Helena Carreiras: "É vital o processo de modernização das nossas forças armadas"

A nova ministra da Defesa, diretora do Instituto da Defesa Nacional, a académica Helena Carreiras analisa a invasão russa da Ucrânia e o impacto desta nos países da NATO e da União Europeia. <em>(Entrevista publicada originariamente a 22 de março, um dia antes do anúncio de que iria integrar o novo governo)</em>
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A NATO sai reforçada desta crise internacional qualquer que seja o resultado da guerra na Ucrânia?
Não conhecemos o resultado desta guerra. O que podemos desde já afirmar é que um dos seus efeitos foi o reforço da NATO, como há muito não víamos, e contrariando os diagnósticos mais negativos que lhe haviam adjudicado mesmo a "morte cerebral". Até este momento, para além dos desafios estratégicos que enfrentava - desde logo a necessidade de clarificar a sua missão -, as divisões internas da aliança constituíam um fator de clara erosão material e identitária. Resta saber se esta unidade é sustentada no médio e longo prazo. A sua manutenção dependerá do desenrolar da guerra, do cumprimento por parte dos Estados-membros dos compromissos assumidos, incluindo a meta dos 2% do PIB em defesa, e da forma como o novo conceito estratégico da Aliança venha a espelhar convergência na identificação de ameaças e na definição de prioridades.

Com os Estados Unidos de novo com a atenção centrada na Europa, faz sentido a UE continuar a pensar num pilar europeu de Defesa?
Os Estados Unidos têm a atenção centrada na Europa mas não abandonaram o seu foco no Indo-pacífico e na China como principal rival estratégico. Com a clarificação da ameaça russa na Europa, faz mais sentido que nunca que esta reforce as suas capacidades de defesa, acelerando um processo em curso. Mas deve fazê-lo com, e não contra, a NATO. A cooperação UE-NATO será ainda mais crítica na nova arquitetura de segurança e defesa europeia que necessariamente emergirá desta guerra.

Ficou surpreendida com o compromisso geral dos países da NATO em aumentar rapidamente o investimento em Defesa, até mesmo a Alemanha?
Sim, tal como a generalidade dos analistas. Surpreendeu sobretudo a posição da Alemanha de aumentar exponencialmente o seu investimento em Defesa. Mais ainda que a constituição de um fundo de 100 mil milhões de euros para a modernização das forças armadas, surpreendeu-me o apoio da opinião pública alemã, tradicionalmente reticente em matérias de Defesa. Esta mudança de paradigma terá enorme impacto na própria União Europeia e nos seus equilíbrios políticos internos. O grande desafio será para todos os países o reforço destes investimentos ao mesmo tempo que enfrentamos uma crise económica de impacto mundial.

Do ponto de vista de Portugal, a nova situação geopolítica favorece o reforço e modernização das nossas Forças Armadas?
Sim. A nova situação favorece simultaneamente o agendamento político e uma maior compreensão dessa necessidade por parte da população. Essa dupla legitimação, nos planos político e da opinião pública, é essencial para a utilização de recursos coletivos numa área estratégica e cuja importância nem sempre é reconhecida em tempo de paz. Esta guerra veio mostrar, de forma particularmente violenta, que não existe segurança sem capacidade de defesa. E não existe defesa sem recursos. Nas palavras do general Cabral Couto, "é preciso comprar a gabardine no verão", caso contrário o inverno pode apanhar-nos desprevenidos e as gabardines serão então muito mais caras. Importa, por isso, demonstrar como é vital o processo de modernização das nossas forças armadas, tanto no plano da operacionalidade e dos equipamentos como no plano da valorização das pessoas e da atratividade da profissão militar. Essa modernização é também fundamental para sermos parceiros credíveis nas organizações internacionais a que pertencemos. Temos que estar dispostos a pagar o preço deste processo. Não pagar sairá muito mais caro. Poderemos ter que pagar com a nossa soberania e com nossa liberdade.

A retirada do Afeganistão no ano passado e agora este face a face com a Rússia mostram que a NATO funciona melhor quando atua no seu espaço tradicional de influência?
A NATO é a mais durável aliança militar da História. Cresceu e consolidou-se reforçando a sua dimensão política e superando sucessivas crises. A definição da missão da Aliança é um aspeto crítico no ajustamento que neste momento terá que ter lugar e que certamente se refletirá no novo conceito estratégico. Sem prejuízo do reforço de capacidades que permitam enfrentar as designadas ameaças híbridas, em planos que vão para além do estritamente militar, bem como do esforço cooperativo fundamental para a gestão de crises complexas, o recentramento da NATO no seu espaço tradicional de influência e na missão original de defesa coletiva tem sido saliente. Penso que deverá continuar a sê-lo.

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