Dinossauros à solta no parque da Lourinhã
Há uma azáfama de última hora. Um misto de arrumações finais e de entusiasmo que anda no ar, que se vê nos olhares e nos gestos de cada um, todos entregues às respetivas tarefas. Uma caixa vazia que falta arrumar, uma derradeira limpeza, um fóssil que chega, rumo ao expositor. Amanhã estará tudo no seu lugar, a postos, quando o Dino Parque abrir, pela primeira vez, portas ao público, às 10.00. Na terra portuguesa dos dinossauros - a Lourinhã, pois claro - o maior parque temático ao ar livre do país espera muitos visitantes. As estimativas são de cerca de 200 mil pessoas logo no primeiro ano de atividade. Só das escolas "já há mais de 12 mil marcações até junho", diz satisfeito Luís Rocha, o diretor do parque.
Junto à Abelheira, a meia dúzia de quilómetros da Lourinhã, a réplica de um imenso dinossauro de cores alegres, plantada na rotunda, mostra que estamos a chegar. E é mesmo ali, ao virar da curva, que se encontra o Dino Parque, integrado num extenso pinhal. Dá-se imediatamente por ele porque há um dinossauro gigante de pescoço comprido a toda a largura da fachada, que é a imitação de um muro feito de pedras. Dentro do recinto, uma frase em grandes letras proclama que "a ciência é divertida", e de cada lado da porta larga duas cascatas põem um toque de frescura na paisagem. A aventura está prestes a começar.
No interior do parque de dez hectares, ziguezagueando por entre os pinheiros, foram criados quatro trilhos que constituem a sua atração central. Em conjunto, perfazem quase três quilómetros, ao longo dos quais se atravessa os vários períodos e eras que marcaram a vida na Terra - do Triásico, entre 250 e 200 milhões de anos, ao Cretácico, entre há 145 e 65 milhões de anos -, com a respetiva fauna, que os visitantes fazem a pé, em família, em grupos de amigos ou de escola. Com locais de paragem aqui e ali, equipados com mesas e bancos, para um piquenique.
É nesse passeio em plena natureza, no meio do pinhal, que nos cruzamos a cada passo com os dinossauros, ou melhor, com as suas réplicas - são 120, espalhadas pelo parque -, que foram concebidas em tamanho natural e de acordo com a descrição que a ciência moderna faz delas: o formato dos corpos e da cabeça, as garras afiadas, os dentes imensos, os espinhos da cauda, as escamas no dorso, a rugosidade da pele, os olhos cheio de pormenor e de brilho, as cenas de rivalidades e de luta, os ninhos, os ovos e as crias, está lá tudo, na paisagem certa. Só as cores, na maioria alegres e vistosas destes dinossauros, são fantasia. "Não temos forma de saber que cores tinham", explica o diretor científico do Dino Parque, o paleontólogo Simão Mateus.
Nos últimos meses, Simão Mateus, que também é museólogo, não teve mãos a medir. Coube-lhe idealizar as exposições e os trilhos, escrever os textos científicos e as legendas, delinear as atividades científicas que vão estar disponíveis para os mais novos no parque e criar e montar o laboratório de paleontologia que ali vai funcionar ao vivo e onde serão preparados achados fósseis, para serem estudados pelos paleontólogos. Esta vertente de apoio à ciência é, aliás, uma das marcas do Dino Parque.
"Uma parte das receitas das entradas é destinada ao financiamento da investigação em paleontologia, através do nosso parceiro GEAL/Museu da Lourinhã", explica Luís Rocha, que não esconde um desejo: "Gostaríamos muito de poder apadrinhar uma nova espécie de dinossauro que venha a ser descoberta na Lourinhã através desse trabalho em paleontologia."
Nos trilhos, espalhados por todo o espaço envolvente, os 120 dinossauros em tamanho natural são a grande atração. Lá está, como não podia deixar de ser, no trilho correspondente do Cretácico, o famoso Tiranossauro rex. Mas quando se fala da Lourinhã, "estamos a falar de fósseis do Jurássico", explica Simão Mateus, por isso é no trilho correspondente a esse período que nos cruzamos com os já numerosos "dinossauros da terra".
Lá está um dos mais icónicos da Lourinhã, e agora também do parque, o Lourinhanosaurus antunesi, que também era um carnívoro de proporções avantajadas, e ao qual Simão Mateus e a sua família estão, aliás, intimamente ligados. Foram os Mateus quem descobriu a maior parte dos seus fósseis nas últimas décadas - "lembro-me de ser pequeno e de participar nas saídas de campo com os meus pais", recorda Simão, com um sorriso. E foi o paleontólogo Octávio Mateus, irmão do diretor científico do Dino Parque, quem estudou, batizou e deu a conhecer à ciência moderna esta e outras espécies icónicas da zona, cujos fósseis ali encontrados fizeram dela uma das mais importantes regiões do mundo para a paleontologia do Jurássico.
Um sonho com 20 anos
É exatamente na zona da Lourinhã - as condições geológicas locais favorecem a preservação dos vestígios da fauna jurássica - que começa a história da paleontologia ligada aos dinossauros em Portugal, com a descoberta, em 1863, de um dente Torvosaurus (um tipo de dinossauro) por um geólogo do reino.
Em 1950, nova descoberta, dessa vez por um grupo de geólogos chefiado por George Zbyszewski, que ali encontrou uma série de fósseis - verificou-se mais tarde que pertencem à espécie Apatosaurus - quando ali faziam prospeções para a elaboração da Carta Geológica de Portugal.
A terceira fase, por assim dizer, começou no início da década de 1980 e está associada à família Mateus e amigos. Adeptos da espeleologia e de caminhadas, decidiram fazer saídas de campo e não precisaram de andar muito para começar a tropeçar em fósseis. Perceberam a importância do que estava a acontecer e decidiram fundar o Museu da Lourinhã para preservar os achados. O seu estudo científico foi o passo natural seguinte e o jovem paleontólogo Octávio Mateus acabou descobrir uma série de novas espécies a partir do espólio acumulado ao longo dos anos pelo Museu da Lourinhã.
Uma parte importante desse espólio, que inclui, por exemplo, um dos maiores ninhos de dinossauros da Europa, com ovos e embriões, passou para o espaço museológico no Dino Parque, que foi ali criado exatamente para esse efeito. "Os visitantes cruzam-se aqui, através destes fósseis, com essa história da região", explica Simão Mateus.
Para o seu diretor científico - e seus familiares - o Dino Parque é a concretização de um sonho com duas décadas, tornado possível pela junção de esforços de uma empresa alemã, do Museu da Lourinhã e da câmara municipal local. Com os seus trilhos e os seus espaços museológicos, as suas réplicas coloridas e os seus fósseis verdadeiros, o Dino Parque cruza ciência e diversão e alia o conhecimento e o saber com a fruição da natureza, os passeios em família ou, simplesmente, o lazer.
E para os mais novos há um extra especial: sob o lema "a ciência é divertida", uma série de atividades orientadas por monitores servem para pôr as mãos na massa da paleontologia, com fósseis verdadeiros que é preciso descobrir em recintos cheios de areia, ou no interior de lajes de pedra, e ainda com jogos, pinturas e outras surpresas.