A morte de uma idosa de 83 anos, a 18 de julho de 2022, depois de ter caído no passeio, na zona de Campolide, em Lisboa, e de ter estado à espera 90 minutos, “sem qualquer assistência por parte da emergência pré-hospitalar do INEM”, fez soar os alarmes no Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH) sobre o que poderia vir a ocorrer devido à falta de meios que, naquela altura, já se fazia sentir no Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). E como a sua missão é “a defesa, por todos os meios ao seu alcance, dos interesses profissionais dos seus associados”, o STEPH decidiu avançar com uma queixa à Procuradoria-Geral da República (PGR) de Lisboa, em 2023, denunciando esta e outras situações, ocorridas em Cascais, Porto, Almada, Albufeira, Barreiro, Setúbal e no Norte Alentejano, que considerava configurarem já “crimes por omissão ao auxílio”.. Mas até à data, e segundo voltou a confirmar ontem, ao DN, o presidente do STEPH, Rui Lázaro, não obteve qualquer resposta ao seguimento desta queixa. “Na altura, pediram-nos mais informação sobre uma das situações que relatávamos e ficámos a saber que a queixa tinha resultado no Proc. n.º 4/235T9LSB, atribuído à 6.ª Secção do DIAP, mas dissemos que não tínhamos mais informação e nunca mais soubemos se havia alguma investigação a decorrer”, afirmou Rui Lázaro. .O DN questionou a PGR há mais de um semana sobre esta queixa, e o seguimento que lhe tinha sido dado, mas até ao fecho desta edição não obteve qualquer resposta. Segundo o sindicato, o motivo da queixa, e como está fundamentado, teve a ver com a “falta de meios e condições de trabalho” dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) que são quem lida “permanentemente com situações de limite de vida, de risco de vida iminente”, que podem “provocar danos irreversíveis” se houver “falta de cumprimento das obrigações legais a que o INEM, IP, está adstrito na sua atividade de prestação de socorro de emergência à população”. .Foi neste sentido, e para proteger quem anda todos dias no terreno, que o STEPH avançou com uma queixa contra o INEM e o presidente da altura, Luís Meira, por considerar que estes estavam “absolutamente cientes” de que, ao não colocarem todos os meios necessários à disposição para que seja prestado o socorro urgente e emergente a que o INEM está obrigado, “estariam a contribuir para a consumação de resultados e consequências mais graves”..A queixa foi ainda justificada com o seguinte: “A prática de crimes de omissão de auxílio, por quem tem esse dever, no caso, o INEM, IP e os seus responsáveis, está a atingir um número e uma dimensão territorial que urge travar de uma forma abrupta, sob pena de, a continuar assim, para além de crimes de omissão de auxílio, seguirem-se muitas mais ocorrências de crimes de homicídio negligente”..O sindicato acreditava que tal levasse a “uma intervenção profunda do Ministério Público”. Aliás, isso mesmo era pedido no documento entregue à Justiça, mas “não foi isso que aconteceu até agora”, disseram-nos. .O DN sabe que a queixa é acompanhada de 16 anexos que correspondem a informação da base de dados de Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) que permitem perceber “o estado das respostas a solicitações de socorro e de pedidos de ativação de meios, ou mesmo do tempo de resposta desses mesmos meios já após ativação e indicação dos CODU”, sendo sublinhado na argumentação usada pelo gabinete jurídico do sindicato que tal denúncia acontece porque “os denunciados (INEM e os seus responsáveis) não prosseguiram os seus fins e as suas atribuições, não criando nem proporcionando aos profissionais representados pelo queixoso todas as condições laborais, logísticas, organizacionais e funcionais para cumprirem as suas obrigações enquanto profissionais da emergência médica e pré-hospitalar”..Esperou 1h30m na rua por socorro, faleceu no hospital.A primeira situação descrita pelo STEPH respeita à morte da idosa de 83 anos, que caiu na rua a 18 de julho de 2022, ficando 1h30m “sem qualquer assistência por parte da emergência pré-hospitalar do INEM”, acabando por “falecer quando chegou ao hospital”, um desfecho que, no entender do queixoso, decorreu “do atraso do socorro”..No documento, o STEPH sustenta que tal situação resulta de uma “falha gravíssima na emergência pré-hospitalar, da responsabilidade exclusiva do denunciado, que prefigura, pelo resultado, numa situação de possível homicídio por negligência, previsto e punido no artigo 137.