A desinformação nos media digitais europeus continua a alastrar, com a ajuda da Inteligência Artificial, sobretudo em temas como o conflito Israel-Irão, guerra da Ucrânia, notícias negativas sobre a imigração ou a União Europeia, revela um relatório do Observatório Europeu para os Media Digitais, (EODM), divulgado esta quarta-feira, 16 de julho.Portugal apareceu também no radar da organização com o caso do ator do Teatro a Barraca agredido violentamente por elementos ligados à extrema-direita, à porta do edifício, em Lisboa. A campanha de desinformação criou conteúdos a sugerir que a agressão tinha partido de um cidadão nepalês, sem qualquer ligação à extrema-direita.O caso português é apontado como um dos quatro exemplos de desinformação na UE que atingiram maior impacto ao nível nacional em junho. Outros aconteceram na Roménia, com a propagação de notícias falsas, segundo as quais o governo romeno tinha vendido a companhia estatal hidroelétrica à França. O alvo era Emmanuel Mácron, porque o presidente francês foi dos que condenou com maior veemência a interferência russa no processo eleitoral daquele país. Nos Países Baixos também foi posta a circular a notícia falsa de que Utrecht iria proibir os carros particulares, devido a uma política do Fórum Económico Mundial.O observatório tem vindo a alertar que a propagação de conteúdos falsos tem aumentado consistentemente em períodos eleitorais, em muitos casos, com ligações comprovadas à Rússia.IA domina manipulaçãoPela primeira vez, as notícias falsas geradas por IA no mês de junho lideraram mesmo as campanhas de desinformação, com destaque para a guerra dos 12 dias entre Israel e o Irão, indica ainda aquele organismo independente. O observatório detetou um aumento de 10% na utilização daquela tecnologia como arma avançada da manipulação no mês passado, impulsionado sobretudo por aquele conflito.A maior parte dos conteúdos manipulados sobre o tema visavam "exagerar o impacto do contra-ataque do Irão contra Israel, alimentando a propaganda estatal iraniana", registando uma "utilização sem precedentes da inteligência artificial”."Os vídeos sobre esta crise criados com a tecnologia foram os conteúdos mais difundidos entre todas as organizações de verificação de factos do EDMO", devendo-se "à disponibilidade da tecnologia que permite a criação fácil e barata de vídeos realistas com IA". Em alguns casos, foram usados conteúdos de videojogos de guerra, como aconteceu com o alegado abate de um F-35 israelita, o que é desmentido por Telavive. Também circularam imagens fora de contexto de iranianos a celebrar o ataque, assim como notícias de que Netanyahu se teria refugiado na Grécia após o ataque iraniano.Como se já não suspeitássemos, o trabalho dos centros que compõem o EODM vêm mostrar que as redes sociais são um terreno minado e um teatro de guerra da informação. Com efeito, de entre os 1.502 artigos intercetados pelas 33 organizações que formam a rede de verificação de factos do EODM, 212 (14%) centram-se na desinformação relacionada com a guerra entre Israel e Irão e 147 (10%) sobre a desinformação referente à guerra na Ucrânia. O facto de a esmagadora maioria dos conteúdos serem sobre conflitos militares deixa fortes indícios de que são tudo menos espontâneos, mas antes controlados pelos países diretamente envolvidos ou com interesse numa determinada narrativa.O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky é uma das vítimas mais frequentes com repetidas insinuações de que é corrupto e que desvia ajuda financeira ocidental para uso pessoal. Em junho tinha comprado um apartamento de luxo no famoso arranha céus Burj Khalifa, no Dubai, para oferecer à sua mãe.Entre os outros temas que mais se prestam à desinformação, como a UE, a Covid-19 ou o conflito Israel-Hamas, a atividade diminuiu no último mês. Os conteúdos relacionados com imigração representaram 5% do total, exatamente a mesma percentagem relativa à UE, à COVID-19 e às alterações climáticas.A União Europeia é igualmente um dos principais alvos da desinformação, sendo que a ideia que, muitas vezes, se pretende passar é a de que está a enfrentar sérios problemas económicos por incompetência dos seus líderes e as pessoas estão a viver mal por causa da Guerra da Ucrânia. A Polónia, países bálticos e a Bielorússia são identificadas como países muito envolvidos na desinformação.Uma das narrativas que acabou por se virar contra o feiticeiro foi um vídeo que passou na televisão pública bielorussa de uma mulher supostamente da Letónia que se queixava muito das condições de vida, na sequência das sanções económicas à Rússia. Veio a verificar-se que mulher estava, afinal, a falar da vida na Crimeia, controlada atualmente pela Rússia.É neste contexto que a Comissão Europeia quer reforçar a vigilância dos média digitais e anunciou esta quarta-feira o lançamento de um novo polo regional do EODM, o 15º, que irá apoiar a Ucrânia e a Moldávia na luta contra a desinformação. "A plataforma, FACT, reunirá uma comunidade multidisciplinar para detetar e analisar campanhas de manipulação e desinformação, em especial a desinformação russa", contribuindo para garantir a integridade eleitoral do próximo período na Moldávia, refere, em comunicado.