Quatro dias depois de anunciar a maior ronda de despedimentos da sua história, a Google recebeu más notícias adicionais dos seus advogados. O Departamento de Justiça (DoJ na sigla inglesa) entrou com um processo contra a empresa pela monopolização da publicidade digital e comportamento anticoncorrencial neste espaço..O processo alega que a Google "monopoliza tecnologias chave de publicidade digital" (vulgo ad tech) que são essenciais para vender anúncios online.."Nos últimos 15 anos, a Google assumiu uma conduta anticoncorrencial e excludente que consistiu na neutralização ou eliminação de concorrentes ad tech", acusou o DoJ, referindo que a empresa o fez adquirindo a competição, forçando os anunciantes a usar os seus produtos ou dificultando o uso de produtos concorrentes. ."Ao fazer isto, a Google cimentou o seu domínio em ferramentas de que os editores de sites e anunciantes online dependem, bem como nos sistemas que leiloam espaço publicitário." O resultado é que a Google controla tanto o lado da procura como o lado da oferta, com quotas entre os 40% e 90% para o Google Ads, Google AdExchange e DoubleClick. O DoJ pede que a empresa seja forçada a fazer spin-off de pelo menos duas divisões..O processo sinaliza o agudizar de ameaças legais ao negócio da empresa, depois de anos a ser acusada de práticas anticoncorrenciais e chamadas ao Congresso para responder a alegações. Em 2020, o DoJ entrou com um processo noutra área em que considera haver um monopólio indevido, o dos motores de buscas e buscas patrocinadas. Esse julgamento vai decorrer em setembro.."Esta ação histórica do Departamento contra a Google sublinha o nosso compromisso de combater o abuso de poder no mercado", declarou a procuradora-geral adjunta Vanita Gupta. O ambiente parece favorável a uma maior regulação da Big Tech, com um crescente coro de vozes a pedir legislação. Os Estados Unidos têm sistematicamente falhado nesta área, em contraste com a regulação mais apertada que existe na União Europeia. Será este o ano em que as coisas mudam? .A analista da Insider Intelligence Evelyn Mitchell, especializada em publicidade digital, não acredita nisso. "É improvável que o governo federal dos EUA imponha novas regulações à Alphabet este ano", disse a especialista ao DN. "O recente processo do DoJ tem garras e há mais chances que nunca que a Alphabet seja forçada a desinvestir nos produtos de ad tech no lado da oferta." Isso afetaria o seu negócio. No entanto, a empresa vai lutar contra esse desfecho e processos desta magnitude demoram. "Seria surpreendente se este processo chegasse à barra do tribunal em 2023", sublinhou..Do lado da regulação, "há uma possibilidade de que o Congresso aceda ao pedido do presidente Biden para passar legislação que refreie a Alphabet e os seus pares na Big Tech, mas diria que essa é uma possibilidade bastante remota.".Mitchell considera, ainda assim, que a Alphabet não vai sair disto incólume, porque "claramente o atual ambiente regulatório não favorece a Big Tech.".Tanto a Alphabet com as outras grandes tecnológicas - Amazon, Apple, Microsoft e Meta - têm gasto milhões a fazer lóbi junto dos legisladores para evitar estas consequências. A Alphabet gastou 13,18 milhões de dólares nestes esforços no ano passado, e em certa medida tem funcionado. A proposta de lei bipartidária American Innovation and Competition Online Act, que a senadora democrata Amy Klobuchar e o republicano Chuck Grassley tentaram passar até ao final de 2022, acabou por morrer na praia.."Estamos a lidar com uma infraestrutura digital problemática", disse ao DN Gry Hasselbalch, fundadora da DataEthics.eu e que fez parte do Grupo de Alto Nível da UE para a IA. Há uma cultura de fazer primeiro e perguntar depois, algo que é visível numa série de lançamentos arriscados em que o enquadramento legislativo não está preparado, como é o caso do ChatGPT e outros produtos da Big Tech.."Os EUA estão a aperceber-se que este tipo de cultura de negócio tem de ser refreada, tem de ser direcionada de uma certa forma. Mas é muito tarde", considerou. "A cultura empresarial que gerou estas infraestruturas foi criada nos anos noventa", disse. "Onde as fronteiras podiam ser empurradas, foram empurradas. O ChatGPT é o pico nessa evolução.".Hasselbach frisou que a cultura regulatória nos Estados Unidos é diferente. "Não me parece que o ChatGPT alguma vez tivesse sido lançado desta forma na Europa", exemplificou. "A cultura de inovação é mais avessa aos riscos. Movemo-nos mais lentamente e não partimos coisas. Porque as coisas que podemos partir são demasiado grandes."