As novas dependências estão a instalar-se devagarinho, não se lhes dá muita importância, porque já fazem parte da vida, e então elas vão causando algum impacto na saúde mental das pessoas. Começamos a ter pessoas que recorrem a nós com problemas de jogo online em número considerável". O psicólogo Fernando Mendes, membro do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses, traça ao DN um retrato do quadro que atualmente o preocupa, a partir da Região Centro (onde trabalha), e extensivo a todo o território nacional..Não são apenas jovens, mas a verdade é que a maior franja da população afetada por essas "novas dependências" são adolescentes, sobretudo. Embora, nesses, apareçam também as "velhas dependências": "Temos muitos jovens, que aparecem com dependências de canábis e canabinoides sintéticos e, depois, uma vaga de gente mais velha, a partir dos 47/50 anos, com a associação ao álcool e aos medicamentos", aponta Fernando Mendes..É por isso que o cenário se afigura ainda sombrio. "Em relação à canábis, estamos a fazer uma espécie de banalização. E isso é muito preocupante. Por exemplo, aqui na comunidade terapêutica, tenho pedidos de pessoas muito jovens, porque têm só uma dependência de canábis -- coisa que antigamente nós não víamos"..Fernando Mendes é psicólogo clínico e dedica-se à investigação há quase 40 anos. É atualmente coordenador da comunidade terapêutica Arco-Íris, a mais antiga de todo o país, criada em Coimbra em 1978. Desde sempre ligado à investigação e à prevenção, o psicólogo vai mais uma vez acicatar os companheiros, no 5.º Congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses, que decorre entre esta quarta-feira (28 de setembro) e sexta-feira, em Aveiro.."Desde os anos 80 o fenómeno evoluiu bastante, não só em termos de consumos, como em termos de grupos de consumidores, até chegar à situação atual, não só das novas substâncias, como também da dependência dos ecrãs", afirma ao DN Fernando Mandes..Contudo, não se cansa de alertar para as "velhas dependências", por considerar que continuam a ser muito preocupantes, e que por vezes parecem ser relegadas para segundo plano, ou mesmo desvalorizadas, à conta dos novos problemas. "Falo do álcool, da canábis, dos canabinoides sintéticos, que são uma preocupação grande", exemplifica..Quanto aos ecrãs, Fernando Mendes sublinha que o número de horas é que determina se estamos ou não perante a dependência. "Há pessoas que estão ligadas mais de três horas e meia nas redes sociais a olhar para o ecrã, a responder aos "amigos", a ver coisas...e isso é preocupante, para não falarmos dos videojogos, cada vez mais elaborados, e em que a pessoa está mais envolvida emocionalmente, visualmente e fisicamente"..De acordo com o último relatório do SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos e nas Dependências - elaborado para o Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e Dependências 2021-2030, em dezembro passado, os dados mostravam-se suficientemente preocupantes: um quarto dos jovens portugueses tem problemas com a Internet. Seis em cada dez adolescentes jogam jogos eletrónicos em dia de escola, e sete em cada dez jogam em dias que não são de escola. Segundo o documento, "os videojogos têm vindo cada vez mais a ganhar terreno ao longo dos anos como atividade de lazer, seja online ou offline, mas especialmente online, desde que estão disponíveis as plataformas que permitem jogar com pessoas do mundo inteiro em simultâneo".."A saúde está sob uma pressão enorme, tem poucos psicólogos. Há uma dificuldade muito grande porque tem uma lista de espera gigante. As escolas já têm de responder às áreas escolares e aos professores. Quem é que trata esta gente?", questiona Fernando Mendes, pensando nos milhares de jovens que hoje se apresentam com problemas de ansiedade, depressão, muitos deles inerentes a dependências, enquanto os pedidos de ajuda não param de chegar aos centros de saúde e aos hospitais..Na intervenção que fará amanhã, este responsável vai alertar (de novo) para a falta de psicólogos no terreno, numa época em que a pandemia veio colocar a nu a saúde mental. "Foi um mau momento para falar de um bom assunto. Estamos a ter mais procura, em termos das dependências de consumos, mas há uma sobrecarga de serviço", sublinha Fernando Mendes..A verdade é que os cursos na área da Psicologia continuam a ter muita procura. Aliás, têm tido cada vez mais. "O que não há é contratação de profissionais para os centros de saúde e para os hospitais"..Há um ano, o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Santos, traçava um retrato que apenas se terá agravado, nos últimos meses. Numa nota à imprensa, a propósito do Dia do Psicólogo - que se assinala a 4 de setembro - lembrava que "o país tem ao seu dispor 24 mil psicólogos, mas há milhares de portugueses sem acesso a um"..dnot@dn.pt