A cibersegurança “deve ser uma prioridade” e é necessário “harmonizar perspetivas” para que Portugal continue a ser “um dos países mais seguros do mundo no ciberespaço”. Estas são as principais conclusões da Grande Conferência sobre o Novo Regime Jurídico da Cibersegurança, que o DN organizou em parceria com a Ordem dos Economistas e a SEDES..Realizada esta segunda-feira no auditório da Fundação Oriente, a conferência juntou decisores em torno do novo regime jurídico da cibersegurança (que está em consulta pública) e que resulta da transposição de uma diretiva europeia, a NIS2, aperta as regras e a fiscalização às vulnerabilidades de cibersegurança no setor público e privado, atribuindo mais responsabilidades aos mais altos dirigentes das diversas entidades..A proposta de lei do Governo está em consulta pública desde o passado dia 29 de novembro e terminaria já no próximo dia 12. No entanto, segundo informação disponível no ConsultaLex, o Governo decidiu estender o período de consulta pública até dia 31 de dezembro - mais 22 dias..António Leitão Amaro, ministro da Presidência, reforçou o trabalho feito por Portugal nesta área, que o tornam um dos países mais seguros do mundo. No entanto, é preciso não descurar “e continuar a trabalhar para isso”. “Há que defender o valor da cibersegurança, mesmo que muitas vezes vozes se levantem quando o tema é discutido. Mas sejamos claros: a cibersegurança é um pilar fundamental”, disse o governante. Sem segurança, reforçou, “não se justifica haver Estado”. Contudo, “a defesa da segurança não é propriedade de qualquer Governo”. Mas deve ser, isso sim, “um dos objetivos primordiais da governação”. .Segundo o ministro da Presidência, o novo regime jurídico foi concebido “com uma lógica de equilíbrio”. Isto porque, para “garantir a segurança máxima”, é necessário “proibir ao máximo e estabelecer deveres ao máximo”, mas “isso estrangula a economia”, sendo então necessário haver esse equilíbrio..Mais tarde, durante a conferência, Pedro Delgado Alves, vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista (PS) exortaria o Governo a enviar à Assembleia da República o novo regime jurídico da cibersegurança para apreciação parlamentar e prescindir da autorização legislativa. É certo que há a consulta pública, mas “é importante que o debate ocorra também em sede parlamentar”, para se conseguir um diploma mais sólido, mais robusto, disse o deputado. .Fora esta situação, Pedro Delgado Alves considerou que existe “um alinhamento, uma continuidade com o trabalho deixado pelo Governo anterior e um nivelamento com a orientação europeia”. À margem do encontro, o deputado sublinhou ao DN a “necessidade de atualizar a legislação das matérias classificadas sobre arquivos, que não podem ficar desligadas da cibersegurança”..Na abertura da conferência, António Mendonça, bastonário da Ordem dos Economistas, considerou que a cibersegurança é “um pilar fundamental para a nossa independência económica”, razão pela qual a instituição que dirige tem vindo a “mobilizar os economistas para [avaliarem] os problemas colocados pelas aplicações de Inteligência Artificial”..Paulo Portas apelou ao “bom senso”, realçando que “inovação não é burocracia”, muito menos quando se fala sobre cibersegurança. As ameaças, destacou o ex-líder do CDS, “vão chegar do lado habitual” e, por isso, “a União Europeia e Portugal têm de estar preparados para as enfrentar de diferentes maneiras”. .No mesmo painel (focado na geopolítica da cibersegurança), António Vitorino, ex-comissário Europeu para a Justiça e Assuntos Internos, considerou que, atualmente, se vive “uma guerra híbrida”, e que a União Europeia está “entalada” entre os Estados Unidos e a China. Mas há mais potências mundiais que podem causar “o caos”: “Vi como a campanha de desinformação russa provocou a alteração política da região africana do Sael. O Grupo Wagner é só um problema, não é o maior. Houve, no terreno, uma campanha muito eficaz junto da opinião pública contra França e Ocidente, e foram levados a cabo vários ataques de ódio contra os interesses ocidentais.”