Os últimos dados internacionais apontam para um aumento do cancro em mulheres jovens, dos 20 aos 49 anos. Um estudo recente nos EUA de 2012 a 2022, este aumento seja da ordem de 1,4%, superior ao aumento nas mulheres com mais de 50 anos, 1%. Esta realidade também afeta Portugal? É uma realidade internacional. Os números que apontou em relação aos EUA são verdadeiros, sendo que este aumento tem vindo a ser sentido mais especificamente a partir de 2016, e desde aqui que é da ordem dos 3,5% ao ano, o que é preocupante. Em relação a Portugal, não temos dados registados que sejam suficientes para podermos ter uma percepção concreta, porque o Registo Oncológico Nacional (RON), embora obrigatório, não regista dados de todas as instituições públicas e privadas. É um registo importante e digno, mas é por defeito..Mas o que nos dizem os últimos dados do RON? Se olharmos para os casos registados no último RON, de 2020, temos a referência de que houve 7504 novos casos de cancro da mama, mas, como digo, é um registo por defeito, porque houve mais casos do que estes. Se olharmos para os grupos etários, por exemplo, abaixo dos 50 anos, vimos que foram diagnosticadas 1984 mulheres, e abaixo dos 45 anos, 1084. Portanto, mesmo que passemos o rastreio ao cancro da mama para os 45 anos de idade, como foi definido agora pela Direção-Geral da Saúde (DGS), é preciso ter em atenção que temos mais de mil mulheres abaixo dos 45 anos com cancro da mama, o que é significativo. E a estas mulheres temos de dar a melhor resposta científica, sobretudo saber como as conseguimos diagnosticar mais cedo..Como diz, Portugal antecipou o rastreio ao cancro da mama, mas há países que já o fazem aos 40 anos. Como médico considera que poderíamos ter sido mais ambiciosos e ter ido mais longe? Concordo que temos de ir mais além na prevenção. Agora, não sei se isso significa somente reduzir a idade da mulher para o rastreio. Acredito que o ir mais longe também possa significar que é preciso descobrir novos instrumentos científicos para que possamos fazer rastreios individualizados..O que quer dizer? Que em vez de fazermos rastreio a todas as pessoas, a partir dos 45 anos ou dos 40 ou até dos 35, poderíamos apostar na descoberta de instrumentos técnicos que nos pudessem indicar que há uma mulher de 40 anos que, pelas suas características, tem de fazer o rastreio como se tivesse 50, mais frequentemente, e que há outra de 55 anos que não precisa de rastreio de forma tão frequente. Temos de caminhar cada vez mais no sentido da individualização do rastreio, porque é o que está a acontecer também na investigação. Por exemplo, num dos projetos europeus em que participei, Projeto Bright, através do Hospital de Santa Maria, foi possível recrutar 800 mulheres que não tinham diagnóstico de cancro da mama, e que estavam abaixo dos 50 anos, para fazerem o chamado teste para risco poligénico. Conseguimos identificar o risco que cada uma corria e se deveriam aguardar a idade indicada para o rastreio, na altura os 50 anos, ou se deveriam antecipá-lo. Penso que é este o caminho que o país deve seguir, apostando em mais instrumentos científicos para além do rastreio. .Um dos problemas do cancro da mama em mulheres jovens é o diagnóstico tardio. Porquê? Por dois motivos, principalmente. Um deles porque as mulheres não estão em idade de fazer exames regularmente e não os fazem. Quando encontram o cancro da mama, muitas vezes, é porque o seu volume já é palpável, sendo a própria a detetar na sua higiene. Esta é uma história que se repete, porque um cancro que é palpável já tem um volume muito maior do que um que tem uma detecção infraclínica, detetado numa mamografia de rastreio. É tão pequeno que nem sequer é palpável. Logo aqui, estamos a lidar com estadios diferentes e fundamentais para a cura. O outro motivo é a questão biológica. Sabemos que os cancros da mama nas mulheres mais jovens, independentemente do subtipo de cancro, por comparação com os mesmos subtipos em mulheres com mais idade, têm um prognóstico diferente, têm maior risco de metastização..Isso quer dizer que estes cancros em mulheres jovens são mais graves do que os detetados em mulheres acima dos 50? Não quer dizer que sejam mais graves, a palavra é forte. Podem é exigir outros tratamentos. Vou dar um exemplo, muito rudimentar, para se perceber como o fator idade é importante para o prognóstico. Um cancro que seja muito hormonodependente numa mulher de 35 anos, se calhar, exige tratamento com quimioterapia, numa mulher de 65 anos pode não exigir..Mas a que sinais devem as mulheres entre os 20 e os 49 anos devem estar atentas? Mulheres com cancro de mama na faixa dos 20 anos são muito poucas, felizmente. Posso dizer, que no último RON, registaram-se 31 casos em mulheres entre os 25 e os 29 anos, mas estes casos merecem toda a nossa atenção. Acho que é importante que todas as pessoas tenham um médico assistente, para que, quando surgir qualquer dúvida, possam procurar ajuda técnica. As próprias mulheres devem prestar muita atenção à sua história familiar e, se for uma história de cancro, devem-na partilhar com o médico assistente, para que possa ajuizar a necessidade de fazer testes genéticos ou não. Não é caso para alarme, o que digo é que todas as mulheres devem estar atentas a qualquer sinal que sintam que é diferente daquilo que já tinham. Se sentem um nódulo que não tinham, embora todas possam ter nódulos por mastopatia fibrocística, devem ir ao médico para que seja investigado. Se percebe qualquer alteração na imagem da própria mama, como uma assimetria diferente, se é detetada uma deformação na posição do mamilo ou na textura da pele, isso tem de ser investigado. E tem de ser valorizado pelo médico..Nem sempre é valorizado