João Pica diz que “nem os imigrantes entendem o inglês dos funcionários, nem estes percebem o dos imigrantes”.
João Pica diz que “nem os imigrantes entendem o inglês dos funcionários, nem estes percebem o dos imigrantes”.Diogo Faria Reis/Lusa

Freguesia na Amadora só atende em português e os imigrantes têm de levar tradutor

João Pica assumiu funções como presidente da Junta de Freguesia da Venteira há um mês e esta foi uma das primeiras medidas que adotou. Nega qualquer atitude discriminatória
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O presidente da Junta de Freguesia da Venteira, na Amadora, à qual recorrem muitos imigrantes, sobretudo indostânicos, determinou que os atendimentos sejam feitos apenas em português, para evitar erros de interpretação, e nega qualquer atitude discriminatória.

Com uma forte presença de imigrantes indostânicos, provenientes da Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal e Butão, esta junta realizava, até há um mês, atendimentos em inglês, mas João Pica apercebeu-se de que “nem os imigrantes entendem o inglês dos funcionários, nem estes percebem o dos imigrantes”.

João Pica assumiu funções como presidente da Junta de Freguesia da Venteira, no coração da cidade da Amadora, há um mês e esta foi uma das primeiras medidas que adotou.

“O que eu percebi, em três ou quatro atendimentos que eu presenciei, foi que, no final do atendimento, nem a nossa funcionária entendeu metade do que o interlocutor estava a falar, nem o freguês, naquele caso, entendeu metade do que a nossa funcionária estava a falar”, disse à Lusa.

Para João Pica, o facto de o inglês falado por estes imigrantes ser “muito rudimentar”, faz com que não haja entendimento.

Uma das consequências desta dificuldade de interpretação foi a reclamação de alguns imigrantes, que alegaram que na junta lhes prestaram informações erradas.

“Eu não posso ter funcionários que estão a arriscar estarem a ser colaborativos com alguém que a seguir vem aqui e faz uma queixa, e faz uma queixa bem-feita, porque teve uma informação que pensou que era correta e não era”, observou.

O autarca explicou que os atendimentos continuaram e não é necessário um tradutor oficial.

“Exigimos, sim, que a pessoa se faça acompanhar por alguém que faça a tradução, que tenha alguém que fale português, que entenda português e traduza para a língua nativa da pessoa que está ali a ser atendida”, prosseguiu.

João Pica disse que as alterações estão “a correr bem”, ultrapassados “um ou dois constrangimentos” relacionados com o atendimento de pessoas que não estavam a contar com a necessidade de um tradutor.

Moradas usadas à revelia dos donos para imigrantes obterem certificados

Segundo João Pica, há casas de moradores na Amadora que foram indicadas, à revelia destes, como residências de imigrantes, uma fraude testemunhada por pessoas pagas para mentir, existindo casos de habitações certificadas como morada de largas dezenas de pessoas.

O presidente da Junta de Freguesia da Venteira diz que, no primeiro dia em que assumiu funções, foi aliciado para atestar uma residência, a troco de 60/70 euros, mesmo em frente das instalações da junta.

“Alguém chega-se ao pé de mim, aborda-me e pergunta-me se eu podia servir de testemunha para um atestado de residência. Eu olhei e a pessoa, de repente, diz-me: Mas não se preocupe, que eu pago-lhe 60 ou 70 euros”.

João Pica apercebeu-se então de negociações à porta desta junta de freguesia, que consistiam na angariação de testemunhas, moradoras na Venteira, a quem era oferecido dinheiro para corroborarem que a morada apresentada por imigrantes para obterem o certificado de residência era a que estes indicavam.

Estes imigrantes que necessitam de uma morada que não a sua moram, normalmente, em espaços que não são considerados habitação, como lojas, e que por isso não podem constar de um certificado para a obtenção de uma Autorização de Residência.

Há um ano, antes de a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) passar a exigir outros comprovativos, o valor pago pelos angariadores chegava a atingir os 200 euros.

Em certos casos, eram pagos no interior da junta, para indignação dos funcionários, que, quando disso se apercebiam, mandavam os angariadores e os recrutados para o exterior.

