Jovens mesmo vacinados só estarão protegidos "se todos o estiverem"

Um imunologista e um infecciologista pediátrico afirmam: mesmo com vacina, só estaremos protegidos se todos estiverem vacinados.
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No início do ano, a pediatra e cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), Soumya Swaminathan, alertou para o seguinte: pessoas vacinadas registam carga viral do SARS-CoV-2, podendo transmitir o vírus sem que fiquem doentes. Na altura, a questão não estava totalmente esclarecida e a OMS pedia prudência aos vacinados. Neste momento, e segundo explica ao DN o imunologista e professor catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra, Manuel Santos Rosa, "estudos realizados por universidades norte-americanas e divulgados na semana passada apontam para este facto. Isto é, os vacinados desenvolvem cargas virais semelhantes às dos não vacinados quando estão em contacto com o SARS-CoV-2, embora possam não ter sintomas".

A informação é recente, mas o professor diz que tem de fazer repensar algumas situações, nomeadamente a da vacinação dos mais novos. "A haver vacinas, devemos indubitavelmente vacinar todas as crianças e jovens sem nenhuma restrição; se não há, temos de ter estratégias de vacinação que devem sempre colocar em primeiro lugar os que são mais suscetíveis. Mas estas devem incluir também os que podem ser maiores transmissores do vírus", argumenta.

O infecciologista pediátrico do Hospital D. Estefânia, Luís Varandas, também defensor de que todos os jovens da faixa etária definida pela DGS, dos 12 aos 15 anos, deveriam ser vacinados, argumenta que é preciso ter em conta que a vacinação tem "uma proteção individual e uma proteção indireta", defendendo mesmo: "O critério não pode ser só um, porque se for só o de doenças preexistentes, na prática, mesmo com algumas crianças vacinadas, haverá sempre algum risco, porque não estão todas. E, como sabemos, os adolescentes são transmissores e as vacinas dão uma proteção individual, mas também uma proteção indireta."

Ao DN, Luís Varandas salienta: "Ainda não sabemos o que vai estar na norma da Direção-Geral da Saúde [Atualização: ver a lista aqui]. As reações que até agora foram assumidas por mim e por outros colegas têm por base a decisão de que as vacinas só seriam para grupos de risco, mas depois colocaram a questão de que jovens saudáveis também poderão ser vacinados, dependendo de uma avaliação médica, e isto está a gerar confusão." Mas o médico relembra: "Há países que definiram grupos de risco para a vacinação dos mais jovens, mas todos sabemos que os grupos de risco só estão protegidos se os outros à sua volta também estiverem. E isto coloca-se em relação à vacinação dos adolescentes, quer estejam em ambiente escolar ou familiar, a viverem com pessoas que integram grupos de risco."

Os dois médicos defendem que o critério de vacinação para os mais jovens não pode ser só um - o das doenças preexistentes -, tem de haver outro. Por exemplo, "há um jovem que não tem uma doença preexistente mas que tem uma história clínica de sistema imunitário mais frágil ou que está inserido num ambiente em que pode ser um potencial transmissor para pessoas de risco. Estas situações têm de ser equacionadas", diz o imunologista Santos Rosa.

Mais. "Se as pessoas vacinadas continuam a poder transportar o vírus e a transmiti-lo a outras pessoas, uma situação que já se previa mas que não estava totalmente demonstrada, isto vem alterar o conceito de transmissibilidade", alerta. Assim, continua, "a imunidade de grupo é uma quimera. Nunca a atingiremos, porque, mesmo que estejamos praticamente todos vacinados, o vírus continuará a ser transportado e os que ainda não estão vacinados serão sempre um alvo fácil".

O professor de Coimbra reforça a questão por considerar ser "importante" que, perante novas evidências científicas, "deixemos de falar na imunidade de grupo como um objetivo, até como um compromisso, porque esta não será possível. O que se pode dizer é que quanto mais vacinados tivermos, mais proteção geral existe na população. Ou seja, quantos mais vacinados, menos probabilidade existe de se desenvolver doença grave ou sintomatologia, o que nos pode dar até a ideia de que atingimos a imunidade de grupo, mas isso será muito difícil."

