O vírus da gripe chegou mais cedo a Portugal face a anos anteriores cerca de três a quatro semanas. Isto mesmo foi confirmado pelas autoridades de saúde na conferência de imprensa realizada pelo Ministério da Saúde, ao final da tarde de segunda-feira, dia 8, onde estiveram presentes também o diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde, Álvaro Almeida, e a Diretora-Geral da Saúde, Rita Sá Machado. Nesta, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, deu conta que até 30 de novembro já tinham sido vacinadas “2.297.551 pessoas, mais 139.386 do que no mesmo período de 2024”, mas que tal pode não ser o suficiente para evitar que se encham os cuidados de saúde primários e as urgências hospitalares, reforçando, por isso, o apelo à vacinação dos que fazem parte de grupos de risco e que ainda não o fizeram. Ao mesmo tempo, garantiu que “as nossas instituições estão preparadas e articuladas, desde os hospitais e centros de saúde ao INEM, à Direção-Geral da Saúde e ao Instituto Nacional de Saúde, Dr. Ricardo Jorge, e à Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, para dar a melhor resposta possível aos portugueses, desde a prevenção até ao tratamento”, mas deixou o alerta: o impacto da gripe nas próximas semanas pode levar à paragem da atividade cirúrgica programada, não urgente. O que, para quem está no terreno, "só revela falta de planeamento". E é neste sentido que o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, e o bastonário dos médicos, Carlos Cortes, tecem críticas ao Governo. Em primeiro lugar, e no que respeita a 2025, "era sabido, desde o final de outubro e princípio de novembro, que o pico seria antecipado. Era o que estava a acontecer em outros países europeus, como nórdicos e Reino Unido"; depois pela falta de planeamento nas respostas que têm de ser dadas aos utentes. Ao DN, Xavier e Barreto e Carlos Cortes concordam que "estamos exatamente como no ano passado ou nos outros anos anteriores”, embora, salienta o administrador: “Os hospitais estão preparados para tratar a Gripe. Têm os seus planos de contingência, que vão sendo ativados à medida das necessidades. Só que a situação não é igual em todas as unidades hospitalares, as de Lisboa e Vale do Tejo estão muito mais pressionadas pela falta de recursos e utentes sem médicos de família.".Gripe preocupa e leva Governo a anunciar reforço de meios. DGS aconselha máscaras. O grande problema, continua, "é que o planeamento que deveria ter existido falhou”. E dá como exemplo uma das questões noticiadas recentemente, depois da divulgação do relatório de desempenho do SNS, que tem a ver com “os internamentos sociais, que aumentaram mais de 20% em dois anos, havendo mais de 2300 pessoas internadas. O que pergunto é: que fizeram ou estão a fazer os ministérios da Saúde e da Segurança Social para resolverem este problema?”.Carlos Cortes é igualmente crítico dizendo que “estamos a colher aquilo que semeámos, que foi nada. Houve uma grande falta de planeamento, como tem existido todos os anos. Só que agora, o impacto da gripe está a chegar mais cedo. Portugal atrasou-se mais uma vez em vários aspetos, principalmente na questão das vacinas, que nem sequer antecipámos a sua aquisição e, a meu ver, nem sequer realizámos uma campanha diferenciadora, e também na contratação de recursos humanos”. Na prática, reforça, “estamos a ser surpreendidos porque não antecipámos em absolutamente nada a resolução dos problemas já existentes”.Na segunda-feira à tarde, foi a própria ministra Ana Paula Martins que veio dizer que o “impacto (da gripe) será mais intenso nas próximas semanas” e o aumento da procura de cuidados nos serviços de urgência hospitalar, nos centros de saúde, na linha SNS24 poderão levar a ter de “parar a atividade cirúrgica não urgente”. Mas, para Xavier Barreto, isto “é o que está previsto no plano de contingência de cada hospital”, reforçando: "O que era preciso era que se tivessem arranjado soluções para que tal não acontecesse. Era preciso um plano alternativo e o Governo parece que não o tem”. Aliás, expplica, “se não tivéssemos tanta camas de internamento ocupadas com doentes hospitalares, não seria preciso parar a atividade cirúrgica, que só pára pela falta de disponibilidade de camas nos internamentos”.O presidente da APAH destaca ainda ao DN que “as camas de internamento são um bem escasso e absolutamente necessárias nesta altura para os doentes que entram pelas urgências e para os doentes que fazem cirurgias”. Ou seja, nas unidades “há como uma competição pelas camas”, por um lado para não se parar a cirurgia programada - que apesar de não serem urgentes “têm consequências para os utentes, que têm de ter uma resposta no tempo adequado e se não tiverem são enviados para hospitais privados com o SNS a pagar o custo disso” -, por outro para se conseguir dar resposta a quem entra pela urgência com gripe e necessita de cuidados de internamento.E se esta questão dos “internamentos sociais tivesse sido resolvida, porque no ano passado havia o mesmo problema, se não tivéssemos também nos hospitais 340 camas fechadas por falta de enfermeiros, como foi denunciado pela Ordem dos Enfermeiros, se os hospitais tivessem mais autonomia para contratar profissionais ou se fosse executado o investimento previsto para este ano, mais de 800 milhões, sendo que só foram executados cerca de 500 milhões, então sim estaríamos a planear e a resolver situações que se agravam durante a época gripal", reforça Xavier Barreto.Na mesma conferência, Ana Paula Martins anunciou que, à semelhança do ano passado, “o ministério ativou uma ‘task force’”, da qual fazem parte a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, a Direção-Geral de Saúde, o Instituto Nacional de Saúde, Dr. Ricardo Jorge, o Instituto Nacional de Emergência Médica e a linha Saúde 24, para diariamente avaliar a situação e ir tomando as medidas necessárias para minimizar os impactos negativos”. E que, no terreno, “irão ser alargados os horários dos centros de atendimento clínico, e os serviços de atendimento clínico”, que “o INEM reforçou a sua capacidade de resposta pré-hospitalar e que foram ativados novos protocolos na margem sul e em Lisboa, além de um reforço de ambulâncias de reserva junto da Liga dos Bombeiros Portugueses e da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil”..Espanha em alerta com escalada da gripe: Governo quer regresso das máscaras e teletrabalho. Contudo, para quem está no terreno estas medidas deveriam ser tomadas para complementar outras medidas mais estruturantes e o planeamento para esta altura. “A vacinação é a atitude mais inteligente neste momento. Percebo o alerta, a questão é que em termos de internamentos sociais e em recursos humanos não há diferença nenhuma em relação aos anos anteriores. Isto não pode deixar de ser apontado porque o governo tem de explicar porque não o fez”, sublinha o administrador hospitalar. Para Carlos Cortes, “se tivermos de parar a cirurgia programada é mais uma vez um péssimo sinal para os utentes, e não deveria acontecer por causa da gripe, porque todos os anos existe gripe e todos os anos acontece o mesmo. Porque não nos planificámos em recursos humanos, em camas de internamento e até na aquisição de vacinas”.Segundo o último boletim do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, a atividade gripal tem vindo a crescer e já está na fase “epidémica” com “uma tendência crescente com antecipação de três a quatro semanas em relação à época anterior, impulsionada sobretudo pelo vírus influenza A(H3N2).” Os mais afetados até agora são crianças e idosos.