Estudantes deslocados exibem mais sintomas emocionais negativos, ansiedade, depressão e stress, do que os colegas que não estão deslocados e até mais do que a população portuguesa em geral.” Esta é uma das conclusões do estudo realizado pelo Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra, e já publicado na Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social. Mas não só. O mesmo estudo revela ainda que “as estudantes que frequentam universidades fora da sua área de residência apresentam níveis significativamente mais elevados de ansiedade e de stress do que os colegas do sexo masculino nas mesmas circunstâncias”. Por outro lado, os estudantes internacionais ainda “apresentam níveis de ansiedade significativamente mais elevados do que os nacionais”.Conclusões que evidenciam aquilo que já era sentido por quem acompanha estes jovens no terreno. Aliás, e como explica ao DN a investigadora principal do estudo, Ilda Massano Cardoso, “o nosso principal objetivo era termos uma perspetiva empírica das dificuldades com que os estudantes se deparam pelo facto de estarem deslocados da zona das suas residências”. E as razões que aparecem no topo das que levam à manifestação dos chamados “sintomas emocionais negativos” são, precisamente, as dificuldades em encontrar alojamento, as dificuldades financeiras e a adaptação social.Ilda Massano Cardoso confirma que estas “razões já eram visíveis na experiência e contacto direto com os estudantes universitários”. Por isso mesmo, a in- vestigadora espera que “este estudo seja um alerta” - mais do que isso, que “seja um ponto de partida” para que “a situação vivida pelos estudantes deslocados seja considerada um problema, pois só assim poderemos tentar encontrar soluções para o resolver”.Nos resultados obtidos, também fica demonstrado que “dian- te dos desafios emocionais identificados são essenciais intervenções direcionadas para prevenir problemas de saúde mental mais graves entre os universitários deslocados”. Para Ilda Cardoso, “os resultados do estudo são um claro sinal de alerta para a importância de se desenvolverem políticas e estratégias integradas de prevenção e promoção da saúde mental da população estudantil universitária, que incluam o acesso a serviços de saúde e apoio psicológico, redes de apoio social e estratégias de coping adaptativas”.Segundo a investigadora, “estas medidas são fundamentais para ajudar os jovens a lidarem com os desafios emocionais da vida académica e reduzir a sua vulnerabilidade”, lembrando que os próprios docentes e as próprias “associações académicas devem acompanhar com proximidade o trabalho dos Gabinetes de Apoio ao Estudante, por exemplo, promovendo o apoio entre os pares”.O estudo, que tem como mote “as dificuldades emocionais enfrentadas por estudantes que vão estudar para longe de casa”, teve início com a população-alvo de Coimbra, mas depois disseminou-se por todo o país, através das redes sociais. “O estudo foi feito através de uma amostragem snowball (bola de neve), denominada amostragem por redes e foi disseminado um link, ao qual os alunos deslocados tinham acesso e poderiam preencher o inquérito. Começa em Coimbra, mas depois disseminou-se até outros estudantes, amigos destes ou conhecidos a frequentarem o Ensino Superior”. Portanto, “o universo acaba por ser representativo da população estudantil deslocada.”. Contudo, alerta Ilda Cardoso,, “é um estudo de natureza transversal” que “não faz diagnósticos, nem pretende fazer”. “Temos de ter cautela nesta questão. O que identificámos foram resultados que espelham sintomatologia, se quisermos, níveis de parâmetros emocionais dos estudantes que frequentam o Ensino Superior, comparados com outras métricas que foram agregadas.”De entre os estudantes inquiridos, 45,4% relataram dificuldades em encontrar alojamento e 51,5% afirmaram que, embora tivesse sido possível encontrar alojamento, tal não aconteceu na zona desejada, apesar de os estudantes demonstrarem um elevado grau de satisfação com o conforto das habitações, com “75,4% a aprovar o mobiliário e 77,9% satisfeitos com a qualidade da internet.”Estudantes mulheres mais ansiosas que colegas homens Dentro das métricas agregadas, a investigadora destaca a do sexo biológico, homens/mulheres, que permitiu chegar a uma das conclusões que considera ser importante. “Conseguimos identificar que as estudantes mulheres apresentavam valores significativamente mais elevados de ansiedade e stress do que os estudantes homens.” E a explicação pode estar “na maior maturidade das mulheres estudantes, na forma mais consciente com que encaram os problemas, mas também pelas expectativas sociais mais elevadas que têm em comparação com os homens. Tudo isto se traduz, em geral, em mais sintomas emocionais negativos”, afirma Ilda Massano Cardoso. Por exemplo, “as preocupações financeiras, a integração social e o desempenho académico afetam mais as estudantes femininas do que os estudantes masculinos”.Questionada sobre se estes resultados revelam que os estudantes terminam os 12 anos de escolaridade obrigatória e não estão emocionalmente preparados para a nova fase, a investigadora sustenta: “A transição para o Ensino Superior é um marco importante na vida dos jovens, traz novas possibilidades e desafios significativos, especialmente para aqueles que precisam de se deslocar das suas casas”, explica. E esta experiência, se não for devidamente apoiada e acompanhada, “pode desencadear fortes sentimentos de ansiedade e stress devido à adaptação aos novos ambientes, responsabilidades acrescidas e mudanças profundas na rede de apoio social”.Por isto mesmo, reforça, “é fundamental oferecer apoio mais direcionado aos estudantes que estão não só deslocados da sua casa de família, como do seu país de origem”. “É um grupo que enfrenta desafios acrescidos de adaptação e integração cultural e, por isso, devem ter à sua disposição uma rede de apoio mais personalizada”, defende.O estudo explorou também a relação entre idade, anos de escolaridade e sintomas emocionais negativos. Os resultados indicaram que estudantes mais velhos tendem a apresentar níveis ligeiramente mais elevados de depressão, enquanto os anos de escolaridade não mostraram correlação com os níveis de ansiedade, depressão e stress.“Outra coisa importante que identificámos foi que a média de anos de escolaridade era de 13,35 anos, o que nos remete para a ideia de que a maioria dos estudantes participantes (85,3%) estarão a cumprir o primeiro ano da licenciatura, 14,1% estavam em mestrado e apenas 0,6% no doutoramento”. Dos participantes, 17,2% eram estudantes internacionais.Para Ilda Massano Cardoso, o importante é que este estudo possa levar ao entendimento de que as políticas de saúde devem estar, de facto, em todas as áreas da sociedade e que o acesso a essas políticas, por exemplo, através de consultas de saúde mental, deveria ser facilitado”, alertando: “A psicoterapia é paga.”“Se as instituições estiverem mais abertas a estas questões, se tiverem serviços de apoio abertos e se os divulgarem bem, mostrando aos estudantes que a estes devem recorrer sempre que sintam essa necessidade, já é uma forma de intervir na prevenção dos sintomas emocionais que foram identificados.”