segundo explicou ao DN, “o que este medicamente injetável tem de bom, no contexto do acesso à profilaxia de pré-exposição, é o ser muito eficaz, quase 100%, e com recurso só a duas tomas”. No entanto, salvaguarda, “o medicamento oral que já existe também é muito eficaz, quando usado corretamente, diariamente ou em situações de exposição ao risco, previamente e posteriormente, mas nem sempre isso acontece. E o lenacapavir, aparentemente, oferece um aumento muito grande de eficácia, porque ultrapassa a barreira da adesão. Com duas injeções anuais, as pessoas estão de facto protegidas numa percentagem elevada, quase 100%”. Por isso mesmo, “pode ser uma revolução total em países com uma incidência muito elevada, já que pode proteger as mulheres, os jovens e os grupos de maior risco, como o dos homens que têm sexo com homens”, sublinha Margarida Tavares ao DN.A médica sustenta ainda que o ser uma “enorme esperança” não tem só a ver com a eficácia obtida, mas também pela forma como é aplicado. “Nas populações mais vulneráveis, como jovens ou mulheres, grupos com grandes dificuldades, é óbvio que é difícil manter a adesão a uma terapêutica que implica um comprimento diário ou a um medicamento que se toma antes e após a exposição sexual. Um medicamento semestral pode dizer-se que funcionará quase como uma vacina, embora não o seja”. Acrescentando ainda: “Não podemos dizer que este medicamento é uma vacina porque esta, na grande maioria das vezes, aquilo que faz é imitar o agente (vírus), levando o nosso organismo a produzir anticorpos para ficarmos protegidos contra a sua sequência. E este medicamento não faz isto. O que faz é criar um nível elevado, constante e duradouro de um antirretrovírico, e mesmo que o vírus entre no organismo não se replica. Portanto, não há instalação da infeção”.Para a ex-diretora do Programa Nacional para o VIH/Sida, este medicamento só tem um problema: “O seu preço”, porque, argumenta, “a partir do momento que temos uma ferramenta tão poderosa para prevenir o VIH, que aparentemente tem um baixo custo de produção, segundo a ONU/Sida, não pode ter um custo de milhares de dólares/euros. É preciso um pacto para se poupar muitas vidas humanas”. A médica usa a ONU/Sida como referência para o preço do medicamento, já que numa publicação recente, este organismo indicava que cada ampola custava mais de sete mil dólares - ora se em cada toma semestral são usadas duas ampolas isto dará um custo de cerca de 28 mil dólares por doente ao ano, mais de 24 mil euros. O que pode, desde logo, afastar os mais pobres deste tratamento. No entanto, a Gilead explica no mesmo comunicado que, nos EUA, está a trabalhar em “estreita colaboração com seguradoras e sistemas de saúde com o objetivo de garantir ampla cobertura de seguro para o Yeztugo”. Além de que, e para indivíduos considerados elegíveis com seguro comercial, o Programa de Economia de Co-Pagamento Advancing Access da Gilead reduzirá os custos diretos até zero dólares. O laboratório indica ainda estar também a trabalhar no sentido da cedência da patente para mais de 100 países com elevada incidência para que o medicamento chegue a quem precisa. A estratégia foi começar com a aprovação do medicamento nos EUA, mas o laboratório já submeteu o pedido de autorização de comercialização à Agência Europeia de Medicamentos (EMA), às autoridades do medicamento na Austrália, Brasil, Canadá e África do Sul, tal como na Argentina, México e Peru.Os números da ONU/SidaEm 2023, 39,9 milhões de pessoas no mundo viviam com HIV. Só neste ano, 1,3 milhões de pessoas foram infetadas pelo HIV (só os EUA foram 100 por dia) e mais de 1 milhão morreram de doenças relacionadas com a Sida. Mas desde o início da epidemia – doença foi identificada pela primeira vez em 1981- há registo de que 88,4 milhões de pessoas foram infetadas pelo HIV no mundo e que 42,3 milhões morreram de doenças relacionadas.Do total de pessoas que viviam com VIH/Sida em 2023, 38,6 milhões eram adultos (com 15 anos ou mais) e 1,4 milhões crianças (dos 0 aos 14 anos). Deste mesmo total, 86% conheciam o seu estado sorológico. Há ainda a destacar que dos 39,9 milhões de pessoas com VIH, 53% eram mulheres e meninas.Embora tenha havido progresso na prevenção de novas infeções por VIH, que caíram 39% mundialmente desde 2010 e 59% na África Oriental, o relatório da ONU/SIDA mostra que há três regiões do mundo onde há um aumento do número de novas infeções: Médio Oriente e Norte da África, Europa Oriental e Ásia Central, e América Latina. No documento é referido que as desigualdades persistem e as consequências são visíveis.- Em Portugal, segundo os dados recolhidos pela Direção Geral de Saúde a 30 de junho de 2023, estavam registados 804 casos de infeção por VIH com diagnóstico em 2022. Registou-se uma redução de 56% no número de novos casos de infeção e de 74% em novos casos entre 2013 e 2022. Estima-se que viviam em Portugal, com registos até ao final de 2021, 45.352 pessoas com infeção por VIH, 94,4% das quais já diagnosticadas. .Estados Unidos aprovam a primeira vacina para prevenir o VIH-SIDA.Luís Mendão.“O VIH/Sida tem de ser um desafio para a DGS e para a política de Saúde, a nossa situação é séria”