Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e a ministra da Administraçãi interna, Margarida Blasco, na reunião com com associações representativas de comunidades da periferia da Grande Lisboa
Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e a ministra da Administraçãi interna, Margarida Blasco, na reunião com com associações representativas de comunidades da periferia da Grande LisboaJOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Governo quer diálogo com associações da Grande Lisboa e propostas para combater racismo

As associações representativas de comunidades da periferia da Grande Lisboa mostraram-se insatisfeitas com compromissos do Governo. Ministro disse que o mais importante é que esteja "aberto, contínuo e melhorado o diálogo com toda a sociedade portuguesa, mas também com as representantes destas comunidades".
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O ministro da Presidência reuniu-se esta terça-feira com associações representativas de comunidades da periferia da Grande Lisboa e prometeu apoios para a habitação, saúde e educação mas também ouvir propostas de combate ao racismo e à exclusão social.

"Nós concordamos que as áreas de maior necessidade de melhoria da vida concreta das pessoas são o acesso à habitação, o acesso à educação, o acesso à saúde, medidas que estamos a aplicar a pensar no país inteiro, mas que vão ter mais impacto nas áreas onde há mais carência", como é o caso da Grande Lisboa, afirmou Leitão Amaro, no final de uma reunião com 15 associações representativas de minorias e de desenvolvimento local dos bairros periféricos.

A reunião foi agendada pelo governo na sequência dos incidentes em vários bairros da Área Metropolitana de Lisboa (AML) após a morte de Odair Moniz, baleado por um agente da Polícia de Segurança Pública em circunstâncias ainda por esclarecer.

Após uma reunião de três horas e sem apresentar propostas concretas, o ministro destacou o empenho do governo em "resolver as listas de espera para os médicos de família e das escolas sem professores, que são muito localizadas nestas zonas da área Metropolitana de Lisboa".

No final da reunião, as associações mostraram-se insatisfeitas com os compromissos concretos do governo, mas, para Leitão Amaro, o mais importante é que esteja "aberto, contínuo e melhorado o diálogo com toda a sociedade portuguesa, mas também com as representantes destas comunidades", pelo que serão agendadas futuras reuniões e "não apenas com os que estiveram hoje".

Todas as associações "tiveram a oportunidade de falar longamente" das suas reivindicações e, adiantou Leitão Amaro, foi acordado "revisitar as instituições de observação e diálogo", em particular a estratégia de combate ao racismo, criticada pelas estruturas locais.

"Nós pedimos às associações, ficou do lado delas agora partilharem connosco" as propostas de revisão do plano de combate ao racismo, explicou Leitão Amaro, recordando que "muitas delas envolveram-se na conceção do programa, mas concordamos que é necessário dar prioridade".

Os "antigos planos de combate ao racismo e à discriminação ficaram largamente sem execução", com apenas 15% das medidas executadas e "dois terços por iniciar", afirmou o governante.

Para Leitão Amaro, "o diálogo é muito importante e é para continuar", porque o objetivo final é "melhorar a qualidade de vida concreta das pessoas", recordando outras medidas do governo, que terão impacto nessas comunidades.

"Aprovámos 2,8 mil milhões de euros de habitação pública dirigida à classe média, mas também às famílias mais vulneráveis", exemplificou.

No capítulo da segurança, Leitão Amaro, admitiu que "é importante haver policiamento de proximidade" nas zonas mais sensíveis e recordou que o Ministério da Administração Interna já tinha iniciado um projeto de formação pedagógica para as polícias.

Manifestando solidariedade para com as polícias, Leitão Amaro também admitiu que "não há nenhum agente da autoridade que não esteja sujeito a escrutínio e a justiça".

No caso do homicídio na Cova da Moura, "foi feito aquilo que um Governo deve fazer, que é ordenar a abertura de uma avaliação, um inquérito disciplinar na IGAI (Inspeção Geral da Administração Interna), além de que as autoridades de investigação criminal estão a fazer o seu trabalho", disse.

"Todos devem ter voz e um governo moderado, como é o nosso, deve estar disponível e aberto a ouvir, a dar a sua visão, também a discordar quando discordar, e agir com medidas concretas para melhorar a vida das pessoas", adiantou o ministro.

Sem comentar as críticas feitas por outros partidos ao caso, Leitão Amaro assumiu que o executivo PSD/CDS quer procurar consensos e evitar discursos radicais.