por serem mulheres jovens? Uma das situações que identificamos recorrentemente é precisamente que nem sempre é valorizado pelos médicos, porque o cancro da mama em mulheres muito jovens é raro, mas pode acontecer e é fundamental que seja diagnosticado cedo. Portanto, é obrigatório que a mulher quando sente algo de diferente seja observada e é obrigatório que, em caso de dúvida, faça, pelo menos, uma ecografia. E, depois, se necessário, outros exames. Não é necessário preocupação mas sim atenção, por parte das mulheres e por parte da equipa médica..São necessárias mais campanhas de sensibilização? Até para os profissionais? Claro. Todos temos de aprender. O cancro da mama em mulheres mais jovens está a acontecer a nível mundial e ainda não sabemos porquê. Temos de estar atentos aos sinais de alarme que nos apresentam. E campanhas que incidam na formação médica e da enfermagem são muito importantes..Quando se fala de cancro em mulheres jovens fala-se de hereditariedade? A resposta mais simples e sincera é que na maioria dos casos não sabemos as causas. A hereditariedade justifica cerca de 10% dos cancros da mama nas mulheres. Mas nas mulheres jovens ainda não se conseguiu identificar uma mutação num gene que justifique esta predisposição. A verdade é que não sabemos porque está a aumentar a incidência do cancro da mama e, em particular, nas mulheres jovens. Isto tem de ser objeto de estudo e com uma interação científica mais profícua. Tem de haver mais dedicação da comunidade científica a este tema..Até agora, o cancro da mama é dos que tem uma taxa de sobrevivência mais elevada. Isto pode mudar? Globalmente, podemos dizer que 80% dos casos, mesmo detetados em fase avançada, são curáveis, e que entre 90% a 98% dos que são detetados em fase precoce ou muito precoce também, mas ainda há 20% a 30% de mulheres com cancro que morrem. Ainda é uma percentagem elevada e não podemos ficar descansados com esta realidade. Ou seja, ainda temos 20% a 30% de problemas para resolver numa doença que é muito frequente, o que não pode ser ignorado..No caso das mulheres jovens, o cancro da mama é um obstáculo à maternidade? Não. É um problema que se levanta, mas não é impeditivo. Mas a verdade é que hoje em dia a média etária das mulheres para o primeiro filho é mais elevada do que há uns anos - a maioria tem a partir dos 30 anos, e isso é também um fator de risco para o cancro da mama. Uma das coisas que sabemos é que um dos fatores protetores para o cancro da mama é uma primeira gravidez em idade mais jovem. Mas a Medicina evoluiu muito e já há programas que permitem preservar a fertilidade de uma mulher, mesmo que esta tenha de fazer quimioterapia. E há outros problemas associados à questão da maternidade e do cancro da mama, como o cancro após gravidez ou durante, mas para estes casos a Medicina tem encontrado melhores respostas..Há pouco falou no caminho que Portugal deveria fazer para se poder diagnosticar mais cedo o cancro nas mulheres jovens. Os nossos serviços estão preparados para tratar estas mulheres mais jovens ou falta-lhes alguma coisa, por exemplo na questão da acessibilidade? Obviamente que a minha resposta tem um tom muito pessoal. E posso dizer que já se sabia que a incidência estava a aumentar desde 2016 a nível internacional, antes da pandemia. Depois veio a covid-19 e, agora, no pós-covid temos muitos mais diagnósticos e os serviços públicos preenchidíssimos e os privados também começam a ficar. Por isso digo que temos de preparar uma resposta adequada que exige duas coisas, competência técnica e tempo. O grande desafio neste momento é conseguirmos o tempo adequado para tratar cada um dos doentes. Não há possibilidade de fazer uma boa estratégia diagnóstica, terapêutica e de recuperação de um cancro, se não houver tempo para o doente..Mas o que significa esse tempo para o doente? Significa que tem de haver médicos de várias especialidades a intervir e uma cadeia de eficácia montada. Se começa a haver perturbações nos serviços porque há uma grande mobilidade de profissionais de uma instituição para outras, estas têm de ser resolvidas. Não pode haver quebras de eficácia numa especialidade crucial num centro de tratamento do cancro, seja da mama ou de outra área. Ninguém pode tratar bem um cancro da mama se não houver excelente imagiologia, anatomia patológica, cirurgia e oncologia médica ou radioncologia. Isto significa que é preciso apostar muito nos recursos humanos e nos espaços físicos adequados para o exercício da Medicina. E, na minha opinião, neste momento, há uma deficiência na aposta de recursos humanos e nos espaços físicos. Se nada for feito nesse aspecto, haverá impacto na eficácia dos tratamentos, mas esse só será possível identificar anos mais tarde. .Lisboa recebe especialistas de todo o mundo.Durante dois dias, 29 e 30, especialistas e investigadores de diferentes áreas, nomeadamente da oncologia, cirurgia, patologia, economia, saúde pública, epidemiologia e representantes de associações de doentes, de vários países do mundo, como EUA, Canadá, México, Portugal, Espanha, Irlanda, Áustria, Índia, Japão ou Austrália, entre outros, vão estar reunidos em Lisboa, na CUF Tejo, para partilharem conhecimento sobre o “Cancro da Mama e a Saúde das Mulheres Jovens”. É a primeira conferência internacional sobre o tema organizada em parceira com a Breast Cancer in Young Women Foundation, uma organização sem fins lucrativos dedicada à educação e investigação sobre cancro da mama em mulheres jovens. O debate irá incidir sobre os fatores de risco para estas mulheres, como se pode detetar mais precocemente e a relação entre uma dieta com alimentos ultraprocessados durante a puberdade e o risco de contrair cancro da mama mais tarde.