Filipe Rosas: "Não nos vamos transformar, de repente, numa zona ultraperigosa do ponto de vista sísmico"
É o segundo abalo sentido em Lisboa no espaço de poucos meses (o anterior foi em agosto, com magnitude 5.3). Há razão para o alarme? A frequência sísmica está a subir nesta zona ou ainda não é possível fazer essa avaliação?
Creio que não. Com base nos dados que temos, até agora, não há nenhum motivo para presumir que isto é uma espécie de prenúncio ou antecâmara de qualquer coisa mais grave. Temos muitas centenas de milhares de sismos a ocorrer todos os dias. O que acontece é que têm uma magnitude mais baixa. Estes dois tiveram uma magnitude maior e, sobretudo, uma intensidade mais alta, por serem relativamente próximos de Lisboa e por serem relativamente pouco profundos. Isso fez com que as pessoas dessem conta. Penso que é isso. Agora, de facto, do ponto de vista geológico e geofísico, a grande questão é perceber qual o contexto geotectónico em que estes sismos ocorrem. Isto é, em que falha se geraram, com que movimento e na dependência de que tipo de tensões.
A ideia é que estas duas zonas do sismo de agosto, e o de hoje, não são propriamente zonas de falha sísmica conhecida, correto?
A maior parte dos sismos e, sobretudo, os de grande perigosidade, porque são de maior magnitude, estão tipicamente associados às zonas de fronteira entre placas tectónicas. A superfície da terra, a camada mais superficial é, também, a mais fria. Ao sê-lo, cede às solicitações de tensão. Ou seja, às forças que são aplicadas sobre ela, de uma maneira a que chamamos de “elástica”, e que, em vez de se deformar e distorcer, parte. E, quando parte, gera uma rotura, a que chamamos falha tectónica. Quando ocorre, essa rotura liberta energia que é em tudo igual à energia sonora, por exemplo. Mas ao invés de se propagar no ar, propaga-se no meio rochoso. Ambas são ondas mecânicas e elásticas, ou seja, que resultam da vibração das partículas materiais que constituem um meio. Os sismos de maior magnitude, que libertam mais energia, estão tipicamente associados à fronteira de placas. Neste caso, a fronteira de placas mais próxima do nosso território, de perigosidade importante, é a fronteira de placas entre a placas euroasiática [que corresponde ao bloco europeu] e africana, localizada a sul. Quando estas duas placas mexem uma em relação à outra, a sismicidade, ou seja, o modo de acomodar as forças que suscitam esse movimento, é a rotura da litosfera [ou seja, a camada sólida mais exterior do planeta Terra] ao longo da fronteira entre estas duas placas. Isso acontece ali na zona que passa por Gibraltar, pela zona do Algarve, e vai até o ponto triplo dos Açores. Esta sismicidade que ocorreu em agosto e que ocorre hoje, não estará relacionada com este quadro, com este contexto. Em si mesmo, há de ser uma coisa de mais baixa magnitude e, portanto, potencialmente, de menor perigosidade. Isto é tudo muito relativo, porque uma falha secundária relativamente superficial e próxima de uma área densamente povoada, pode ter um impacto em termos de estragos, e até em termos de vidas humanas. Tanto quanto nos é possível dizer até ao momento, este sismo não é desta família da fronteira de placas a sul e a sudoeste da Península Ibérica. Mas o facto de, em princípio, ser um sismo associado a uma falha menos perigosa – e isto é sempre teoria – não nos deve deixar de preocupar do ponto de vista da prevenção e preparação das populações sobre o que é necessário fazer antes, durante e após um abalo.
Do seu ponto de vista, a população está preparada para este tipo de situações? Até porque os sismos não são possíveis de prever...
