"Há uma tendência para a estagnação ou até para o recuo"

Investigador Viriato Soromenho-Marques, uma das vozes mais credenciadas na causa ambiental, integra novo movimento Universitári@s Pelo Futuro.
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Como classifica a evolução do desempenho de Portugal em matéria ambiental nos últimos anos?
Tal como em muitos países, os desempenhos ambientais mostram tendência para a estagnação ou mesmo para o recuo. A ideia de fazer da sustentabilidade ambiental um horizonte estratégico está a ser erodida por muitos compromissos e cedências a interesses específicos. Mesmo antes da guerra da Ucrânia, esta linha estava a impor-se, e julgo que vai ainda agravar-se. E isso num quadro geral de impactos crescentes da crise ambiental e climática.

Que pontos mais positivos e mais negativos encontra nestes dados da Pordata?
Com exceção da redução das emissões de gases de estufa e do crescimento da produção de eletricidade de fontes renováveis, a que se junta a boa qualidade das águas balneares e da água canalizada para consumo, os restantes indicadores revelam estagnação ou até retrocesso: aumento da produção de resíduos, taxas de reciclagem inferior a metade da média europeia... Uma análise mais fina mostraria que no terreno, mesmo alguns aspetos positivos, como uma razoável área terrestre e marinha com estatuto de proteção, não são acompanhados com a presença de uma administração com meios para fazer cumprir a legislação de proteção.

Um dos itens do estudo mostra que a Economia portuguesa é a que mais recursos naturais consome na orla mediterrânica. Falta preocupação de sustentabilidade aos atores económicos?
Continuamos a ter uma grande intensidade material por cada unidade do PIB, comparativamente com outros países europeus, incluindo a Espanha. É possível melhorar, mas é uma fantasia pensar que o decoupling (manter o crescimento da riqueza sem aumentar o consumo da energia e matérias-primas) resolva os problemas. O forte setor da construção civil e as indústrias extrativas também ajudam a esse indicador. Na economia existem outros problemas graves como sejam as trocas perversas entre energia limpa e biodiversidade (centrais solares construídas em zonas de montado...). Uma agricultura intensiva que degrada os solos, consumindo e poluindo a água que não temos. A tendência permanente para trocar os solos da RAN e da REN, que deveriam ser "sagrados", por vantagens económicas de curto prazo...

Um aspeto que em Portugal está ainda muito atrás da média europeia é o da reciclagem dos resíduos urbanos, com apenas 13%. Como melhorar a mensagem?
Há três lacunas principais. Primeiro, a deficiente articulação entre os numerosos atores envolvidos na política de resíduos (públicos, privados nacionais, municipais). Segundo, a ausência do instrumento que faria a diferença para melhor: a recolha porta a porta. E, terceiro, instrumentos económicos na direção certa.

É um dos signatários da iniciativa Universitari@s pelo Futuro, a lançar amanhã. Quais os objetivos?
Desde que Greta Thunberg mostrou que existe uma juventude, na Europa e no mundo, lúcida e mobilizada para agir face à gravidade da situação ambiental e climática do Sistema-Terra, pensamos que todos, incluindo docentes e investigadores, devem dar também o seu contributo, profissional e cívico, para essa tarefa imensa que será a de reaprendermos a habitar em conjunto a Terra. Com mais respeito e menos consumo, com menos velocidade e mais cuidado pela nossa única morada cósmica, se quisermos ter um futuro, em vez do inferno para onde agora tudo parece tender. Há um longo caminho a desmontar as ilusões, falsas promessas, mitos e mentiras que nos afastam das respostas certas. Contudo, estas também terão de ser construídas em conjunto. Foi para isso que, oriundos de várias universidades, criámos este movimento que agora se lança nas primeiras ações concretas.

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