Está concluído relatório anual do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES (OS&D) de 2025, desta vez com outros dois observatórios da SEDES, o Observatório de Políticas Económicas e Financeiras, coordenado por Carlos Tavares, e o Observatório da Indústria, Inovação e Energia, coordenado por Luís Mira Amaral, ambos ex-ministros. O que recomendam para que Portugal possa cumprir e ganhar com o compromisso de reforçar o investimento na defesa?O trabalho conjunto destes três observatórios foi exclusivamente na componente da indústria de Defesa como uma oportunidade para Portugal. A determinada altura sentimos necessidade - tendo em conta a própria evolução da situação internacional no último ano, designadamente nas áreas da indústria de defesa europeia, também na sequência do relatório Draghi e depois da Resiliência 2030 na União Europeia - de alargar o âmbito do OS&D. Assim, com pessoas muito conhecedoras, com muitas lições aprendidas, conseguimos transformar o relatório de um primeiro documento de levantamento da situação para algo mais. E esse algo mais foi exatamente um plano de ação.E o que traz de novo?Fundamentalmente, aquilo que este documento traz de novo é o levantamento das grandes questões, mas também esse plano de ação. Passa por várias questões, designadamente as prioridades do investimento, tendo em conta o historial da indústria portuguesa. É muito importante trabalhar áreas em que já somos reconhecidos, como o espaço, o ciberespaço, a aeronáutica. Até outras áreas, como os têxteis e o calçado, são muito importantes. Portanto, temos no relatório uma sequência de prioridades. Os planos de ação também têm em conta o trabalho que está a ser desenvolvido ao nível da União Europeia (UE) - porque é daí que vêm financiamentos, escala e necessidade de parcerias. E essa vertente empoderadora tem a ver com uma nova estratégia de indústria de defesa, sempre com o enquadramento da indústria nacional.E temos indústria com capacidade para absorver todos os milhões de financiamentos previstos?A IdD - Portugal Defence (holding da indústria pública de defesa) tem a missão de trabalhar com mais de 400 atores do setor. Já são cerca de 38 mil empregos ligados à defesa. Só que, com as novas exigências da NATO de atingir, até 2035 os 3,5% mais 1,5% do PIB, temos de ter uma verdadeira estratégia. É preciso orientação para as empresas perceberem as prioridades, os mecanismos de financiamento, e toda a legislação que facilite os procedimentos, como o princípio do interesse nacional. Para não termos concursos em que ganham os preços mais baixos, mas que depois não cumprem os requisitos operacionais.Consegue sistematizar os pontos críticos principais que foram identificados neste trabalho?O ponto principal, para mim, é a ligação entre o Estado, a investigação e desenvolvimento, a universidade e as empresas privadas. Na teoria, toda a gente fala nisso, mas na prática é muito difícil. Mesmo havendo uma ideia que tenta fazer as pontes, é muito difícil. Nós temos bons exemplos, como a Universidade do Minho e Aveiro, onde há maior proximidade entre academia e empresas. Os polos de investigação e desenvolvimento estavam muito próximo da universidade, com investigadores que até trabalhavam nas duas áreas. E depois eram as próprias empresas privadas a produzir aquilo que era investigado pela Academia e que, por sua vez, tinha apoio estatal. Portanto, ali são bons exemplos, mas eram exemplos muito específicos de tecnologia. Mas são exceções à regra. Agora precisamos de escala integrada ao nível da União Europeia (UE), em parcerias fundamentais. Porque não dá para trabalhar munições, não dá para trabalhar drones isoladamente.Mas a desconfiança é parte das empresas, do Estado, das universidades...?Posso falar na experiência que vivi, a nível superior, a nível do Exército, quando era comandante da Academia e tinha assento no Conselho Superior do Exército. Em todas as aquisições que o Exército fazia, os concursos eram condicionados pela legislação europeia, que não permite proteger a indústria nacional - como fazem Espanha ou França, que aceitam pagar multas por isso em nome do interesse nacional. Quando abrimos um concurso para fardas, ganhava a proposta mais barata que vinha da Ásia - e depois descolava a bota ao fim de dois dias. Ou seja, ou pagamos multas ou usamos agências europeias de defesa, às quais tem de se pagar uma comissão ainda significativa. Ou então, mudamos a legislação, como agora pode vir a acontecer com esta conjuntura. Há aqui um consenso crescente para mudar o que for necessário com maior eficiência e eficácia..Corremos o risco de estas verbas europeias ficarem concentradas em grandes grupos? O que fazer para garantir que chegam também às PME, a centros tecnológicos de universidades, por exemplo?Estudámos isso. A solução é a associação. É isso que a União Europeia incentiva. Portugal tem que estar presente em consórcios. As grandes empresas vão precisar da robótica, da nanotecnologia, da investigação operacional. Se colocarmos PME portuguesas a produzir no âmbito desses projetos, ganham escala. E quais são as áreas em que Portugal pode atingir essa escala? Engenharia aeronáutica, drones, cibersegurança. São áreas onde temos grande valor acrescentado, com aplicação militar ou dual - isto é, militar e civil. O duplo uso das tecnologias aplicáveis na defesa, mas também na segurança interna e da justiça é também defendido pela SEDES. Ainda há dias, o diretor nacional