Os novos desafios do VIH: viver com a doença na terceira idade
De mala ao ombro e de olhar concentrado, Luís Mendão atravessa a sala do segundo andar do Palácio dos Congressos, em Paris. Foi assistir aos quatro dias da 9.ª conferência sobre VIH. Dias corridos, como quase todos os outros ao longo do ano, dividido entre sessões, reuniões com associações internacionais representantes de doentes e farmacêuticas. Luís é a cara do Grupo de Ativistas por Tratamentos - GAT, é também uma das pessoas que há mais anos vive com VIH em Portugal. Tem 60 anos e é o exemplo dos novos desafios que a doença coloca: o VIH na terceira idade.
A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 17% da população com VIH na Europa tenha 50 ou mais anos de idade. A indústria farmacêutica aposta em novos tratamentos com menos efeitos secundários, tomas mais espaçadas no tempo e menor risco de interações com outras medicações para doenças relacionadas com a idade como diabetes, hipertensão, problemas cardiovasculares, cancro.
Não são só os doentes infetados há mais anos, agora que esta é uma doença crónica, mas também novos casos diagnosticados em pessoas mais velhas. Em 2014, em Portugal, foram diagnosticadas 311 novas infeções em pessoas com mais de 50 anos. As estimativas internacionais apontam para que em 2030, no mundo, 73% dos doentes a fazer tratamento para o VIH tenham mais de 50 anos, 28% tenham três ou mais doenças relacionadas com a idade e 54% tomem mais do que um medicamento.
Luís Mendão teve o diagnóstico de sida em 1996, mas acredita que foi infetado dez anos antes. Estava doente há muito tempo e o melhor que os médicos tinham conseguido até aí era dizer-lhe que tinha uma depressão profunda. Ele tinha a certeza de que não. Quando soube finalmente o que era sentiu "alívio" por saber que havia uma explicação. Foi dos primeiros a fazer a terapêutica tripla em Portugal. "Tomava 30 comprimidos por dia, um ritual que começava às quatro da manhã e terminava à meia-noite. Hoje tomo três para o VIH e mais seis mas as minhas outras doenças", explica Luís Mendão.
Diabetes, alergia extrema, asma, dores nas articulações. Alguns reflexo do envelhecimento precoce provocado pelo doença e pelos tratamentos mais antigos, que eram mais tóxicos. À medida que o tempo passa é a demência e as limitações físicas que mais o assustam.
"As pessoas não estão só a viver mais tempo com VIH, estão também a ser infetadas em idades mais tardias, porque a vida sexual é mais longa do que antigamente. Isto representa um novo desafio para os médicos porque, ao envelhecer, as pessoas têm outras doenças como hipertensão, doenças cardiovasculares, entre outras, e precisam de medicação para isso. O risco de interação entre medicamentos aumenta. Precisamos de uma abordagem mais holística", disse ao DN Pedro Canh, chefe do departamento de doenças infecciosas da Universidade Médica da Argentina, acrescentando que "não há duvidas de que a nova medicação é muito vantajosa no que diz respeito às interações medicamentosas".
António Diniz, ex-diretor do Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida, reforça a ideia: "Há anos a esperança média de vida de um doente com VIH era de meses. Um longo caminho se fez. Hoje é de 75 anos, desde que tenha uma boa adesão ao tratamento", aponta, referindo que os doentes "têm os riscos inerentes às doenças da idade, agravados pelo facto de estarem infetadas pelo VIH, que pode acelerar o processo de envelhecimento". "Muito do desenvolvimento dos últimos anos não é tanto aumentar a eficácia dos medicamentos, que já é alta, mas garantir que são bem tolerados, o mais possível isentos de reações adversas, de interações e do agravamento de potenciais comorbilidades [outras doenças]. Este é um aspeto que tem de ser tido em conta porque falamos de medicação para o resto da vida", diz.
A introdução dos inibidores de integrase, protease e transcriptase, fármacos que atuam em duas das fases em que o vírus procura introduzir o seu ADN nas células humanas, replicando-se, foram um dos pontos de viragem nesse sentido. As recomendações é que sejam usados na primeira linha do tratamento e continuam a ser uma aposta dos laboratórios farmacêuticos, que estudam agora soluções que reduzam o número de comprimidos mas também aumentem a duração das tomas.
Novas soluções
Em Paris, a Johnson and Johnson apresentou resultados de um ensaio clínico com 230 pacientes com carga viral indetetável que fizeram uma injeção com antirretrovirais de longa duração de quatro em quatro semanas ou de oito em oito durante dois anos. A carga manteve-se indetetável em mais de 90% dos pacientes. Já a MSD apresentou resultados de um ensaio de fase 3 de um novo inibidor de transcriptase que se mostrou eficaz com apenas um comprimido diário. Em ensaio tem também um implante que teria de ser trocado de seis em seis meses.
O infectologista Eugénio Teófilo explica que "o implante mostrou uma semivida de 180 dias, mas eventualmente poderá ir até um ano". A ideia, adianta, é que possa ser usado no tratamento de pré-exposição ao vírus (ver texto ao lado). Mas sem colocar de parte a possibilidade de ser uma solução para pessoas já infetadas: "São ensaios de fase 1 e 2 e precisamos de saber a toxicidade para termos a certeza de que poderão ser bem tolerados."
A jornalista viajou a Paris a convite da MSD