Em 2024 , foram notificados em Portugal 951 casos de infeção por VIH, um número que reflete uma descida relativamente ao ano anterior (997 casos em 2023). Os dados são do último relatório do Programa Nacional para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e VIH (PNISTVIH), da Direção-Geral da Saúde (DGS), que é divulgado hoje no âmbito do Dia Mundial da Luta Contra a Sida, que se assinala a 1 de dezembro. Para a diretora do PNISTVIH, estes dados só revelam que “temos de estar otimistas”, até porque 2024 é o terceiro ano consecutivo, desde 2021, em que o número de novos casos de HIV não ultrapassa o milhar. No entanto, e apesar de o relatório referir que o país mantém uma tendência decrescente sustentada, “Portugal continua a apresentar taxas de novos diagnósticos de infeção por VIH e de Sida superiores aos valores médios registados na União Europeia. Foram comunicados, cumulativamente, 16.050 óbitos em pessoas que viviam com VIH, dos quais 11.294 tinham atingido o estádio Sida”. Por isto mesmo, Bárbara Flor de Lima reconhece que “há, obviamente, muito trabalho a fazer, sobretudo no sentido de se melhorar o acesso à testagem global e à profilaxia preventiva e de tratamento”. Mas, reforça, “o trabalho feito ao longo dos anos tem sido bastante positivo”. Aliás, destaca, “nos últimos dez anos, Portugal tem vindo a reduzir o número de casos e o número de diagnósticos de infeções oportunistas, o que é bastante bom, tendo em conta as metas da ONU/SIDA para 2030. Estamos próximos dos 95, 95, 95 - ou seja, de garantir que 95% da população é testada, está diagnosticada e em tratamento”. O cenário traçado neste documento pode denotar alguma positividade, mas a diretora do programa nacional assume ter grande preocupações, nomeadamente com o facto de a maioria dos novos casos diagnosticados com VIH (53,6%) afetar pessoas nascidas no estrangeiro, sobretudo homens, provenientes da América Latina, residentes na Grande Lisboa e na Península de Setúbal, embora Portugal seja indicado como o país onde o contágio terá ocorrido. É uma realidade que tem vindo a acompanhar o fluxo migratório, mas que é efetivamente uma grande preocupação. E, apesar do relatório ser publicado nesta altura, a monitorização das autoridades de saúde portuguesas já está a ser feita, é contínua e está constantemente a ser atualizada.” O problema é que esta população migratória da América Latina está a ser diagnosticada tardiamente “talvez por ter também mais limitações no acesso à saúde, aos rastreios ou por falta de informação preventiva sobre infeções”, correndo-se o risco de mais transmissão.. Bárbara Flor de Lima explica que, enquanto “a população migrante de origem africana já chega a Portugal, muitas vezes, com diagnóstico feito, acabando por receber no nosso país os cuidados de saúde de que necessita”, em relação à população migrante da América Latina, “os dados registados no relatório de 2024 significam que temos de estar mais atentos e delinear estratégias para conseguir chegar até ela mais facilmente e mais rapidamente”. Porque, refere o relatório, a maioria dos casos só é diagnosticada quando esta população se dirige às unidades de saúde por qualquer outro situação ou sintoma.A responsável pelo programa reconhece que “ainda estamos a falhar num rastreio mais global e fora das unidades de saúde”, não só nesta população, mas também na população masculina acima dos 50 anos e heterossexual, onde há uma elevada taxa de diagnósticos tardios. “O reporte de notificações de casos em pessoas acima dos 50 anos é mais expressivo este ano, mas, apesar de tudo, mantém a tendência do que se verifica a nível da Europa. Não é uma realidade exclusiva de Portugal”, destaca, embora o relatório indique que 65% casos eram em pessoas acima dos 50 anos que tiveram um diagnóstico tardio.A médica explica que há mais casos de diagnóstico tardio em indivíduos heterossexuais que até têm “contacto com os serviços de saúde por