Falta de professores de Português agravou-se 250% no último ano
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Falta de professores de Português agravou-se 250% no último ano

Português e Matemática estão entre os grupos onde a escassez de professores é maior. A três meses das provas, ainda há alunos sem professores nas disciplinas sujeitas a exame. 60% das escolas tiveram de recorrer a docentes de Português sem habilitação profissional.
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A formação de novos docentes caiu a pique nos últimos 15 anos. Numa altura em que faltam cerca de três meses para os exames de 9º ano, ainda há alunos sem professor às disciplinas sujeitas a avaliação final. Segundo dados da  Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), entre 2003 e 2007, diplomaram-se 357 professores de Português e 256 de Matemática. De 2018 a 2022, o número de novos professores diminuiu significativamente, com apenas  45 diplomados para a disciplina de Português e 26 para Matemática. 

Apesar de ainda não terem sido divulgados os números referentes a 2023, a tendência de escassez mantém-se. Joaquim Pinto, presidente da Associação de Professores de Matemática (APM), garante que o número de docentes do grupo 500 (Matemática, 3.º ciclo e Ensino Secundário) não é suficiente para garantir as necessidades. “Enquanto professor orientador de estagiários, há quatro anos tive um estagiário e, no total, a Universidade de Aveiro tinha quatro. Há três anos só havia uma estagiária. Há dois anos, foram três. Neste momento, temos dez e, tendencialmente, a Universidade de Aveiro é aquela que tem mais alunos nos cursos de ensino de Matemática. Com a entrada de 1 ou 2 alunos nos cursos, não é possível fazer face às necessidades”, explica.

O grupo 300 (Português, 3.º ciclo e Ensino Secundário) sofre com a mesma carência. “De facto, os números parecem ser, de ano para ano, mais elevados. Em relação ao ano letivo anterior, faltam quase três vezes mais professores de Português para lecionar o 3.º ciclo e o secundário. Na semana antes do início do ano letivo, em 2023/24, faltavam 129 professores de Português nas escolas públicas para dar 2.240 horas semanais - no ano de 2022/23, havia 48 professores por colocar, para um total de 559 horas. Ou seja, o problema agravou-se cerca de 400% em termos de horas semanais e cerca de 250% em termos de número de professores”, alerta João Pedro Aido, vice-presidente da direção da Associação Nacional de Professores de Português (APP).

O responsável admite uma ligeira melhoria desde o início do ano no que se refere à falta de professores da disciplina, mas com recurso a uma solução que considera preocupante. “A situação melhorou, mas a que preço? O grupo 300 continua a ser um dos que tem mais carência de docentes, sendo o terceiro, depois de Informática e Inglês, e cerca de 60% das escolas tiveram de recorrer a docentes sem habilitação profissional”, sublinha.  

João Pedro Aido avança ainda com  a existência de um crescendo de docentes oriundos de outras nacionalidades (brasileiros, angolanos, são-tomenses, entre outros) o que, afirma, “cria um problema específico relativo à característica pluricêntrica da língua portuguesa”. “Estes dois factos, por si só, além de outras consequências que afetam a qualidade do ensino e da aprendizagem, como turmas cada vez maiores e professores com um número crescente de turmas, com recurso a horas extraordinárias, podem pôr em causa a qualidade do sistema educativo, nomeadamente quando as escolas precisam de recorrer a professores menos qualificados. Essa menor qualificação quer dizer que são professores que têm habilitação académica, que não têm formação pedagógica, e que, nalguns casos, têm uma formação científica que não é robusta”, alerta. Segundo o vice-presidente da APP, o “problema acabará por se refletir em resultados de aprendizagem mais baixos e com indicadores mais fracos na qualidade do sucesso”. 

Algo, que, sustenta, já se reflete nos resultados das provas de aferição e dos testes PISA 2022.  João Pedro Aido lembra “como a disciplina de Português é nuclear em todo o processo de aprendizagem, e transversal a todo o currículo”, sendo “crucial para haver boa qualidade das aprendizagens, em particular aquelas que requerem a mobilização de competências de maior complexidade cognitiva”.

Sete vezes menos do que as necessidades

Olhando para o futuro, as perspetivas de melhoria não são animadoras.  Segundo Carlinda Leite - coordenadora do grupo de trabalho nomeado para rever o regime de habilitação profissional para a docência - o levantamento das necessidades de professores em Portugal, até 2030, mostra que a falta de professores é crescente. Em 2023, segundo os dados do grupo de trabalho, havia falta de 854 professores de Português; em 2024, serão 897 professores; em 2025, o número sobe para 1134. Já 2030, registará 2861 professores de Português em falta.   “Estes dados querem dizer que, no caso da disciplina de Português, a situação é mesmo muito preocupante, dado o reduzido número de professores recém-formados nos últimos três anos (cerca de 7 vezes menos do que as necessidades atuais)”, reforça o vice-presidente da APP.

João Pedro Aido alerta também para os problemas acrescidos para os alunos de contextos socioeconómicos menos favoráveis. O responsável explica a existência de uma maior rotatividade de professores nos agrupamentos de escolas em que os alunos têm notas mais baixas nos exames nacionais e têm um estatuto socioeconómico mais desfavorecido, “o que mostra que é particularmente difícil fixar professores em escolas de contextos socioeconómicos menos favoráveis e pode explicar, pelo menos em parte, as grandes assimetrias regionais que os resultados dos alunos revelam e o estudo PISA confirma.”

Matemática também não tem melhores projeções. Os últimos dados da DGEEC fixam a  média anual de professores formados no grupo 500 em 26, contrastando com os 155 docentes/ano necessários.   

Valorização da carreira docente é solução

Os responsáveis da APP e APM não têm dúvidas sobre o caminho a percorrer para fazer face ao agravamento da escassez de professores. Deve passar pela valorização da carreira docente e pela recuperação da autoridade do professor em sala de aula. “A carreira docente tem de ser devidamente valorizada. Os professores têm de ganhar mais autoridade dentro das escolas. Só assim é que iremos atrair mais docentes para a carreira. Esta é a realidade. Temos de dar valor aos professores porque há anos que os jovens não veem o ser professor como uma profissão de futuro”, afirma Joaquim Pinto.

João Pedro Aido relembra que Portugal é o país da UE com a classe docente mais envelhecida, afirmando que tudo deve ser feito para atrair jovens para a docência. “O problema da falta de professores é criticamente preocupante, porque persistente e sem ter uma solução rápida, nem robusta, no curto e no médio prazo”, conclui, pedindo medidas urgentes, de forma a “não prejudicar continuamente” as aprendizagens dos alunos.

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