"Nós acreditamos profundamente na essencialidade humana" e "temos procurado em tudo em todas as áreas moderação e equilíbrio", porque a "primeira forma e mais importante de um governo não cultivar uma cultura de ódio é não ser um autor da cultura de ódio, do discurso de ódio, do discurso ou da exclusão", disse.

Associações da zona de Lisboa saem de reunião com Governo sem medidas concretas

As associações convocadas pelo Governo saíram da reunião sem medidas concretas que respondam à revolta das comunidades da Área Metropolitana de Lisboa, desencadeada após a morte de Odair Moniz, baleado por um agente policial.

"Esperamos que as coisas não se mantenham como estão agora", disse Jakilson Pereira, da associação cultural Moinho da Juventude, em declarações aos jornalistas, no final da reunião, em Lisboa.

Para o representante, "é importante" que o Governo apresente "soluções" para os bairros periféricos e adote "medidas, nalgumas instituições, para que as pessoas racializadas e, principalmente, a geração [nascida a partir de] 2000 sinta que é parte integrante deste país".

Contudo, referiu, não foi isso o que aconteceu na reunião de hoje, que juntou representantes de 15 associações, convocadas pelo Governo "para dialogar".

"[O Governo] não nos apresentou nenhuma medida em concreto", transmitiu Jakilson Pereira, mantendo, ainda assim, "alguma esperança" no processo de diálogo iniciado hoje.

Paula Cardoso, da associação Afrolink, descreveu a reunião como "um plano de intenções", reconhecendo a importância de as associações terem sido chamadas, ainda que no atual "momento de tensão", para dizerem quais devem ser as prioridades e as políticas do Governo no combate ao racismo.

"Esta é uma iniciativa que deve ser continuada", instou, mas com "coragem para implementar aquelas que são as propostas que têm vindo das pessoas que estão nos bairros, [...] que habitam estes contextos segregados e de profunda desumanização em termos de políticas públicas".

Isto porque as condições de vida concretas das comunidades dos bairros periféricos "têm sido desprezadas" e exigem uma abordagem que vá além de "cuidados paliativos", sustentou.

Jakilson Pereira criticou a política de "zonas sensíveis" adotada na última década, "que atirou rótulos para os bairros e que permitiu, no Estado democrático, criar zonas de exceção".

O representante do Moinho da Juventude considerou que os problemas dos bairros não se resolvem com "força musculada", lembrando que as políticas públicas adotadas têm gerado "uma bola de neve" de "situações de pobreza", acompanhadas por "desinvestimento" nas escolas públicas daqueles territórios.

Já Mamadou Ba, da associação SOS Racismo, reconheceu ter ficado "desiludido" com a reunião de hoje, pois esperava que o Governo "apresentasse um caderno de encargos no sentido de [...] finalmente ter políticas públicas de combate à discriminação racial, mas não foi o que aconteceu".

"Saímos com a fome com que entrámos", descreveu, saudando a "medida setorial na área da habitação" apresentada pelo Governo, "importante se for materializada", mas insuficiente.

"Uma política 'ad hoc' não vai resolver as questões raciais, era preciso uma política transversal", realçou.

Ainda que esta seja apenas "a terceira vez em 26 anos de militância" em que Mamadou Ba foi convidado para "uma reunião desta natureza", o ativista não deixou de declarar "insatisfação" por o ministro da Presidência ter reafirmado "apoiar totalmente" a PSP.

Mamadou Ba voltou a exigir a demissão do diretor nacional da PSP (presente na reunião, mas que não usou da palavra, segundo relatou), bem como a suspensão imediata do agente que baleou Odair Moniz, morto há uma semana, no bairro da Cova da Moura.

Mamadou Ba lamentou ainda que o Governo continue "a achar que o racismo não é uma questão estrutural", criticando as declarações do primeiro-ministro, Luís Montenegro, na segunda-feira, considerando que não há "motivo de preocupação" com o racismo em Portugal.

"O Governo disse que nós interpretámos mal, mas eu acho que o senhor primeiro-ministro falou em português e todos nós percebemos português", frisou.

A SOS Racismo propôs ainda alterações ao Código Penal para "tornar o combate ao racismo muito mais eficaz", mas não obteve "uma reação concreta" dos ministros presentes na reunião (Presidência, Administração Interna e Juventude e Modernização), acrescentou.

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