Mais de 2000 universitários protestaram em Lisboa contra custos da habitação e propinas
Renato Daniel, ao centro, presidente da Associação Académica de Lisboa que lançou o mote para o protesto. Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens

Mais de 2000 universitários protestaram em Lisboa contra custos da habitação e propinas

Deslocaram-se de todo o país para marcharem entre o Rossio e a Assembleia da República. Os preços dos quartos e a falta de oferta de camas públicas é o principal motivo de uma luta que inclui outras reivindicações.
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“A minha mãe faz limpezas. O meu pai há muito tempo que se foi embora, sou filho de pais separados. Se não tivesse conseguido ajuda familiar, para ficar os primeiros tempos no Porto, não teria podido entrar no primeiro ano do mestrado”, conta João Alves, natural de Guimarães e estudante de mestrado em Planeamento Urbano, na faculdade de Engenharia do Porto.

“Já tinha bolsa de estudos, desde a licenciatura, e agora consegui novamente. Depois, precisei de arranjar lugar numa residência. Ao fim de muito tempo, lá consegui um quarto na residência pública do Campo Alegre, que fica a meia hora de transportes da faculdade.” 

Sem dinheiro para pagar um alojamento no mercado privado, João tem de sujeitar-se às condições da residência universitária pública. “A residência tem condições limitadas, como todas as residências do Porto, que estão completamente degradadas”, avança. “Felizmente tenho um quarto só para mim, mas os quartos são minúsculos e ouve-se tudo, de uns para os outros. Só temos duas casas de banho para 14 pessoas, portanto a higiene também não é a melhor.” E até já ficou sem conseguir jantar porque tem “uma cozinha partilhada”onde não é possível cozinharem “todos ao mesmo tempo”.

João Alves, ao meio, conseguiu vaga numa residência pública no Porto.
Leonardo Negrão/Global Imagens

Motivos mais do que suficientes para fazerem João viajar, de propósito, do Porto até Lisboa, esta quinta-feira, para participar na marcha “Teto e Habitação; Um direito à educação”. “Há cerca de 12 mil camas públicas pelo país inteiro e a população estudantil deslocada ronda os 120 mil estudantes, o que é completamente desproporcional. Desde que comecei a tirar a licenciatura que o meu único rendimento era a bolsa. Ainda trabalhei mas deu mau resultado, porque deixei três cadeiras para traz. O rendimento académico foi muito baixo e, ainda assim, não conseguia ter dinheiro para nada, porque só 80 euros por mês iam para a propina”, explica.

Com a mãe a receber muito pouco, nas limpezas, João via-se obrigado “a contar os cêntimos” para ver se conseguia deslocar-se até à universidade. “E, muitas vezes, tinha de calcular se, à sexta-feira, valia a pena ir à aula, porque não tinha dinheiro suficiente”, prossegue o estudante vimaranense. “É por tudo isto que aqui estou, para dar força a esta luta. Nenhum estudante, pelas suas condições sócio-económicas, deve ficar de fora do ensino”, reclama.

“Queremos responsabilizar os novos 230 deputados”

Renato Daniel, 23 anos, presidente da Associação Académica de Coimbra, que lançou o repto para esta manifestação, avisa: “Queremos responsabilizar os novos 230 deputados para que um dos tópicos principais da sua agenda seja o ensino superior mas também a habitação juvenil, que é uma das maiores pandemias que assola neste momento o ensino superior”. 

O dirigente académico explica ainda que o principal motivo que trouxe tantos estudantes a Lisboa - em autocarros, de todos os pontos do país, mas também das diversas faculdades da capital - foi mesmo os problemas habitacionais. “Deslocámo-nos para reivindicar por ‘Teto e Habitação; um direito à educação’. Foi este o apelo passado por nós e pelo movimento associativo, na globalidade. Sabemos que há vários tipos de reivindicações, mas aquela que nos traz a Lisboa é, sobretudo, a habitação, porque é o maior problema que os estudantes do ensino superior que estão deslocados, e são muitos, enfrentam”.

Para minimizar o abandono dos estudos por falta de meios, a Associação Académia de Coimbra criou um programa próprio de apoio aos estudantes, denominado Fundo de Ação Social António Luís Gomes. “Este fundo vive, única e exclusivamente, de verbas que nós vamos conseguindo, quer seja através da Queima das Fitas ou de outras pequenas iniciativas que vamos promovendo”, explica Renato Daniel. “Vamos ajudando os alunos senão, claramente, teríamos um abandono muito superior ao que temos hoje, em Coimbra. Mas acredito que seja igual por todo o país”, acrescenta.

Foi também de Coimbra que veio Ricardo Morais, estudante de Ciências da Educação. “Sou de Mirandela e escolhi Coimbra porque tinha o sonho de estudar nesta cidade”, avança. “Estou num quarto onde pago 150 euros por mês. Tive sorte, porque não é muito. Mas isto é uma luta de todos. Não é pelo facto de ter esta sorte que me impede de estar aqui a lutar pelos outros”, afirma, solidário.

Carolina Fernandes, 21 anos, estudante de Artes Plásticas da faculdade de Belas Artes do Porto é estudante deslocada, natural de Viseu. Ao quarto, pelo qual paga 265 euros, sem despesas incluídas, ainda tem de somar as despesas com material escolar para o curso. “Os custos com material são muito elevados. A faculdade não os tem e somos nós que temos de comprá-los. É uma luta de todos”, conclui.

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