.Por seu lado, Luís Neves, diretor nacional da Polícia Judiciária, destacou que há mais ameaças além das russas. “Há grupos organizados do Brasil que operam no território português”, exemplificou. Segundo o responsável, “há, de facto, cada vez mais ataques graves com atores estatais e com atores privados” e “não é só na terra, não é só no mar, não é só no ar onde a guerra hoje se faz”, mas também no ciberespaço..As ameaças à soberania.Estes perigos, reforçou depois Adélio Neiva da Cruz, diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS), podem mesmo colocar em causa a integridade de um Estado. Segundo Neiva da Cruz, “há ataques provenientes de atores estatais que têm por objetivo a soberania de Portugal”, cujo objetivo é “a recolha de informação confidencial”. Por isso, realçou o trabalho do SIS nesta área, sobretudo “através de programas de sensibilização”, que já realizaram mais de “400 ações em termos nacionais” até novembro deste ano. Estas ações aconteceram, por exemplo, junto de empresas consideradas de setores críticos, como o abastecimento de água..No mesmo painel, Rui Lourenço, da EPAL (empresa municipal na cidade de Lisboa), alertou por isso que “um ciberataque pode colocar esse abastecimento em causa”. Uma vez detetado esse ataque, reforçou, o caminho deve ser o de reportar o mais rápido possível, tendo até em conta que a NIS2 abre portas a uma “interdependência” entre todos os atores, colocando ainda a responsabilidade “ao nível dos boards diretivos, o que é uma novidade”..Hélder Sousa Silva, eurodeputado do PSD e ex-autarca, pediu ainda “cuidado” ao legislar sobre este tema. “Bruxelas regula em excesso. É preciso calma e bom senso quando se legislar sobre a transposição da diretiva”, vincou. .Essa “harmonização”, respondeu Adélio Neiva da Cruz, evitará “uma fadiga legislativa”. “A legislação deve ter uma visão holística sobre os vetores de atividade e livre comércio”, reiterou..Reter talento e criar resiliência para prevenir ataques futuros.Da parte da tarde, o almirante Henrique Gouveia e Melo, chefe do Estado-Maior da Armada, deixou três estratégias para reter talento na sociedade..Segundo disse, estas estratégias passam por aumentar a velocidade com que se produz talento (para compensar as saídas); formar um ‘exército’ de colaboradores subalternos, não apenas oficiais; e massificar o conhecimento entre as pessoas da organização. Salientou ainda que, atualmente, se vive em “sociedades altamente competitivas e tecnológicas, que tornam muito difícil reter talento”. “Isto porque o que o Estado consegue remunerar é insuficiente para competir com as empresas”, apontou, acrescentando depois: “Uma das estratégias que temos para mitigar isto é a velocidade com que produzimos talento. É o que estamos a fazer nas Forças Armadas.”.No mesmo painel, Marco Galinha (CEO do Grupo Bel e acionista da Global Media, dona do DN), salientou que há outras formas de reter talento, além da frieza dos números que constam nos relatórios e contas. “Estamos muito habituados a ver as contas e os relatórios, mas os recursos humanos são, de longe, o mais importante numa empresa”, disse. “E nenhum trabalhador se vai embora de uma empresa, vai-se embora de um chefe”, considerou. “É por isso”, disse, “que os líderes são tão importantes na retenção de talento”..Dúvidas da Polícia Judiciária.Alguns aspetos da proposta de lei ontem discutida levantam dúvidas à PJ. Em causa está, sobretudo, um aditamento que prevê atos não-puníveis, como os cometidos pelos chamados ‘caçadores de vulnerabilidades’ das organizações, uma vez verificado o interesse público. .Segundo Carlos Cabreiro, diretor da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T), o facto de não existir punição não deve evitar a investigação e até a divulgação e exposição dos autores, dentro dos princípios da proporcionalidade. Por outro lado, há ainda a dificuldade de interpretar a intenção do autor..Por último, Carlos Cabreiro defende que quem se dedique a essa atividade a título formal ou informal deveria ter uma autorização prévia e fazer parte de um registo nacional..Com Nuno Vinha e Carla Aguiar