Há professores com mais de 20 anos de serviço que nunca foram chamados à consulta de medicina do trabalho. A lei que se aplica ao setor privado é a mesma que deveria estar a ser aplicada ao público, diz ao DN a especialista em Direito Laboral Rita Garcia Pereira. Mas dezenas de diretores de escola contactados pelo DN dizem que não tem sido cumprida (ver caixa). Rita Garcia Pereira afirma ao DN que “não há justificação jurídica para que a lei não esteja a ser aplicada nas escolas. O incumprimento destas regras é uma contraordenação que no setor privado dá lugar a coimas”. Segundo a especialista, “o Estado deveria estar a chamar as pessoas, independentemente da sua vontade, para fazerem os exames e terem as respetivas fichas de aptidão. O que o Estado faz, através da ACT, é exigir aos privados que cumpram, quando o próprio Estado não só não o faz, como aplica coimas a quem não cumpre”.A ausência de exames significa que não se identifica quem deveria estar apto para trabalhar, mas com restrições. “Isto é grave. Se não há sujeição à medicina do trabalho, não há adaptação aos postos. Significa que o Estado não está a promover em termos internos a segurança e saúde dos seus próprios trabalhadores”, diz.O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) já sinalizou que quer corrigir a situação, tendo já anunciado a contratação de serviços que assegurem consultas de medicina do trabalho para os professores. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) aplaude a decisão e quer ver a legislação a ser aplicada nas escolas. “O MECI diz que está a fazer uma contratação pública em grande escala para cumprir a lei e é isso que deve ser feito. Não podemos não cumprir a lei e o que eu entendo é que o MECI nunca cumpriu a lei ao longo dos anos”, diz ao DN.Contudo, o cumprimento da lei pode ampliar o problema da falta de docentes, deixando as escolas numa situação “dramática”. “Há muitos professores com limitações que deverão ver a sua carga letiva reduzida. A situação pode ser dramática para as escolas, mas isso é um problema que o MECI e o Ministério da Saúde têm de resolver. Não pode é pôr em causa a lei ou prejudicar os professores”, sublinha.“Estando a situação como está e os professores indo à medicina do trabalho e tendo horas reduzidas, serão ainda menos docentes no sistema educativo. Poderá ser, na verdade, um gravíssimo problema ao já crítico problema que temos. O cenário não é muito agradável”, conclui Filinto Lima.Pedro Barreiros, secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), não quer voltar a ver situações em que os direitos dos trabalhadores não são garantidos, nem “situações de assédio a docentes com reduções letivas indicadas pela medicina do trabalho”. Algo que tem por base a pressão sentida nas escolas para fazer face à escassez de docentes. “Com a falta de professores as escolas ficam pressionadas para atribuir componente letiva a esses colegas. O interesse das escolas não se pode sobrepor aos direitos dos trabalhadores. O que as escolas fazem, neste momento, é atribuir componente letiva a professores a quem não pode ser atribuída. É aqui que entra o assédio laboral de que tanto se tem falado”, explica. O sindicalista também alerta para o agravamento da falta de professores, numa altura em que a oferta é muito superior à procura. Professores denunciam incumprimento da leiHá escolas onde os diretores não cumprem as ordens dadas pela Medicina do Trabalho e onde os docentes são alvo de assédio laboral. Quem o diz é Cristina Mota, porta-voz da Missão Escola Pública (MEP). “Temos colegas a quem ainda não foi marcada a medicina de trabalho apesar de ter sido pedida ou o que está na ficha de aptidão com serviços moderados não está a ser cumprido por parte das direções das escolas. Temos colegas que se sentem prejudicados e perseguidos e que optam por meter baixa uma vez que as escolas não os deixam ter serviços moderados a que têm direito”, afirma. Na visão da docente, o cumprimento da lei não irá agravar o problema da escassez de professores, pois “muitos metem baixa quando podiam ter meio horário, por exemplo, e assumir algumas turmas”.O que diz a legislaçãoO regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho em vigor prevê a realização de consulta e exames periódicos anuais para os trabalhadores com idade superior a 50 anos e de dois em dois anos para os restantes funcionários. Na consulta, é preenchida a Ficha de Aptidão Médica, um documento que determina a aptidão do professor para o exercício das funções docentes. Nesta ficha, quando aplicável, estão especificadas as limitações/restrições ao exercício das funções que pode desempenhar, devendo a direção do agrupamento respeitar as recomendações. O professor pode ver o horário letivo reduzido, pode assumir totalmente outras funções na escola ou ter apenas algumas restrições como a não realização de trabalho burocrático, como as assumidas pelo diretor de turma.