Seleção é formada por oito atletas de diferentes idades e regiões do país.
Seleção é formada por oito atletas de diferentes idades e regiões do país.Paulo Spranger

Homeless World Cup. Portugal estreia-se confiante no título e no poder transformador do futebol de rua

"Este grupo deu match", garante o treinador Bruno Seco ao DN. João Ferreira e Tiago Santos são dois dos craques da equipa e explicam como a modalidade é um espaço de inclusão e transformação social.
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O futebol como ferramenta de transformação social: este é o principal mote da Seleção Nacional de Futebol de Rua de Portugal. Formada por atletas em situação vulnerável que disputam torneios nacionais e regionais de futebol de rua ao redor do país, a seleção inicia a sua caminhada na Homeless World Cup (campeonato mundial) deste ano neste final de semana, em Oslo, na Noruega.

A modalidade é conhecida por promover o acesso ao desporto e a consciência coletiva para as problemáticas sociais. Em 2025, a seleção nacional procura o título inédito no principal torneio da categoria.

Criada em 2003, a seleção é desde 2011 comandada por Bruno Seco, que na altura foi convidado pela Associação Cais e a Fundação Benfica para fazer parte do projeto. Jogador de futebol nas categorias juniores nos anos 90, Bruno cedo percebeu que seu lugar não era dentro das quatro linhas e sim à beira dos relvados e ringues de cimento ou de madeira espalhados pelo país.

Formou-se em Educação Física e tornou-se treinador, sempre com foco especial no aspecto social do desporto, algo que faz parte da sua maneira de ver o futebol.

"Trabalhei durante 16 anos numa instituição num bairro social e fui 14 anos professor voluntário na cadeia em Aveiro. Em 2008, recebi um convite para participar num torneio de futebol de rua, algo de que nunca tinha ouvido falar. Fizemos uma equipa com os jogadores do bairro, começamos a competir, e então percebi o que era o futebol de rua, estes valores, estas regras, esta ética, amizade, entrega e ajuda: no fundo, vi que era o meu futebol", recorda o aveirense de 50 anos.

Com passagens pelo Beira Mar (1999 - 2005) e por uma Academia do Sporting em Aveiro, cidade onde nasceu e vive até hoje, o mister da seleção nacional fez a sua primeira convocatória para o mundial da modalidade em 2011. Desde então, a seleção nacional, conta Bruno, "costuma alternar entre a terceira e a sexta posição" no torneio. Este ano, a confiança é grande para a equipa conquistar o título em solo norueguês.

"Acredito que somos os melhores por um motivo: este grupo realmente deu' match', chegámos aqui e pareciam que já eram amigos há anos", diz o mister, se referindo aos atletas que, até a passada quinta-feira (21), encontravam-se em estágio em Lisboa antes da partida para Oslo na manhã de sexta (22).

Bruno Seco orienta os atletas no último treino da seleção antes da partida para a Noruega.
Bruno Seco orienta os atletas no último treino da seleção antes da partida para a Noruega.Paulo Spranger

Apesar de terem uma convivência curta - 20 dias no total, sendo dez de estágio e dez de competição - Bruno conta já ter presenciado dezenas de histórias de sucesso e de amizades que se formaram entre os atletas ao fim do torneio.

"O que queremos é que, quando termine este momento, eles sejam pessoas completamente diferentes, principalmente em termos de autoestima e de autoconfiança, o futebol de rua proporciona uma mudança de mindset: da pessoa gostar mais de si própria, de se aceitar, lutar pelos sonhos, ser mais ambiciosa , confiante. Queremos que eles percebam que tem capacidade para voltar a estudar, de arranjar melhor trabalho, uma casa", sublinha.

Atletas de todas as partes do país

A seleção que chega a Oslo para a vigésima edição do Homeless World Cup é mista, formada por seis homens (Rúben Costa, de Beja, Bruno Silva, de Setúbal, Júlio Netto, de Viseu, Miguel Pereira, do Porto, João Ferreira, de Aveiro, e Tiago Santos, da Madeira) e duas mulheres (Alexandra Araújo, de Lisboa, e Rosa Peixe, da Guarda).

De diferentes origens e idades - a faixa etária é dos 15 anos para cima - carregam em comum um passado de obstáculos na vida pessoal e económica. O torneio surge pela necessidade de dar espaço, através do futebol, para pessoas em situação vulnerável, económica ou emocionalmente.

"Este projeto ajudou-me bastante", começa por dizer João Ferreira, 28 anos, natural de Aveiro como Bruno. Antes reticente com a modalidade, trocou o futebol de onze pelo futebol de rua há cerca de três anos e viu sua vida fora de campo transformar-se.

"É um espaço onde aprendo a ser uma melhor pessoa: sou muito raivoso, perco a cabeça rapidamente, tanto no futebol, quanto na vida, e no futebol de rua consigo controlar essa raiva. Temos uma rede importante, entre companheiros, comissão, apoio social, e levar isso para fora das quatro linhas é objetivo aqui", afirma o atleta que defende a equipa de futebol de rua do Município de Aveiro.

Tiago Santos veio de mais longe para o estágio da seleção. Natural da Madeira, o atleta, que também tem 28 anos, começou a praticar a modalidade há cerca de oito anos, após ter passado pelo futebol de onze e de sete.

"Estar num ambiente como o futebol de rua é algo que nos transforma, o convívio, a aprendizagem. E acredito que a maior aprendizagem é a de saber respeitar os outros, pessoas que são de diferentes distritos do país e que aqui estão juntos pelo mesmo objetivo: sermos melhores pessoas fora do jogo de futebol e campeões dentro. Ainda mais vestindo esta camisola", diz, orgulhoso de ostentar o escudo da seleção nacional ao peito.

Tiago Santos, Rosa Peixe e Alexandra Araújo em treino da seleção nacional de futebol de rua.
Tiago Santos, Rosa Peixe e Alexandra Araújo em treino da seleção nacional de futebol de rua. Paulo Spranger

Já a pensar no futuro, o atleta que defende a Associação da Madeira de Desporto para Todos vê no futebol de rua uma possibilidade de construir uma vida diferente: "Quero estudar, quem sabe tornar-me treinador, árbitro. São portas que podem abrir-se ao estar inserido num projeto como esse. Toda a minha família na Madeira está muito contente por agora ter atingido o maior estatuto no futebol de rua, que é a seleção nacional", complementa.

Portugal está no Grupo C do Homeless World Cup, ao lado de Irlanda, Finlândia, Alemanha e Espanha. A estreia está marcada para este sábado (23), quando a seleção nacional mede forças contra a seleção finlandesa. No futebol de rua, cada partida tem 14 minutos de duração, com duas etapas de sete minutos. Neste ano, 40 seleções participam do torneio em Oslo.

nuno.tibirica@dn.pt

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