A exposição repetida a ondas de calor está a acelerar o envelhecimento das pessoas, na mesma medidas em que o fazem o consumo de alcool, uma dieta pobre ou limitada ou o tabaco. Numa altura em que as temperaturas elevadas se estão a tornar cada vez mais comuns graças às alterações climáticas, esta pesquisa torna-se ainda mais relevante, uma vez que dá conta do impacto negativo que estas podem ter na saúde de milhares de milhões de pessoas.Os avisos são feitos pelos cientistas que acompanharam, durante 15 anos, 25 mil pessoas em Taiwan, comparando a sua exposição a ondas de calor com a sua idade biológica. A investigação, dizem os cientistas citados pelo The Guardian, representa uma “mudança de paradigma” na compreensão da extensão e gravidade do impacto do calor na nossa saúde, que pode ser para toda a vida. Já se sabia que as ondas de calor causam picos de curto prazo nas mortes prematuras, com, por exemplo, quase 600 mortes prematuras relacionadas com uma onda de calor em junho, em Inglaterra. Mas a nova análise é uma das primeiras a avaliar o impacto a longo prazo. No mesmo sentido, e tal como o DN escreveu na semana passada, também Portugal tem verificado um aumento de mortes durante o verão, ainda que os especialistas, este ano, afastem uma relação causa/efeito no imediato. No entanto, e como lembrava Luís Cadinha ao DN, “é verdade que o frio potencia vulnerabilidades e que as épocas muitos frias registam mais mortalidade. No entanto, considerando exclusivamente a temperatura, o calor mata mais”. Isto porque, explicava ainda o especialista em Saúde Pública e Presidente da Direção do Colégio da Especialidade de Saúde Pública da Ordem dos Médicos , o corpo humano tem mecanismos fisiológicos adequados para o controlo da sua temperatura corporal. Quando a temperatura ambiente é superior à da pele, o corpo, em vez de perder calor, ganha-o, por irradiação e por condução. Um dos principais mecanismos biológicos que permite ao corpo libertar o calor excessivo é a transpiração. Por isso, quando a temperatura do ambiente é mais elevada do que a temperatura da pele, determinando uma elevação da temperatura corporal interna, nada deve impedir a evaporação adequada. É o caso do sobreagasalhamento.No estudo agora publicado na Nature Climate Change, os investigadores dão conta da descoberta de que, por exemplo, a idade biológica aumentou cerca de nove dias para as pessoas que passaram por mais quatro dias de ondas de calor durante um período de dois anos. Os trabalhadores braçais, que tendem a passar mais tempo ao ar livre, foram significativamente afetados, com o seu aumento da idade biológica a fixar-se nos 33 dias.Embora o aumento da idade biológica possa parecer pequeno, os cientistas salientam que este aconteceu apenas durante um período de dois anos. Agora estão a investigar o impacto das ondas de calor no envelhecimento ao longo da vida das pessoas.A investigação utilizou os resultados de uma série de exames médicos, incluindo pressão arterial, inflamação, colesterol e função pulmonar, hepática e renal, para determinar a idade biológica de cada pessoa no estudo. Os investigadores compararam os dados com a idade real de cada pessoa para ver se a sua exposição a ondas de calor estava relacionada com um envelhecimento mais rápido.Os mesmos cientistas deram ainda conta de que o impacto deste envelhecimento nas populações em todo o mundo seria muito significativo, uma vez que todos estão atualmente expostos as ondas de calor durante períodos mais elevados, de forma mais recorrente. Assim, aumentando a idade biológica de toda a população, aumenta-se também o risco de morte, uma vez que estão correlacionados..Portugal teve os primeiros 15 dias de agosto com a mais elevada mortalidade da última década.“Se a exposição às ondas de calor se acumular durante várias décadas, o impacto na saúde será muito maior do que o que relatámos”, salientou Cui Guo, da Universidade de Hong Kong, que liderou a investigação, àquela publicação britânica. “As ondas de calor também estão a tornar-se mais frequentes e duradouras, e como tal os impactos na saúde podem ser muito maiores [no futuro].”Paul Beggs, da Universidade Macquarie em Sydney, Austrália, que não integra a equipa de ivestigação, lembrou que “muitos de nós já passamos por ondas de calor e sobrevivemos ilesos – ou assim pensávamos. [Esta investigação] mostra agora que a exposição a ondas de calor afeta a velocidade com que envelhecemos”, acrescentando que “em 2024, [os cientistas] descobriram que a exposição ao calor na infância tem um impacto negativo no desenvolvimento da matéria branca do cérebro nas crianças. Juntamente com a nova descoberta de que a exposição a ondas de calor acelera o envelhecimento em adultos, temos uma mudança de paradigma na nossa compreensão da extensão e gravidade do impacto do calor na nossa saúde. O impacto pode ocorrer em qualquer idade e pode ser para toda a vida”, sublinhou.Não é clara a razão pela qual a exposição a temperaturas elevadas, por um tempo prolongado, causa um envelhecimento mais rápido, mas os prejuízos causados ao ADN de cada pessoa poderá ser parte da resposta a esta questão. O estudo mostrou ainda que o efeito nocivo das ondas de calor diminuiu com o tempo, mas continuou a impactar de forma considerável, o que sugere que as pessoas tomaram cada vez mais medidas para se proteger das temperaturas elevadas - como passar mais tempo à sombra e usar ar condicionado sempre que possível.Os 25 000 adultos que integraram o estudo faziam todos parte de um plano de gestão de saúde pago e eram, em média, mais jovens, mais saudáveis e mais instruídos do que a população em geral. As pessoas mais velhas e mais doentes são mais vulneráveis ao calor, pelo que o impacto no envelhecimento é provavelmente maior do que o que foi reportado nesta investigação.De salientar que este estudo levou ainda em consideração o peso dos integrantes na pesquisa, os hábitos tabágicos e a prática de exercício físico, e quaisquer condições pré-existentes, como diabetes e cancro, bem como o uso geral de ar condicionado na sua vizinhança. Mas não estavam disponíveis dados sobre fatores potencialmente relevantes, como o tempo passado ao ar livre, a temperatura das suas habitações e uso individual de ar condicionado, com os investigadores a afirmarem que seria necessária uma investigação mais aprofundada para o fazer.Beggs adiantou, no entanto, que os resultados do estudo foram amplamente consistentes com os de uma outra investigação recente, realizada nos EUA, que demonstrou que o calor ao ar livre acelerava o envelhecimento entre os idosos. Outro estudo realizado naquele país, em 2023, dava conta de que “a alta exposição ao calor extremo estava associada a um declínio cognitivo mais rápido para [pessoas negras] e residentes de bairros pobres”..Evite passeios junto ao mar. Agitação marítima agrava-se e ondas podem chegar aos sete metros