outras situações, mas a quem nunca foram feitos testes de rastreio”. “Temos de voltar a reforçar algumas práticas e rever todas as normas em relação ao diagnóstico e rastreio”, reforça. Uma prática que “vai ter de ser, obviamente, intensificada a nível dos cuidados de saúde primários, porque é nestas unidades que esta população procura primeiramente cuidados”. Mais diagnósticos entre os 25 e 29 anos. Cinco casos abaixo dos 15 anosAo DN, Bárbara Flor de Lima destaca outra situação que a preocupa, que é o facto de a taxa de diagnóstico mais elevada ter sido registada num grupo etário jovem, dos 25 aos 29 anos (28,5 casos/105 habitantes), homens em que 97% dos casos a via de transmissão foi sexual, tendo esta sido também a via predominante em pessoas heterossexuais (52,5%), sobretudo em homens (60,6% dos novos diagnósticos)..Taxa de novos casos de VIH/sida em Portugal continua a ser superior à média da UE. Mas não só. A médica salienta ainda que cinco dos casos registados reportam a menores de 15 anos, sendo que “três destes já com transmissão e diagnóstico em Portugal”, o que quer dizer que na “população migrante, que vem de países onde não há efetivamente uma vigilância e rastreios adequados ao VIH, o risco de transmissão é muito real”. No entanto, “estes casos já estão a ser monitorizados por um grupo de trabalho específico no âmbito da pediatria”. Em relação aos restantes, a mediana das idades no momento do diagnóstico “foi de 37 anos, 27,6% tinham idade inferior a 30 anos, a maioria destes (68,7%) eram homens que têm sexo com homens nos quais se observou a idade mediana mais baixa, 31 anos”. Em mais de 40 anos, Portugal registou 66.421 casos de infeção por VIHEste documento técnico reitera uma realidade que já vinha a ser identificada nos últimos anos, devido à alteração da demografia no país provocada pelos movimentos migratórios, destacando, no entanto, que, em 2024, foram diagnosticados mais 194 novos casos de Sida (1,8 casos/105 habitantes), valor que foi superior ao registado nos dois anos anteriores, e notificados 108 óbitos, 46,3% dos quais ocorridos mais de 20 anos após o diagnóstico. Mas o retrato mais abrangente revela que, entre 1983 e 2024, foram diagnosticados em Portugal 66.421 casos de infeção por VIH, dos quais 23.946 evoluíram para Sida. E que, na década mais recente, 2015 a 2024, observou-se uma redução de 35% no número de novos casos de infeção por VIH e de 43% em novos casos de Sida, valores provisórios por não estarem ajustados para o atraso na notificação. No documento é referido ainda que as estimativas realizadas para o ano 2023 revelaram que, nesse ano, viviam em Portugal 49.699 pessoas com infeção por VIH, 94,2% das quais estavam diagnosticadas, o que indica que Portugal esteve próximo de atingir o primeiro objetivo da ONUSIDA. A proporção de infeções não-diagnosticadas era mais elevada para os casos em homens heterossexuais (7,9%) e mais baixa em utilizadores de drogas injetadas (UDI) - 1,1%. No ano em análise, o tempo médio entre a infeção e o diagnóstico foi estimado em 3,7 anos, variando com a forma de transmissão. Em conclusão, o relatório refere que a caracterização da epidemia por VIH mostra a existência de dois padrões distintos: num predomina os casos em homens, jovens e que maioritariamente fazem sexo com outros homens, com diagnóstico mais precoce; noutro prevalecem os casos de transmissão heterossexual, com distribuição por sexo mais equilibrada, idade mais elevada e diagnósticos mais tardios. Por isto mesmo, a coordenadora do programa nacional considera que, no futuro, tem de haver um “reforço na implementação e desenvolvimento de ações dirigidas à promoção do rastreio, diagnóstico precoce e prevenção da transmissão, dirigidas a essas populações específicas. Os homens que fazem sexo com homens, jovens e os migrantes, independentemente do sexo, devem também ser alvo de ações dirigidas, com especial foco na prevenção e no rastreio”.