Em 1925, o Lions Club International, apostou nos cuidados oculares depois deste desafio lhes ter sido lançado por uma jovem mulher, cega e muda, que se dirigiu à convenção da organização em Ohio, nos Estados Unidos da América, para lhes dizer que “não se contentava em ficar apenas com esta situação. Ela queria progredir, queria estudar e queria ser uma pessoa como as outras”, conta ao DN 100 anos depois, o agora presidente do Lions Club International Foundations (LCIF), Fabrício Oliveira. A jovem, que classifica como “destemida”, precisava de ajuda de uma organização como o LCIF, com a missão de servir e melhorar a vida das pessoas e das comunidades, para progredir, e “desafiou os Leões a serem paladinos dos cegos e a dedicar todos os esforços e todo o seu trabalho no combate à cegueira e no cuidar das pessoas que não vêm”. Os 'Lions' ou ('Leões') aceitaram o desafio e desde essa época que têm apostado no trabalho e no apoio às pessoas com problemas visuais. “Começámos com a 'Bengala Branca', que na época proporcionou às pessoas cegas logo alguma mobilidade”, relata Fabrício Oliveira. Ao longo dos anos, continua o presidente, o trabalho do LCIF começou por ser também o de incentivar “os leões do mundo inteiro a dedicarem parte do seu tempo às pessoas que cegas e com problemas visuais. E isto foi evoluindo de tal maneira que, na década de 90, achámos que poderíamos fazer um pouco mais e lançámos uma campanha mundial para angariação de fundos, denominada Sightfirst. Conseguimos arrecadar cerca de 500 milhões de dólares ( o que representa hoje cerca de 427 milhões de euros) e a partir daqui tivemos a capacidade, trabalhando sempre em parceria com a OMS, que nos deu total suporte técnico, de criar estruturas que permitiram nestes 35 atender 544 milhões de pessoas, de 118 países, com problemas relacionados com a visão e realizar nove milhões de cirurgias às cataratas”. Ou seja, e como sublinha ao DN, “este prémio é uma honra, mas também o reconhecimento de um trabalho de 100 anos”.Mas a par do LCIF, há mais duas organizações que são neste dia 9 de setembro distinguidas com o Prémio António Champalimaud Visão 2025 pelo seu papel na prevenção e tratamento da cegueira, são elas: a International Agency for the prevention of Blindness (IAPB), criada em janeiro de 1975, e que ao fim de 50 anos de trabalho tem mais de 250 organizações-membro e está presente em 100 países, e The Fred Hollows Foundations, com sede na Austrália, fundada a 3 de setembro de 1992, pelo oftalmologista Fred Hollows, e que neste tempo tem feito um trabalho junto das comunidades mais marginalizadas, nomeadamente aborígenes, tendo já conseguido devolver a visão a mais de três milhões de pessoas de mais de 25 países da Ásia, África e Oceania.O reconhecimento da coragem de uma mulher cega e mudaPara o LCIF, na tarde desta terça-feira, é também a coragem da então jovem Helen Keller que é reconhecida, bem como todo o trabalho feito pelos 'Lions' a partir daqui e com mais relevância a partir da década dos anos de 1990. Na conversa com o DN, nas vésperas de viajar até Lisboa para receber o galardão, Fabrício Oliveira destaca que “nestes 35 anos devolvemos a visão a 9,8 milhões de pessoas que estavam totalmente cegas, apoiámos 1461 projetos de cuidados em 118 países e concedemos 389 milhões de dólares (hoje cerca de 331 milhões de euros) como subsídios que foram suficientes para construir, equipar e expandir 1719 clínicas que hoje trabalham com a visão e treinam profissionais”. Ao todo, sublinha Fabrício Oliveira, foram formados 2,66 milhões de profissionais que hoje trabalham na saúde ocular nas respetivas comunidades”.No campo das doenças, o presidente do LCIF destaca que a organização teve “a capacidade de, através de algumas alianças, conseguir distribuir cerca de 205 milhões de doses do Zitromax para o controlo do tracoma (doença inflamatória ocular, conjuntivite), e fazer cerca de 966 mil cirurgias para tratar este problema”. Foram ainda “distribuídos 334 milhões de doses de Mectazan para as pessoas que têm um problema que chamamos de 