Filipe Duarte Santos. “As tensões geopolíticas não ajudam a resolver a questão climática”
Em 2024, as questões relacionadas com o Clima vão continuar na ordem do dia. Depois de na COP 28, realizada nos Emirados Árabes Unidos, no final deste ano, se ter chegado a um acordo de transição para o abandono dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, acelerando essa ação até 2030, e tendo como meta para 2050 a neutralidade carbónica, Filipe Duarte Santos - investigador e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) - prevê que esta caminhada não será fácil. “É importante mencionar que os dois maiores produtores e emissores de gases com efeitos de estufa - os Estados Unidos da América e a China - têm uma relação difícil. Estas tensões geopolíticas não ajudam a resolver a questão climática. Se essa relação fosse menos difícil estes países poderiam colaborar mais na transição energética”, observa.
E para que o Planeta não continue a aquecer e as questões climáticas possam ter uma solução à vista, Filipe Duarte Santos avisa: “A principal forma de reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa é fazer a transição energética. Ou seja, deixarmos de utilizar tanto os combustíveis fósseis e passarmos a utilizar mais as energias renováveis. E, neste aspeto, é importante que se faça maior uso da energia elétrica”. Esta é, mesmo, uma das formas de salvar a Terra do aquecimento global, com todas as suas consequências. “Ao aumentarmos a parte da energia elétrica isso facilita a transição energética, porque a energia elétrica pode ser gerada por fontes renováveis; através da energia solar/fotovoltaica ou através da energia eólica”.
Ainda assim, o professor universitário jubilado ainda não imagina, para já, um mundo sem combustíveis fósseis. “Não é fácil… Mas é possível! Por exemplo, ao falarmos de grandes indústrias, como a dos transportes, é possível usar biocombustíveis ou combustíveis sintéticos, além de combustíveis de baixo carbono. Aqueles combustíveis que pomos nos nossos carros - gasolina e gasóleo - já têm incorporada uma parte, cerca de 8%, de biocombustíveis. E isso pode ser aumentado. Podemos complementar isso com hidrogénio verde. Ou seja, hidrogénio que é feito por meio de energias renováveis, em que a eletrólise da água - separar a água em oxigénio e hidrogénio - é feita por meio de energia elétrica”.
Contudo, os combustíveis fósseis ainda representam a maior fatia dos que são utilizados em todo o mundo. E Filipe Duarte Santos tem uma explicação. “Os combustíveis fósseis, em particular o petróleo e o gás natural, são ainda muito abundantes e relativamente baratos, embora o seu preço esteja sujeito a oscilações”. Mais uma vez, os conflitos entre países estão no centro da questão. “Por exemplo, num conflito como aquele que existe na Ucrânia, depois de ter sido invadida pela Rússia, as sanções os preços da gasolina, do gasóleo e do gás natural aumentaram. Ao passo que as energias renováveis são mais estáveis”. Porém, para se fazer uso do sol ou do vento e transformá-los em energia é preciso “primeiro fazer um investimento. Mas depois a energia renovável, o sol por exemplo, está sempre lá”.
Ainda assim, Filipe Duarte Santos explica que a dependência de combustíveis fósseis, no caso de Portugal, “ainda anda na ordem dos 60%. É muito. No resto do mundo, o valor é mais elevado. Globalmente, a dependência dos combustíveis fósseis é na ordem dos 80%”. Daí o académico prever “uma transição que vai ser difícil. Sobretudo porque a indústria do gás e do petróleo é muito poderosa e move interesses muito fortes. Basta dizer que o maior produtor de petróleo do mundo são os Estados Unidos. O maior produtor mundial de carvão é a China. Portanto, a economia desses países está muitíssimo dependente dos combustíveis fósseis”.
E o que esperar se a meta para conter o aumento da temperatura global em 1,5º, até 2030, patente no Acordo de Paris, não vier a acontecer? “Temos de fazer um esforço nesse sentido, mas se fizermos uma análise realista é altamente improvável que se consiga”. Já há cientistas que apontam para uma subida média da temperatura no Planeta, até essa data, na ordem dos três graus celsius. E caso isso se concretize, o futuro não é auspicioso. “Vamos ter ondas de calor mais frequentes ainda, temperaturas mais elevadas e secas mais frequentes”, alerta o presidente do CNADS.
Filipe Duarte Santos avisa, ainda, para as consequências na agricultura e na economia global. “É importante mencionar que a agricultura é dos setores mais vulneráveis. Muitas plantas não estão preparadas para estar sujeitas a temperaturas muito altas e as folhas das árvores começam a queimar”. Conclusão: “As culturas passam a ter uma produção mais baixa. Isto tem consequências sobre a produção alimentar em todo o mundo. Aliás, a COP 28 foi a primeira que deu atenção a estes assuntos: ao impacto das alterações climáticas sobre a alimentação, a segurança alimentar, mas também ao facto de o setor agrícola contribuir com emissões de gases com efeitos de estufa”. Para isto, há duas respostas: “Mais uma vez a redução das emissões e a transição energética. Depois, temos de nos preparar para a adaptação a um clima diferente. No caso de Portugal e da Europa um clima mais quente e seco”.
Entretanto, a COP 29 irá realizar-se em novembro de 2024. A Europa está na linha da frente da descarbonização. Por isso, Filipe Duarte Santos deixa no ar uma questão. “O problema que se põe para a União Europeia é como manter a sua competitividade económica com este programa que tem de descarbonização. Porque se os outros países também fizerem a descarbonização, está tudo bem. Mas se não fizerem, depois como é que é? Ficamos em desvantagem”.
isabel.laranjo@dn.pt