A evidência científica veio afastar a hipótese de que os vacinados poderiam bloquear a transmissão, portanto, "é fundamental perceber-se que não se pode baixar os braços, quer na vacinação, porque só estaremos protegidos quando todos estivermos vacinados, quer nas medidas profiláticas, porque isto poderá ser desastroso no caso de o vírus desenvolver uma mutação mais agressiva".

O imunologista destaca ainda que, "não havendo vacinas, o critério deve ser o de priorizar as crianças e os jovens mais suscetíveis", mas, defende, que "o conceito de haver um critério médico, seja o de família ou o do pediatra, para avaliar crianças e jovens saudáveis, é muito importante. Alguém tem de atestar que determinada criança ou jovem correm mais riscos se forem infetados, mesmo que não tenham uma doença preexistente. A sua história clínica pode levar o médico a perceber que devem ser vacinados".

Manuel Santos Rosa considera que não deve haver um só critério na vacinação dos jovens, como não houve também nos adultos, e concorda que "deve haver uma porta aberta para as crianças saudáveis, mas que tenham histórico de resposta imunitária diminuída ou de resposta inflamatória exacerbada, que são situações que colocam qualquer ser humano em risco. E a avaliação médica pode ser importante para não estrangular o grupo de crianças vacinadas aos grupos de doenças tipificadas como morbilidades".

O mesmo pode ser alargado ao conceito de meio, circunstâncias ou de coabitação. Como diz, "há benefício individual, mas o desejável é que uma vacina tenha também benefício para terceiros. Por exemplo, uma criança que esteja num ambiente de eventual contacto com o SARS-CoV-2, no caso de viver numa localidade em que há um surto e que este persiste, tem maior probabilidade de ser infetada, e isto justifica a sua proteção com a vacina".

O imunologista sustenta que, cada vez mais, é preciso considerar a vacinação como um critério de proteção individual, e não como um critério de fortalecer a imunidade de grupo, porque isto pode levar-nos a pensar que basta proteger determinada percentagem da população, e não é assim. "É fundamental perceber que, estando vacinado, estou mais protegido; se todos estivermos vacinados, estamos todos mais protegidos."

O infecciologista pediátrico Luís Varandas defende a vacinação para todas as crianças e adolescentes, por serem transmissores. "Podem ter a doença de forma mais ligeira, mas podem levar o vírus para ambientes onde estejam pessoas mais vulneráveis. Hoje, sabemos que os idosos respondem menos à vacinação. Se houver uma criança ou um adolescente num ambiente destes, que não esteja vacinado, todos correm riscos."

Para o médico, a questão da vacinação dos mais jovens é também uma questão com impacto social, e que esta deveria ser tida em conta. No entanto, Luís Varandas salvaguarda que até aceitaria o facto de a vacinação contra a covid-19 não ser disponibilizada aos mais jovens por uma questão de ética. No fundo, como tem vindo a defender a própria OMS, no sentido de que a vacinação desta faixa etária não seja prioritária porque as vacinas são necessárias para proteger populações em risco que ainda não tiveram acesso a elas.

"É uma questão ética que tem de ser considerada, porque é muita válida, mas, na prática, o que se vê é que os governos ocidentais não estão muito preocupados com isso, porque então o argumento para a vacinação dos mais novos deveria ser este: "Não vacinamos porque essas vacinas são precisas para a população que não está protegida." E nunca é."

Os critérios que deverão fundamentar a vacinação dos mais jovens, entre os 12 e os 15 anos, ainda não são conhecidos, como ainda não são conhecidas as patologias que irão integrar este processo de vacinação. Até agora, a Direção-Geral da Saúde apenas anunciou que a prioridade da vacinação vai para as pessoas desta faixa etária com doenças preexistentes, por correrem mais riscos de ficarem infetados e de poderem desenvolver doença grave.

Durante esta semana, a questão de vacinar ou não esta faixa etária e até se deve haver mais do que um critério que inclua jovens saudáveis está na ordem do dia, resta saber o que decidirá a DGS, já que até agora ainda não publicou a norma que irá regulamentar esta situação.

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