A Lipor - Associação de Municípios para a Gestão Sustentável de Resíduos do Grande Porto está a desenvolver uma unidade-piloto de triagem de têxteis usados com capacidade para receber 50 toneladas por ano, num investimento de quase um milhão de euros, revela Filipe Carneiro, chefe da Divisão de Apoio à Implementação de Projetos Operacionais. A unidade, que deverá entrar em funcionamento até ao final do primeiro semestre de 2025, representa um passo na implementação de uma estratégia para a redução, reutilização e reciclagem de têxteis pós-consumo no território. Mas ainda há um longo caminho a percorrer. Certo é que os oito municípios que integram a Lipor não vão estar preparados para assegurar a 1 de janeiro do próximo ano a recolha seletiva destes resíduos como determinou a União Europeia..Para já, a Lipor apostou na construção desta unidade-piloto, que terá uma capacidade de triagem anual muito reduzida face às quase 25 mil toneladas de têxteis pós-consumo e resíduos têxteis que são colocadas anualmente nos contentores de resíduos indiferenciados por perto de um milhão de habitantes dos municípios associados..Como explica ao DN Filipe Carneiro, o centro de triagem servirá para “conhecer e otimizar” um processo que é “inovador e cheio de desafios”, para posteriormente haver “condições e know-how para ampliar a capacidade de triagem para valores bem mais significativos”. O responsável realça que ainda se está a fazer um trabalho de caracterização destes materiais que vão parar ao lixo..A unidade-piloto, que é financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e se insere num projeto mais vasto designado BE@T - Bioeconomia para o Têxtil e Vestuário, irá triar uma grande diversidade de produtos têxteis, em diferentes estados, com distintas matérias-primas, cores e componentes, num processo que é complexo..Será, por isso, semiautomática, com a triagem a ser desenvolvida em três etapas: manual, para retirada de contaminantes e de materiais para reutilização; automática, com sistema de leitura para identificação de fibras de base celulósica e por cor (o objetivo é encontrar uma solução para peças policromáticas, como xadrez, riscas, estampados, padrões diversos através de sistemas de câmara de visão e Inteligência Artificial); e identificar e remover de forma automática acessórios, como fechos, botões ou outros..Esta central é o teste para a construção de uma unidade de triagem adaptada aos volumes reais de têxteis descartados, que já está inscrita no plano estratégico da Lipor..Tudo por fazer.Este investimento é apenas o início de um processo que em Portugal, e também em vários Estados-membros da União Europeia, está ainda numa fase muito incipiente, apesar das metas estabelecidas. A legislação a nível europeu está também atrasada. No arranque de 2025, todo o país e também os oito municípios da Lipor - Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde - deveriam ter em operação uma rede de recolha seletiva para os resíduos têxteis. No Grande Porto, irá manter-se para já o sistema de entrega de materiais têxteis, basicamente vestuário, para fins de doação, que é gerido por entidades privadas (têm contentores em algumas zonas das cidades). Até porque é o único que fornece uma solução de encaminhamento..Esses “roupões” são instalados ao abrigo de protocolos com as autarquias, sendo que esse material é recolhido e alvo de triagem manual pelas entidades privadas. Caso a peça apresente condições de reutilização pode ser doada ou comercializada em mercados de 2.ª mão, o que é já uma vantagem no que toca à circularidade dos têxteis, sublinha Filipe Carneiro. .No entanto, esta solução “não isenta a obrigatoriedade de estabelecimento por parte dos municípios de uma rede seletiva de recolha de resíduos têxteis, sem potencial de reutilização/doação”, lembra. Mas “temos de garantir o encaminhamento” e parâmetros para distinguir o que pode ser reutilizado e o que é resíduo..“Existem sérias lacunas legais, técnicas e organizacionais” que estão a dificultar a implementação de uma rede de recolha, aponta Filipe Carneiro. A Lipor considera que há uma “indefinição dos conceitos têxtil e resíduo têxtil”, ou seja, é preciso esclarecer quais são “as fronteiras e critérios específicos e devidamente ajustados ao material em questão, que os distinguem entre ser ou não resíduo têxtil”. E para pedir ao cidadão para depositar nos “roupões”, “é preciso que o país garanta um destino. Isso também levanta desafios logísticos, porque um camião leva 25 toneladas”..Filipe Carneiro frisa ainda que há outra questão que está a impactar, e muito, a montagem do sistema de recolha, triagem e encaminhamento dos resíduos têxteis: o atraso na implementação da Responsabilidade Alargada do Produtor, essencial para financiar todo este processo que “terá custos elevados”..Falta também criar uma entidade gestora, à semelhança do que sucede com os resíduos de embalagem que tem na Sociedade Ponto Verde a responsável pela gestão. .Por fim, é preciso ter em conta “a falta de soluções na indústria têxtil nacional para o escoamento dos resíduos têxteis pós-consumo”, que são muito direcionadas para o pós-produção, pela maior facilidade no processo de reciclagem.