Acho que estamos muito mais bem preparados do que quando eu era miúdo. Acho que há uma informação muito mais disponível, e mesmo nas escolas, nas empresas e nos locais de trabalho este é um assunto recorrente, com exercícios, com simulacros de sismo, etc. Penso que as pessoas estão mais bem informadas. Há muita informação, por exemplo, e as pessoas sabem que devem preparar-se para um sismo, procurando ter água potável ou um rádio a pilhas, por exemplo. Quando ocorre um sismo, sabem que se devem abrigar debaixo de uma trave mestra ou de uma mesa forte, para evitar que caiam coisas em cima. Acho que todos nós, hoje, conhecemos estes procedimentos. Essa informação está disponível de forma detalhada em muitos sítios. Acho também que tem vindo a ser feito um esforço da educação das gerações mais novas, em idade escolar, que me parece muito meritório. O problema é saber se é suficiente. As pessoas também só ligam estas coisas, naturalmente, quando elas acontecem. E como não acontecem assim com tanta recorrência no nosso território, mas acontecem, é este o problema. Há alguma tendência para nos esquecermos. A memória é muito curta. É difícil, mas creio que se tem feito algo na prevenção das populações.
"O facto de ser um sismo associado a uma falha menos perigosa não nos deve deixar de preocupar do ponto de vista da prevenção."
Filipe Rosas
Do ponto de vista do estudo e da compreensão dos sismos, o que acha que falta fazer em Portugal?
O caminho que tem vindo a ser feito em Portugal sobre a investigação científica destes problemas tem sido, provavelmente, a área onde tem havido mais progresso. O número de pessoas envolvidas, o número de especialistas a nível internacional que se têm dedicado e que têm contribuído para o avanço do conhecimento, nesta área, nos últimos 50 anos, é brutal. Basta pensarmos que, em 1969, o conhecimento era muito menor sobre tudo o que se passa. Não só o conhecimento, também a monitorização, a avaliação do tipo de alerta que se torna necessário ter. Sou diretor do Instituto Dom Luiz, que é o centro de investigação da Universidade de Lisboa que, por excelência, se ocupa dessas questões e quer os sismólogos, quer os geógrafos e os neotectonistas têm contribuído no quadro internacional com enormes, com assinaláveis contributos para esta questão.
E é possível estabelecer alguma relação entre o sismo de agosto e este?
Com base na informação que temos, é muito difícil presumir que haja. Ainda que nós não saibamos em que falha que ocorreu este sismo, não há nenhuma coincidência especial que, só por si, possa sugerir que esta sismicidade é o prenúncio de uma qualquer crise. Não há nenhum elemento factual para presumir uma coisa dessas. Importa lembrar que Lisboa está numa zona de sismos. A sismicidade que ocorre aqui no Vale do Tejo e na margem oeste, é conhecida quer instrumentalmente, desde que se medem os sismos e a sua magnitude, quer historicamente. É uma situação que não tem nada de anormal. O que aconteceu é que se sentiram dois dos abalos. A maior parte deles não se sente por serem de uma magnitude, ou pelo menos terem uma intensidade mais reduzida, por serem mais profundos e estarem mais longe das zonas povoadas. Até haver novos dados e nova informação que possa surgir, não me parece que haja uma relação entre as duas coisas.
Ou seja, não há um risco de Portugal se tornar numa zona de sismicidade ativa?
Não há esse risco à escala antropológica. Por exemplo, estudamos a possibilidade da fronteira de placas que passa agora a sul e a sudoeste do Cabo de São Vicente, poder migrar para a margem oeste da Península Ibérica. Mas isso não ocorre nem sequer à escala dos milhões de anos, ou das dezenas, ou centenas dos milhões de anos. Os primeiros hominídeos devem ter dois milhões de anos. Ou seja, toda a história dos humanos cabe numa fração desse espaço de tempo. Por isso, não é uma coisa que se possa discutir do ponto de vista das consequências que tem para as sociedades humanas. Portanto, a resposta à pergunta é um não. Não, não nos vamos transformar, de repente, numa zona ultraperigosa e ativa do ponto de vista sísmico.