Sociedade
20 julho 2022 às 22h13

Incendiários. Psicólogo defende campanhas para população que arrisca ser negligente

GNR deteve 56 pessoas, metade das quais vivem em Viseu, Vila Real e Guarda. Em 79 % das situações, as chamas alastraram por negligência e em 21 % foram provocadas.

Céu Neves

A GNR já deteve mais incendiários este ano do que nos 12 meses de 2021: 56 pessoas contra 52. Metade vive em Viseu, Vila Real e Guarda. Em 79% das situações, as chamas alastraram por negligência e em 21% a sua atuação teve como objetivo o de provocar o fogo. O maior grupo está na faixa dos 40 anos, quando o ano passado era a dos 70. Ainda esta semana, a PJ levou ao juiz um jovem de 14 anos. O perfil do incendiário está a mudar ou há outros perfis a ter em conta?

O jovem teve motivações "fúteis", ateou fogo para se vingar dos avós. Incendiou "uma pilha de lenha num logradouro", colocando em "perigo as habitações contíguas e uma densa mancha florestal de pinheiro bravo, de valor consideravelmente elevado", explicou a PJ.

Destaquedestaque49 homens e sete mulheres detidos

Não se enquadra no perfil habitual do alcoólico, com problemas mentais, iletrado. E, segundo a lista de 700 incendiários recolhida pela Judiciária, há, também, quem tenha profissão especializada e curso superior, segundo noticiou o semanário Expresso na última edição. Esta polícia adiantou que há dois novos perfis: o criminoso urbano motivado por vingança e o do profissional diferenciado e bem inserido socialmente.

Ainda assim, o psicólogo forense Mauro Paulino entende que terão de se analisar as características daqueles indivíduos, bem como as motivações, para ver se há uma mudança de perfil do incendiário.

"O incendiário por vingança em meio urbano não é novo, por exemplo, quando as relações chegam ao fim e, por retaliação, tenta destruir o património da pessoa em causa. O registo mais associado a pessoas com outra capacidade cognitiva, com outro histórico profissional e experiência laboral, parece sugerir alguns traços distintos relativamente ao que se conhece da realidade nacional", mas sublinha, "uma fatia significativa" continua a ter problemas de inserção na sociedade. "O alcoólico, desestruturado, a doença mental como fator de risco, ou histórico clínico associado, e com limitações familiares, representa uma fatia expressiva. Tem sido identificada em vários estudos, até internacionalmente", explica o psicólogo. Destaca que muitas das situações resultam de negligência, o que se verifica em 79 % das detenções da GNR este ano.

"Há um contexto mais propício nesta altura do verão, em que as pessoas não estão bem informadas dos riscos de incêndio e à forma como o dominar, ou pelo menos mitigar e que, por situações acidentais, com a ajuda do vento e das altas temperaturas, as chamas acabam por se propagar. Ainda assim, estas situações de negligência podem estar associadas a questões cognitivas, de dependências ou perturbação mental".

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Sendo a negligência a causa principal dos incêndios, o psicólogo defende que é importante atuar nesta área. "Para perceber se existe um padrão em termos de distribuição geográfica, o que pode passar por campanhas de sensibilização junto da população que se identificou com maior risco de fazer queimadas, limpeza de terrenos, churrascos, etc. Pessoas que estão num contexto mais isolado, idosos e até mesmo junto das crianças na escola. Isto implica estudar a realidade em termos de distribuição geográfica, não basta dizer que a maioria dos fogos são por negligência", sublinha.

Vinte e oito dos 56 detidos pela GNR residem em Viseu (11),Vila Real (10) e Guarda (7).

Lígia Boavista Silva, na tese de mestrado em Medicina Legal O perfil do incendiário português, em 2020, estudou 29 indivíduos condenados pelo crime de incêndio, 11 na floresta e 18 em meio urbano: homens entre os 33 e os 46 anos. "Possuem habilitações literárias reduzidas, tendem a ser solteiros e a residir sozinhos, bem como a estar desempregados no momento da prática do crime", descreve.

A nível psicológico, "prevalecem as perturbações de comportamento, mais concretamente a dependência alcoólica", "défice no desenvolvimento cognitivo e dificuldades de aprendizagem". Uma parte significativa desconhecia o proprietário do terreno, edifício ou habitação alvo do crime de incêndio, agindo sem motivação aparente. A vingança ou retaliação surge, igualmente, como um tipo de motivação relevante.

"Temos de perceber quais são as motivações do incendiário", sublinha Mauro Paulino. "No caso do jovem de 14 anos, temos de perceber se o fez por chamada de atenção, se foi por alguma limitação cognitiva, se tem indicadores que remetem para o perfil que identificámos na população adulta. Muitas vezes, quando falamos em jovens incendiários, estamos a falar maioritariamente de comportamentos de delinquência juvenil, por chamadas de atenção, vingança, este é um perfil mais urbano."

O psicólogo forense repete que é fundamental estudar as características psicológicas e sociais dos incendiários, as suas motivações associadas ao crime, o contexto, etc.

"Esse conhecimento pode ajudar na prevenção. Essencialmente com os indivíduos que já têm um histórico criminal, é possível aplicar medidas preventivas nos períodos críticos, por exemplo, estarem monitorizados ou ter uma medida de segurança", defende Mauro Paulino.

ceuneves@dn.pt