º do Código Penal”..O representante dos técnicos de emergência destaca no documento que a missão do INEM assenta no “dever de esgotar todas as possibilidades oferecidas e ter sempre à disposição um dispositivo que garanta de uma forma célere, eficaz e pronta o socorro de vítimas de acidentes, traumas, quedas, lesões de vária ordem, etc., sem que possam ficar sem socorro ou com resposta tardias e excessivas às necessidades de socorro emergente e urgente que aquelas vítimas apresentam”. .O que, afirma, “não foi o que aconteceu neste caso da senhora, que ficou mais de uma hora e meia no chão, deitada, à espera de socorro apesar de ter sido pedido e alertado o Sistema Integrado de Emergência Médica, através do acionamento imediato do 112 por várias pessoas que se aperceberam da queda”..Na queixa é relatado que “só ao fim de 1h30m é que chegou a Ambulância de Emergência Médica ao local, quando a senhora já estava num estado gravíssimo e sem qualquer socorro prestado”. Por isso, é argumentado que “o que falhou gravemente neste caso e foi adequado a provocar o dano, a morte da senhora, foi o não emprego de meios de reposta, de socorro emergente e urgente pré-hospitalar a que o INEM, IP, está obrigado”..Já que, pode ler-se ainda, “o INEM não pode demorar mais de 15 minutos após chamada e acionamento a chegar a um local, nalgumas das situações é recomendado metade deste tempo, 7m30s, não mais do que isso. Situações existem, como no caso de paragens cardiorrespiratórias, por exemplo, em que o socorro tem de ser rapidíssimo porque uma paragem de 3/4 minutos poderá ser absolutamente fatal e irreversível para a vítima”..Por isso, é defendido no documento que “uma espera de 1h30m para prestar um socorro a alguém, devidamente sinalizada, é absolutamente inaceitável”. Num dos pontos, o STEPH diz considerar que existiu “uma violação do dever de cuidado e de garante que impende sobre o INEM, em razão da atividade que prossegue e dos fins que visa”. .Há dois anos, já havia meios parados por falta de recursos humanos Mais à frente o sindicato denuncia que o “grave” no meio disto tudo, e daí “o apelo a uma análise e ponderação de V. Ex.ª para o que esteve aqui em causa”, foi que “muitos destes meios acima referenciados não responderam e não puderam responder porque estavam inoperacionais, já que não tinham pessoal disponível e não estavam em condições de circular”..A razão, dizem, é “a organização deficientíssima dos recursos humanos do INEM, IP, designadamente nas Ambulâncias de Emergência Médica e nas viaturas de Suporte Imediato de Vida, onde a carência de recursos humanos e falta de veículos disponíveis no Sistema Integrado de Emergência Médica é gritante, quase a roçar o escândalo, em função das necessidades da população”. Por isso mesmo, consideraram que a morte da idosa de 83 anos resultou de uma atuação “com negligência”, por não terem sido “colocados à disposição os meios de socorro e assistência emergente pré-hospitalar a que a tinha direito”.. Quase uma dezena de casos denunciados por suspeita de “omissão de auxílio”.Na queixa entregue em 2023, o sindicato juntou mais seis situações que ocorreram nos meses seguintes à morte da idosa em Lisboa, e que considera que tiveram como causa também “falhas de resposta e atrasos no socorro prestado pelo país e que fazem o INEM, IP e os seus responsáveis incorrer em situações de crime de omissão de auxílio”..No documento, o gabinete o jurídico do STEPH diz que tais “situações revelam-se já diárias e que se traduzirão, muito provavelmente, em factos geradores de consequências gravosas como a descrita em Campolide”, assumindo, no entanto, que “por falta de conhecimento não estamos em condições de denunciar como de crimes de homicídio negligente”. Desta forma, o sindicato alertava a justiça para o que considerava que iria “continuar a ocorrer, se não existir uma intervenção profunda do Ministério Público, ao que se está a passar para justificar tantas demoras excessivas e tantos meios inoperacionais que levam a atrasos constantes, por inexistência de meios no Sistema Integrado de Emergência Médica”..Uma situação que, referem, “ultrapassa tudo o que é admissível e recomendável”. Dos documentos que anexou a esta queixa, o sindicato diz que se pode constatar que, na altura, existiam “situações com tipo de ocorrência identificada em que a espera de resposta por falta de meios já vai em 16 minutos”. Foi o que aconteceu num pedido de socorro feito nas Fontainhas, Cascais, a “uma situação de alteração de estado de consciência, ou seja, com a vítima inconsciente”. .Num outro anexo, verifica-se “uma situação com ausência de resposta de 33 minutos”, ocorrida na cidade do Porto, também com a vítima inconsciente. Os anexos seguem com mais um caso de vítima inconsciente na zona da Sobreda, Almada, com uma falta de resposta de 54 minutos; e mais outras duas, na Guia, Albufeira, e no Laranjeiro, Almada, com esperas de socorro de 1h23m. O sindicato diz na queixa à PGR não ter dúvidas que nestas situações “existiu omissão de auxílio em casos em que as vítimas estariam inconscientes”..No documento, são ainda referidos pedidos de socorro para dor cardiotorácica, na Galé, Albufeira, com “falta de resposta de 1h25m” e para uma outra situação de “trauma severo”, no Barreiro, que esteve 57 minutos sem resposta. E uma outra também para dor cardiotorácica para a aldeia das Arroteias, Alhos Vedros, no distrito de Setúbal, que esteve 1h7m à espera. Há uma outra situação relatada, mais grave, no Norte alentejano, “urgente, de Pedido de Apoio Diferenciado (PAD)”. Isto é, explicam, “já chegou ao local um meio de emergência, já tem no local um TEPH, mas que dada a gravidade solicitou um PAD, que contudo ao fim de 1 hora e 55 minutos permanecia sem resposta”. . Por estes casos, o STEPH decidiu avançar com a queixa à PGR, mas continua a a aguardar qualquer resposta ou intervenção do lado da Justiça.