da PJ, numa conferência do PPE defendeu que se aproveitassem estes milhões que vêm de fundos para o reforço da defesa, para também investir em tecnologias nestas áreas. Há abertura para isso?Sim, existe essa abertura desde há vários anos, sobretudo naquilo que tem a ver com as missões desempenhadas pela Marinha, pela Força Aérea que trabalham muito o duplo uso com a PJ em determinadas missões. A Força Aérea, por exemplo, também tem helicópteros com requisitos operacionais militares, mas que estão a apoiar o SNS. Viaturas blindadas podem ser adaptadas a apoio civil. Ou seja, a dimensão operacional implica requisitos muito superiores para os equipamentos do que a dimensão civil.Mas é possível, quando nós temos os requisitos operacionais civis, proporcionar nas aquisições que esses meios, mais tarde ou mais cedo, também possam apoiar. O contrário é não funciona - o mais faz o menos, o menos não faz o mais.A ligação da Defesa á Segurança Interna e Justiça leva-nos às limitações constitucionais nessa matéria. A SEDES tem defendido uma visão integrada da segurança nacional. Ainda continua a ser necessária uma revisão?Sim, desde 2001. Porque temos ameaças transnacionais - terrorismo, ciber - que exigem articulação entre segurança e defesa. A maioria dos países já tem estratégias de segurança nacional e conselhos integrados. Em Portugal, o Presidente da República tem um Conselho de Defesa Nacional, mas não tem um Conselho de Segurança Nacional. Há órgãos que dependem do primeiro-ministro e outros do Presidente - e essa fragmentação não faz sentido. Há condições políticas para uma revisão constitucional, sobretudo na área da segurança, que está muito desatualizada. Há estabilidade política para isso?Para uma revisão constitucional, é preciso um entendimento entre os grandes partidos. Acho que todos beneficiavam com isso. Mas neste momento, o primeiro-ministro já disse que tem outras prioridades - e haverá matérias mais fraturantes, como o trabalho, que podem bloquear o processo.. O compromisso com os 5% até 2035 é para levar a sério. E exige uma mudança profunda. O Estado tem de coordenar. Esta é ou não é uma prioridade?Claramente é uma prioridade. É uma transformação que vamos ter de fazer. Só este ano, com mais 1,3 mil milhões, vamos atingir os 2%. E já há reuniões entre ministérios para que isso aconteça sem orçamento retificativo, com ajustamentos em rubricas complementares da defesa. Isso implica revisão da Lei de Programação Militar e investimentos sustentados.Estamos a falar de reforço real do investimento ou de contabilidade criativa? O que é aceitável que seja incluído?Aceitável é, por exemplo, grandes investimentos na cibersegurança, que depois também são usados na ciberdefesa. O apoio das Forças Armadas ao SNS implica centenas de milhões. E há outro exemplo importante que saiu da cimeira de Haia e que não é do conhecimento público: o apoio à Ucrânia, que da nossa parte já vai em cerca de 300 milhões de euros. Antes não era contabilizado na percentagem do PIB, mas agora foi aceite pela NATO. Tudo isto vai contar.A SEDES apresenta neste relatório uma proposta de criação de um Serviço Nacional de Cidadania, que tem defendido há anos. Acha que tem condições para avançar?Sim. Começámos a trabalhar nisto em 2021, antes da guerra. Fizemos uma sondagem: 63% apoiavam um serviço obrigatório. Depois, trabalhámos o modelo com jovens da universidade e juventudes partidárias. Introduzimos as sugestões e temos um modelo tendencialmente obrigatório, mas formativo, que permite aos jovens servir o Estado - seja nas Forças Armadas, Administração Interna, Justiça, Saúde, etc. Ganham competências e são valorizados para o futuro.Que valores procuram que os jovens adquiram?Valores cívicos: sentido de Estado, compreensão dos compromissos internacionais, capacidade crítica informada e construtiva. Conhecimento do sistema político nacional. Preparação para a adversidade. E uma maior coesão nacional. Acha que isso pode ajudar a suprir a falta de recursos nas Forças Armadas e serviços do Estado? Também. Há falta de recursos em muitas áreas: saúde, justiça, segurança. Esses jovens, depois de passar pelo serviço, estarão mais disponíveis para continuar nessas áreas - ou noutras. E com incentivos adequados, podemos ter uma geração mais preparada e comprometida. Outro tema do relatório é a criminalidade e a perceção de insegurança. Identificaram uma grande disparidade. Pode explicar como chegaram a essa conclusão? Foi feito um estudo por um grupo de trabalho experiente. Analisaram o Relatórios Anuais de Segurança Interna entre 2000 e 2024 e cruzaram com as primeiras páginas dos jornais (Diário de Notícias, Correio da Manhã, Público, Expresso e Sol). Conclusão: a criminalidade desceu 1,3%, mas as notícias sobre crime aumentaram 130%. Há um desfasamento real. Sobre o capítulo da cibersegurança deste relatório. A SEDES participou ativamente no debate do novo regime jurídico para a cibersegurança. Que caminhos apontam?O João Annes trabalhou e liderou esse processo. A SEDES fez trabalho prático - realizou colóquios, fez propostas de estratégia. Quando saiu a proposta espanhola, tivemos de rever a nossa. A lei caiu com o governo, e ainda bem. A nova proposta vai ser melhor, mais eficiente. É preciso evitar constrangimentos que travem o desenvolvimento económico .SEDES. Em 25 anos, criminalidade caiu 1,3%, capas com crimes subiram 130%.SEDES. Serviço Nacional de Cidadania para “reforçar a coesão nacional”