Marcel Riwalsky: “A mobilidade multimodal deve ser uma prioridade”
Sem querer fazer futurologia, qual considera ser o futuro da aviação?
O tema é bastante abrangente. Se me permite, gostaria de especificar um pouco, distinguindo entre diferentes regiões do globo, com o foco a ser sempre a Europa, claro. Não tenho os números na cabeça, mas a esmagadora maioria das pessoas, no mundo, nunca andou de avião. Há muitos milhões que têm um telemóvel. Mas as que alguma vez voaram são bastante menos. Isto significa que há um enorme potencial para crescer. Pensemos da seguinte maneira: a única forma realista de viajar, muitas vezes, é de avião.
Há que tornar, então, a aviação mais acessível?
Sim. Mesmo com o transporte marítimo moderno, fazer uma viagem de barco continua a parecer-me uma opção fraca, por exemplo. Em países em vias de desenvolvimento, as estradas que vão para zonas mais remotas têm poucas condições. A via-férrea, provavelmente, estará menos desenvolvida do que na Europa. E mesmo aqui há lugares, como uma viagem de Lisboa a Talin, na Estónia, que, ou são demasiado longe ou não há infraestruturas capazes de chegar aos destinos. Acho, por isso, que o transporte aéreo é um fator-chave para o desenvolvimento do planeta. Mesmo na Europa há regiões com diferentes níveis de desenvolvimento. Nesses casos, na melhor das hipóteses, deve consolidar-se aquilo que já se alcançou ao nível da capacidade de transporte. Mesmo que as economias da maior parte dos Estados-membros [da UE] não estejam em crise, as pessoas viajam, quer seja em trabalho ou em férias. Olhando em retrospetiva, os benefícios existem e o desenvolvimento destas regiões é claro. Mas há que fazer mais e continuar no caminho que se estava a seguir antes da covid-19, quando a aviação bateu recordes. Isto para dizer: o setor cresce, mas não em todo o lado, e é preciso mudar isso.
A aviação mudou muito antes da pandemia. Aquilo que temos hoje é bastante diferente do que havia há duas, três décadas. Quais considera serem as próximas tendências, ou mudanças, a aparecer no setor?
Certamente que não será o cumprimento da agenda Net Zero [que procura eliminar por completo as emissões dos gases com efeito de estufa]. Não creio que isso possa acontecer em 20, 30 anos, dada a natureza do transporte aéreo. Nem sequer me parece possível criar aviões elétricos e sobrevoar o Atlântico, por exemplo. As baterias seriam pesadíssimas, o custo seria superior. Acho que o fator-chave, nos próximos anos, será conseguir produzir combustível de maneira sustentável. Os decisores políticos e as entidades reguladoras devem ter isto em consideração: em média, o tempo de vida útil de um avião são 30 anos. É impossível, do ponto de vista logístico, adaptar quer os aviões que estão em serviço, quer os aeroportos. Não se faz do dia para a noite. É preciso uma transição suave e inteligente. E, acima de tudo, feita com tempo.
Fala nos aeroportos. Certamente sabe que, em Portugal, temos uma discussão há quase 50 anos em torno da construção de uma alternativa ao Aeroporto de Lisboa. Tendo em consideração essa transição de que fala e tudo aquilo que já foi discutido na conferência, quais considera que devem ser as prioridades para a construção de uma nova infraestrutura deste tipo?
Qualquer administrador de um aeroporto diria, automaticamente, criar boas ligações às zonas mais remotas. Pode parecer interessante ter um aeroporto com voos para muitos destinos, mas se os acessos forem limitados, acabam por ser vendidos menos bilhetes. As pessoas evitá-lo-ão. Se tenho um aeroporto a 15 quilómetros, mas corro o risco de apanhar trânsito e coisas do género, posso demorar uma hora ou mais a chegar lá, então, o que me impede de ir de comboio ou algo do género até um aeroporto que fique a 100 quilómetros? Será praticamente o mesmo, afinal de contas. Para mim, é claro que a mobilidade multimodal deve ser uma prioridade. Depois, sem infraestruturas decentes, não é possível construir um aeroporto de sucesso. Os Governos devem, por isso, pensar, por exemplo, se querem fechar as pistas à noite [como acontece atualmente], sabendo que querem estar ligados internacionalmente. Diria que, neste aspeto, é preciso tomar decisões muito ponderadas. É uma situação delicada quando se quer ter um aeroporto completamente internacional e se fecha a ligação durante algumas horas. Ninguém pensa em fechar uma estação ferroviária, por exemplo, ainda que, num certo sentido, até faça mais poluição sonora. Claro que, num caso como noutro, nunca se estaria a operar a 100%, haverá sempre uma redução, até porque a procura é mais baixa. Esse é para mim um ponto-chave. E, por fim, há que pensar também: não vamos utilizar as técnicas de há anos. É necessário haver uma digitalização. Se se constrói algo, que se aproveite a tecnologia ao dispor.
O DN viajou para Cluj-Napoca, na Roménia. A viagem foi feita a convite do Aviation-Event.