Igualdade de género é "uma luta contínua, inacabada e que nunca chega ao fim"

Carla Tavares defende a qualificação profissional para acelerar a integração feminina em cargos de topo. O DN juntou sete personalidades da academia, ciência e dos negócios para debater soluções de futuro.

O Dia Internacional da Mulher celebrou-se ontem, segunda-feira, mas a discussão não ficou por aí. Analisar as disparidades entre géneros na sociedade como um todo e no mundo do trabalho em particular, é uma tarefa, diz Ana Paula Rafael, "que devia estar sempre na ordem do dia". Para assinalar a data simbólica, o DN organizou, em parceria com a Vodafone Portugal, um debate que juntou cinco mulheres de sucesso em áreas tão diversas quanto a indústria, ciência, academia e telecomunicações em torno da igualdade de género.

Além do género, estas cinco mulheres têm em comum o facto de serem a exceção à regra em cada uma das suas profissões. Apesar de serem elas quem mais ocupa as cadeiras das universidades portuguesas, são eles quem mais manda nas empresas, na política e na economia. "[A qualificação] tem sido um dos fatores mais apontados para esta crescente e significativa representação das mulheres no mercado de trabalho", refere Carla Tavares, presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE). Contudo, lamenta que continue a existir aquilo a que chama "segregação profissional em função do género", que empurra maioritariamente as raparigas para os cursos cientifico-humanísticos (55%) e as deixa sub-representadas na engenharia, matemática ou informática, por exemplo.

Esta diferença - intrinsecamente cultural, associada ao estereótipo da mulher cuidadora - tem efeitos negativos em aspetos como a remuneração, cujo gap tem vindo a diminuir, mas ainda é uma realidade. "Passou de 18,4% em 2012 para 14,4% em 2019, ainda se mantém com valores bastante elevados para os dias de hoje", afirma a responsável da CITE. Ana Paula Rafael, CEO da Dielmar, é líder industrial e diz que não existe diferença salarial em ambiente fabril, embora reconheça outras manifestações da desigualdade nos cargos de topo e no campo familiar. "Nestes meios [interior do país] o conceito de vida da mulher e do homem está completamente estereotipado e não houve mudanças", diz. Para a gestora, é importante que as mulheres tenham "ambição e energia" para lutar pelos seus direitos, algo que considera essencial "numa sociedade patriarcal em que o poder é entregue aos homens de forma natural".

Educação é a chave

Mais ou menos consensual, o problema no que à paridade diz respeito está identificado. O que falta solucionar, no entanto, é o caminho a seguir para que homens e mulheres possam estar em pé de igualdade em todas as vertentes da vida social, económica e política. Para Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica Portuguesa, o contributo da academia é essencial, nomeadamente no exemplo que é dado aos alunos. "É muito importante a presença de cientistas e professoras que inspirem as mulheres mais novas", defende, sugerindo ainda um reforço da importância dada à investigação desta problemática e a criação de políticas que garantam o equilíbrio entre todos.

"É muito importante a presença de cientistas e professoras que inspirem as mulheres mais novas", sublinha Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica.

Com uma perspetiva mais centrada no ensino superior público, Elvira Fortunato exemplifica com o trabalho que tem vindo a fazer enquanto vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa. "Temos 27% de professoras catedráticas, o que não é mau comparado com outros países. O número de mulheres catedráticas na Alemanha anda na casa dos 8%", refere. Já Fátima Carioca, dean da AESE Business School, acredita ser fundamental "potenciar a formação em competências profissionais" que aumentem a empregabilidade feminina, mas também de "gestão que incorpore competências sociais e emocionais" dirigidas a todos. Desta forma, afirma, será mais fácil às organizações mudar através do exemplo. "A inclusão não se decreta, exige o compromisso de todos e sobretudo tempo", garante. Para Fátima Carioca, as empresas devem mudar a cultura interna, estabelecer processos de inclusão e apostar em formação.

Com responsabilidade nos recursos humanos da Vodafone Portugal, Luísa Pestana concorda que deve ser através do compromisso e exemplo das equipas de gestão que se opera a mudança. "Cerca de 30% ou mais das funções de gestão [na Vodafone] são lideradas por mulheres nos últimos 30 anos. Hoje esse valor ultrapassa os 40% e um terço da administração é composta por mulheres", partilha. De forma transversal, as oradoras concordam que as quotas são necessárias, embora não considerem a medida como ideal, e apontam exemplos da sua eficácia. "Os países que legislaram há mais tempo [sobre as quotas] são os que têm melhor desempenho a nível da paridade", concretiza Fátima Carioca.

Por todos os vestígios de desigualdade que ainda se encontram na sociedade portuguesa, mas também europeia, Carla Tavares acredita que esta deve ser "uma luta contínua, inacabada e que nunca chega ao fim". A encerrar o evento, Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Igualdade de Género, lembrou ainda que "o processo da igualdade foi conquistado com muita dificuldade, mas pode ser facilmente perdido" em especial em período de crise económica e social.

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