'cegueira dos olhos', provocada por uma mosca que, ao pousar nos olhos, deixa as suas larvas e depois causa cegueira. Até agora, conseguimos erradicar essa doença em muitos países, inclusive da América Central e do Sul e em alguns países de África”. A bem dizer, sublinha Fabrício Oliveira, o programa Sightfirst já proporcionou tudo isto e muito mais, porque eu apenas estou a destacar os pontos principais”.Sobre os 118 países, explica ao DN que a escolha destes recaiu sobretudo nos que são pouco desenvolvidos e com populações mais carenciadas e com menos oportunidades de ter acesso a cuidados oculares. “Os próprios países não têm os recursos necessários para oferecer uma saúde ocular adequada e a nossa atividade, através das clínicas que conseguimos construir, tem feito a diferença na vida das pessoas”. Cuidados oculares ainda "não são uma prioridade em muitos países"Mas não só, salvaguarda Fabrício Oliveia, “não criámos só clínicas em países subdesenvolvidos, criámos também em países desenvolvidos, onde, por vezes, continua a existir uma parcela da população que ainda não tem acesso aos recursos necessários para cuidados da sua saúde ocular em pleno”.E, na sua opinião, se no mundo desenvolvido ainda há pessoas que não têm acesso aos cuidados oculares não é por falta de conhecimento, porque “a comunidade técnica está muito bem preparada, faz um trabalho exemplar e contribui de forma única para melhorar a vida dos doentes. O que acontece é que na grande maioria destes países os cuidados oculares ainda não são uma prioridade para as políticas públicas dos governantes ou do Estado. E essa é uma deficiência muito grande”.Quanto ao futuro, o presidente do LCIF reconhece que ainda há muito a fazer na melhoria dos cuidados prestados no âmbito da saúde ocular, porque "a grande maioria das pessoas começam a precisar de recursos adicionais à visão, geralmente, a partir dos 40 anos, nalguns casos mais cedo”, explica. Por isso, “enquanto a humanidade existir, esta necessidade de melhorar estes cuidados nunca irá acabar. É um trabalho que tem de ser contínuo e no qual todos nós temos que nos ajudar”.Prémio é atribuído alternadamente à investigação ou ao trabalho no terrenoO prémio António Champalimaud Visão é atribuído há cinco anos, no contexto do programa "Visão 2020 – O Direito à Visão", e tem o valor pecuniário de um milhão de euros. Segundo sublinha a própria Fundação Champalimaud, é "uma iniciativa global", que tem o aval da Organização Mundial da Saúde e da Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira e o seu objetivo é distinguir "as contribuições na área da investigação para o alívio dos problemas da visão, fundamentalmente nos países em desenvolvimento” e “reconhecer grupos com contribuições significativas no combate à cegueira e à deficiência visual, principalmente em países/regiões em desenvolvimento, e/ou que desenvolveram inovações ou novas tecnologias com impacto na qualidade de vida das pessoas cegas e com deficiência visual nestas regiões do mundo.”E as três organizações distinguidas neste final de tarde destacam-se, como refere a fundação, pela sua “atuação complementar e abrangente, que ao longo de décadas tem promovido a saúde ocular e reduzido o peso da deficiência visual, especialmente nas regiões mais desfavorecidas do planeta”.Ao prémio podem candidatar-se “laboratórios, organizações ou projetos de vanguarda resultantes de esforços de colaboração, dedicados à investigação na área da visão; à conservação e restituição da visão ou à facilitação do acesso a tais medidas por populações carentes; à luta, no terreno, contra a cegueira e ao desenvolvimento de novas tecnologias para auxiliar as pessoas com deficiências visuais. Os candidatos poderão ser compostos por grupos provenientes de mais do que uma instituição ou disciplina”. A seleção será fita depois por um júri composto “por um distinto painel de reputados cientistas internacionais e de notáveis figuras públicas cujas vidas têm sido dedicadas à resolução dos problemas e à supressão das necessidades do mundo em vias desenvolvimento.”