Os que aceitam mentir a troco de dinheiro desconhecem se a morada indicada é efetivamente habitada pelo imigrante que precisa deste certificado de habitação. E os legítimos proprietários das casas indicadas como moradas desses imigrantes, e que serão “às centenas” na freguesia da Venteira, e muitos mais em todo o concelho, quando se apercebem do uso indevido da sua morada confrontam a junta.

“Tive quatro ou cinco reuniões com fregueses aqui da Venteira que me vieram questionar como é que nós estávamos a passar atestados de residência a pessoas para as moradas deles, quando eles não habitavam lá. Eu fiquei perplexo, como é evidente, e tive noção que tinha a ver com este negócio paralelo que havia aqui”, contou.

Há cerca de um ano foi feita uma exposição às autoridades, que não terá tido consequência, e João Pica revelou que está a ser formulada uma nova queixa que seguirá para o Ministério Público sobre este caso e outras situações irregulares com imigrantes.

O autarca explicou que, na base desta situação, está a possibilidade de uma pessoa poder testemunhar várias vezes, o que considera “lamentável”.

“Ao fim de cinco, seis anos, em que já percebemos que isto não funciona e que tira a credibilidade dos serviços, acho que a legislação devia ela própria impor limites”, defendeu.

E sublinhou que o estado das coisas permite que pessoas cheguem a testemunhar 50 ou mais vezes, conduzindo a situações como a registada numa casa na Avenida de Pangim, indicada como morada de mais de 100 pessoas, num curto espaço de tempo.

João Pica alega que a única forma de a junta averiguar a veracidade das declarações seria investigar, junto da morada, se aquele imigrante efetivamente mora ali. “Nós não temos recursos. Chegámos a ter aqui uma média de 30, 40 atestados a serem emitidos por dia. Como é que nós vamos confirmar as residências dessas pessoas todas? Não temos capacidade. Temos mesmo que, supostamente, acreditar no que estão aqui a dizer-nos”, disse.

O autarca reconheceu que a maioria dos funcionários tem a noção de que em 80% dos casos as pessoas não habitam na morada que apresentam.

100 imigrantes a viver numa loja

O presidente da Junta de Freguesia da Venteira, João Pica, disse ainda que a situação que se vive em várias lojas, a metros da junta, é “desumana” e promete agir.

“Eu vou atuar nas lojas. Eu não posso permitir que 100 imigrantes vivam numa loja. É desumano. Acontece”, afirmou.

O cenário destas lojas tem alguns sinais comuns, como os vidros tapados, que em alguns casos permitem que se veja no seu interior vários colchões empilhados.

O movimento nestes espaços é mais comum ao início da noite e início da manhã, o que se deve ao aluguer dos colchões à noite e ao dia.

“Temos o utilizador que dorme durante o dia e sai à noite e temos o utilizador que dorme durante a noite e sai de manhã. Eles revezam o colchão e chegam a pagar 200, 300 euros por colchão”, contou.

A junta tem neste momento sinalizadas pelo menos cinco grandes lojas onde se pratica este sistema de revezamento de imigrantes na mesma cama (conhecido por “cama quente”) na freguesia.

O facto de estas lojas serem a habitação de “centenas de imigrantes” na freguesia, no centro da cidade da Amadora, faz com que estes não consigam um atestado de residência com vista à sua legalização, optando muitas vezes por indicar moradas que não habitam, certificadas por pessoas que recebem dinheiro para mentir.

João Pica lamenta ainda a existência de um edifício recuperado e propriedade de um privado, que obteve o licenciamento para Alojamento Local (AL), mas que “de alojamento local não tem nada”.

“Não tem nada de Alojamento Local, tem tudo sim de tráfico, de tráfico humano, onde as pessoas entram e saem e são exploradas, porque pagar 200 a 300 euros por um colchão é uma exploração”, disse.

E lamentou que nestes casos não exista “qualquer tipo de fiscalização”.

“Infelizmente, no concelho da Amadora a fiscalização é diminuta e não é feita; e devia ser feita e de uma forma rigorosa”, referiu.

João Pica promete uma atuação, nomeadamente através de fiscalização e obrigando a Câmara da Amadora a atuar.

“Não podemos permitir isto, não pode ser, e a Câmara da Amadora não pode permitir ter dezenas de lojas afetas e ter colchões por todo o lado", declarou.

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