Gouveia e Melo demolidor em mensagem aos fuzileiros: "Não queremos arruaceiros na Marinha!"
Duro e emotivo, o Almirante Chefe de Estado-Maior da Armada falou ao corpo de fuzileiros por causa do homicídio do agente da PSP, pelo qual estão dois militares desta unidade detidos. "Fábio Guerra era a nossa pátria", declarou
No dia em que foi a enterrar o agente da PSP Fábio Guerra, nesta quinta-feira na Covilhã, o Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA) juntou o corpo de fuzileiros e fez uma alocução demolidora sobre princípios, valores e, principalmente sobre quais são as linhas vermelhas para servir o País na Marinha.
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Duro, o Almirante Gouveia e Melo não escondeu a sua profunda desilusão por ver militares de elite como são os fuzileiros envolvidos neste homicídio.
"Os acontecimentos do último sábado já mancharam as nossas fardas, independentemente do que vier a ser apurado. O ataque selvático, desproporcional e despropositado não pode ter desculpas e justificações nos nossos valores, pois fere o nosso juramento de defender a nossa Pátria. O agente Fábio Guerra era a nossa pátria, a PSP e as Forças de Segurança são a nossa Pátria e nela todos os nossos cidadãos", sublinhou.
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Na intervenção, filmada em vídeo, Gouveia e Melo lembrou que tem "os fuzileiros como a força de elite da Marinha", com quem trabalhou "braço com braço nas operações de inserção e exfiltração do Destacamento de Ações Especiais (DAE) enquanto submarinista", com quem operou "com o pelotão de abordagem inúmeras vezes enquanto comandante da Vasco da Gama", com quem esteve "nos terríveis acontecimentos de 2017 e em Pedrógão", a quem viu "atuar em situações de catástrofe, ou no simples apoio às populações", a quem reconhece "profissionalismo, qualidades militares, generosidade e dedicação".
No entanto, naquele momento, tinha de partilhar o que sentia "na sequência de desacatos que resultaram no falecimento do Agente da PSP Fábio Guerra, na madrugada do último sábado".
Lamentou "ver fuzileiros envolvidos em desacatos e em rixas de rua", o que "não demonstra qualquer tipo de coragem militar, mas sim fraqueza, falta de autodomínio, e uma necessidade de afirmação fútil e sem sentido".
Lobos na selva, cordeiros em casa
E continuou, perante uma plateia atenta que esgotava o auditório da unidade: "Já ouvi vezes demais que não se pode ter cordeiros em casa e lobos na selva, eu digo-vos enquanto comandante da Marinha que se não conseguirem ser isso mesmo, lobos na selva, mas cordeiros em casa, então não passamos de um bando violento, sem ética e valores militares, sem o verdadeiro domínio de nós próprios e se assim for não merecemos a farda que envergamos, nem os 400 anos de história dos Fuzileiros".
O CEMA apelou aos militares que fossem "corajosos e firmes no mar, nas selvas, nos desertos, nas praias, quando o inimigo nos flagela, quando tudo nos parece perdido e reagimos, mas não em pistas de discotecas, em rixas de rua, em disputas de gangues".
"Quando vejo alguém a pontapear um ser caído no chão, vejo um inimigo detodos nós, os seres decentes, vejo um selvagem, vejo o ódio materializado e cego, vejo acima de tudo um verdadeiro covarde"
Enquanto militares, asseverou, "não somos movidos pelo ódio, pela raiva, mas por amor a algo maior que os nossos próprios seres, algo tão superior que estamos sempre prontos a sacrificar-nos por isso. Nestes valores militares não há espaço para o desprezo pela vida alheia, nem pela indiferença e sofrimento alheio, ou para qualquer tipo de crueldade. Quando vejo alguém a pontapear um ser caído no chão, vejo um inimigo de todos nós, os seres decentes, vejo um selvagem, vejo o ódio materializado e cego, vejo acima de tudo um verdadeiro covarde".

Gouveia e Melo ainda enquanto coordenador da task force da vacinação
© Diana Quintela / Global Imagens
Emotivo, partilhou com os militares o momento em que contactou a família de Fábio. "Hoje foi a enterrar o Agente da PSP Fábio Guerra. Estou profundamente triste. Quando telefonei à família para lhes dar os meus pêsames não sabia o que dizer, não sabia como justificar, como explicar, só uma profunda tristeza e um nó na garganta que me sufocava as palavras. Como explicar a aridez desta morte sem sentido? Como explicar que nos eventos que levaram a isto estavam dois homens sob o meu comando? Não consegui dizer nada mais que prometer justiça e lutar para que não voltasse a acontecer. Teria sido muito mais fácil e consolador poder ter dito que os meus homens tinham defendido o agente caído na rua, não permitindo que alguém o tivesse agredido cobardemente, já inanimado".
"Quando telefonei à família para lhes dar os meus pêsames não sabia o que dizer, não sabia como justificar, como explicar, só uma profunda tristeza e um nó na garganta que me sufocava as palavras"
O Almirante, que coordenou o plano de vacinação contra a covid-19 com o sucesso nacional e internacionalmente reconhecido, concluiu deixando as linhas vermelhas bem vincadas: "Não quero arruaceiros na Marinha; não quero bravatas fúteis, mas verdadeira coragem, física e moral; não quero militares sem valores, sem verdadeira dedicação à Pátria; não quero militares que não percebam que na Selva temos que ser Lobos, mas em casa cordeiros, pois isso é a verdadeira marca de autodomínio, autocontrole e de confiança dos outros em nós. Nós somos os guerreiros da Luz e não das trevas! Quem não agir e sentir isto que parta e nos deixe honrar a nossa farda, o nosso legado de mais de 700 anos de Marinha e de 400 de Fuzileiros".
No final todos os militares em sentido fizeram um minuto de silêncio em honra do agente da PSP.
A intervenção foi proferida no Corpo de Fuzileiros mas Gouveia e Melo quis que toda a Marinha tivesse conhecimento da mesma, tendo sido publicada na intranet. Na introdução é assinalado que o "o Almirante CEMA tem a certeza que o Corpo de Fuzileiros e os Fuzileiros não se revêem neste tipo de comportamento e mantém toda a confiança nesta força de elite da Marinha"
Fábio Guerra, de 26 anos, morreu na segunda-feira de manhã, no Hospital de São José, em Lisboa, devido às "graves lesões cerebrais" sofridas na sequência das agressões de que foi alvo no exterior da discoteca Mome.
A PJ deteve na noite de segunda-feira três homens suspeitos do homicídio e agressões a outros quatro polícias.
Dois deles, fuzileiros da Armada, ficaram na quarta-feira em prisão preventiva indiciados na prática, em coautoria, de um crime de homicídio qualificado e três crimes de ofensas à integridade física qualificadas. Um quarto suspeito terá fugido para Espanha e está a ser procurado.
Notícia atualizada às 19:10 de dia 25 de março com os vídeos
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