"Mais de 130 países sofrem uma profunda 'insegurança hídrica'", afetando 1,5 mil milhões de seres humanos"

Gestão da água em tempos de escassez é a segunda conferência do ciclo Diversidade Biológica, Desertificação e Sustentabilidade organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa. Palestra de Rui Godinho, presidente da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas, pode ser vista hoje às 18 horas por Zoom.

A tese de que as guerras do futuro serão por causa do acesso à água faz-lhe sentido?
Sim. À medida que se vão alargando as áreas do Mundo afetadas por escassez e secas mais frequentes e prolongadas, torna-se crítica a gestão da água e o acesso a este recurso vital. São conhecidos os conflitos latentes ou já declarados nas "Bacias Transfronteiriças" dos rios Nilo, Mekong, Bramaputra, Tigre e Eufrates, bem como a disputa pelos recursos subterrâneos da Cisjordânia entre Israel, Palestina e Jordânia. Trabalhar para alcançar "segurança hídrica" requer colaboração entre Estados, comunidades e consumidores, organizações internacionais, setores económicos e sociais, para reduzir o risco de potenciais conflitos e dissipar os que já se conhecem. Há que desenvolver ações concretas de "hidrodiplomacia", como a designamos no Conselho Mundial da Água, assente em quatro pilares essenciais, para alcançar a "segurança hídrica": paz e estabilidade política, ativa e justa cooperação transfronteiriça, boa governança e financiamento.

A escassez de água é um fenómeno de regiões como o Médio Oriente ou a Ásia Central ou já afeta também regiões da Europa mediterrânica?
Segundo o recente relatório das Nações Unidas, apresentado na Conferência do Clima em Glasgow (COP26), mais de 130 países sofrem uma profunda "insegurança hídrica", afetando 1,5 mil milhões de seres humanos num triângulo entre a Ásia Central, Paquistão, o chamado Corno de África (Egito, Etiópia, Somália, Sudão), África Subsaariana, Bacia do Mediterrâneo e Sul da Europa (Portugal e Espanha), onde nos situamos. As perdas económicas associadas desde 1998, ascendem a, pelo menos, 103 mil milhões de Euros e o previsível agravamento desta situação, pode vir a causar estragos numa escala que rivalizará com a pandemia da covid-19. Acrescem, porém, outros efeitos relevantes: uso ineficiente da água, degradação dos solos devida a práticas agrícolas inapropriadas e intensivas, com elevadas extrações de água dos aquíferos, não compensadas com a sua recarga. As secas estão em vias de afetar o Planeta de forma sistémica.

Portugal, que este inverno tem tido pouca chuva, é um país com sérias razões para estar preocupado com as alterações climáticas e uma situação de seca quase sistemática?
Portugal não escapa a estes cenários, provocando uma justificada preocupação por não se verem refletidas numa agenda politica nacional, medidas de emergência e ações estruturais de médio e longo prazo que respondam ao rápido evoluir da seca e da desertificação por quase todo o País, a que se associam crescentes dificuldades sentidas pelos serviços de água e saneamento, apresentadas pela APDA em "Exposição aos responsáveis pela conformação e governança do setor" e nos recentes debates que tiveram lugar no ENEG 2021, inseridas no quadro de "emergência climática" e "crise pandémica" que nos atingem brutalmente. A atenção às "mudanças globais" que nos condicionam é uma necessidade inadiável, estabelecendo estratégias e linhas de ação integradas, política e cientificamente apoiadas.

De que forma Portugal pode otimizar os seus recursos em água?
A obtenção de segurança hídrica, constituindo reservas estratégicas de recursos hídricos superficiais e subterrâneos, associadas à aplicação de princípios e práticas de boa governança dos serviços de água e saneamento, deverá ser um pilar fundamental de política ambiental e de ação climática para o País, afetado por seca e escassez de água em 95,5% do seu território (IPMA, fevereiro 2022), com a classificação de "severa" e "extrema". Este cenário dá uma amostra do que se vem anunciando há vários anos, mostrando uma crise na gestão dos recursos hídricos em Portugal e na Península Ibérica, expressa na forma errática e insustentável como vêm sendo geridas as Bacias Hidrográficas do Douro, Tejo e Guadiana no âmbito da Convenção de Albufeira. No que toca aos recursos exclusivamente nacionais também tem sido insuficiente a atenção que as autoridades portuguesas, aos diferentes níveis, têm prestado a uma evolução preocupante na garantia da capacidade de armazenamento das disponibilidades hídricas superficiais em praticamente todo o País, configurando situações perigosas para o abastecimento das populações e de outras atividades que delas dependem, como a agricultura, a pecuária, a indústria e a manutenção da biodiversidade em índices aceitáveis. Quanto às águas subterrâneas, a sobre-exploração existente e a que se anuncia para áreas de grande sensibilidade ecológica, como o Sudoeste Alentejano e o Algarve, ameaça agravar-se, pondo em causa recursos que terão de ser considerados como "reserva estratégica para a segurança e a independência nacional", dada a criticidade que representa uma gestão sem controlo.

Faz diferença a atitude individual ou das populações a nível local?
Medidas avulsas ou pontuais já se tornaram precárias e despidas de qualquer efeito sustentado, dada o acentuar de uma situação que se vem anunciando há mais de cinco anos. Perante a exiguidade das disponibilidades de água, que se verificam, é chegado o momento de aplicar, finalmente e sem hesitações as medidas previstas no PNUEA - Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, aplicável a todos os grandes, médios e pequenos consumidores, cuja atualização, referente ao Plano de Implementação 2012-2020, nunca foi concretizada, apesar de ter sido nomeada uma comissão dedicada para o efeito.

leonidio.ferreira@dn.pt

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