José Miguel Júdice: "Despacho do MP não tem pés nem cabeça"
A leitura das mais de uma centena de páginas do despacho de indiciação do Ministério Público levou a que José Miguel Júdice não ficasse surpreendido com a libertação dos arguidos da Operação Influencer. "Não tive a mais pequena dúvida de que assim seria, a não ser que o juiz fosse um filho dileto de Carlos Alexandre", comentou ao Diário de Notícias.
"O que ali está não tem as mínimas condições para fundamentar a prisão preventiva", acrescentou o antigo bastonário da Ordem dos Advogados e comentador político, muito crítico do trabalho do Ministério Público. Mas sem deixar de salientar que na decisão revelada na segunda-feira não está em causa que os arguidos tenham cometido crimes. O juiz de instrução criminal Nuno Costa não validou os indícios dos crimes de corrupção e prevaricação, mas todos os arguidos - tirando o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas - ficaram indiciados por tráfico de influência.
Sobre o impacto deste desenvolvimento na Operação Influencer, após Magalhães e Silva, advogado de Lacerda Machado, ter vaticinado que "o processo acabou aqui", José Miguel Júdice considera fundamental que a perceção na opinião pública de que "um conjunto de pessoas fizeram crimes gravíssimos" não desvie a atenção das "gravíssimas responsabilidades políticas de António Costa".
E o mesmo se aplica à condução do processo judicial. "O Ministério Público está habituado aos tempos do juiz Carlos Alexandre", reforça Júdice, para quem o despacho de indiciação "não tem pés nem cabeça para a finalidade pretendida".
Algo que também é evidente para o politólogo José Adelino Maltez, que recorre à experiência de jurista para criticar um Ministério Público que "manda logo a bomba atómica". "O país não pode estar suspenso de uma decisão que detém cinco pessoas que, dias depois, o juiz liberta. Ainda bem que temos magistrados experimentados que sabem fazer uma análise mais próxima da realidade", acrescenta, culpando António Costa por "ter criado o monstro deste aparelho jurídico que o fez ser vítima de um Ministério Público sem controlo".
Também o magistrado jubilado António Cluny concorda que a revisão do Estatuto do Ministério Público, realizado pelo anterior Executivo de António Costa, teve impacto negativo no trabalho dos magistrados portugueses.
"Não se pode falar hoje sobre o Ministério Público como se falava antes da revisão", defende o antigo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, apontando as consequências negativas para um "trabalho coerente, pensado e refletido" quando "magistrados em lugares de hierarquia inferior são abandonados a si próprios".
António Cluny aponta o "absurdo" de os superiores hierárquicos terem deixado de poder intervir nos processos em curso, embora os possam reabrir em caso de arquivamento. Algo que "desonera a hierarquia das suas responsabilidades", a bem da noção de que assim se evitarão pressões. "Quem é pressionável não pode ser magistrado", sentencia, acreditando que "se foi demasiado longe" na alteração legis- lativa feita em 2019.
Apesar disso, o magistrado jubilado discorda que a decisão do juiz em não deixar os arguidos em prisão preventiva constitua um revés. "A Justiça faz-se quando o Ministério Público e os juízes estão de acordo e também se faz quando não estão", diz, reforçando que a "avaliação da razoabilidade das propostas do Ministério Público" é uma missão do juiz, cujas decisões têm a vantagem de serem passíveis de recurso, ao contrário das do Ministério Público.