Matthew B. Dwyer (esq.) e Sebastian Elbaum frente ao CCB. Foi a primeira vez que visitaram Lisboa, cidade que “adoraram”, como disseram, mas, ao mesmo tempo, deram como um excelente exemplo de um urbanismo que seria um enorme desafio para um v
Matthew B. Dwyer (esq.) e Sebastian Elbaum frente ao CCB. Foi a primeira vez que visitaram Lisboa, cidade que “adoraram”, como disseram, mas, ao mesmo tempo, deram como um excelente exemplo de um urbanismo que seria um enorme desafio para um vCPLevents / RuiElias2024

Estamos a “décadas de ter carros autónomos totalmente seguros”

Professores de informática da Universidade da Virginia criaram modelo para medir objetivamente a preparação da IA automóvel para a condução. Na sua passagem por Lisboa, explicaram ao DN como concluíram que os fabricantes utilizam métodos ineficazes.
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A criação de veículos automóveis verdadeiramente autónomos é “um dos maiores desafios tecnológicos que já existiram”. Quem o afirma é Sebastian Elbaum, professor associado de Ciências Informáticas na Universidade da Virginia, nos Estados Unidos. Elbaum e o professor distinguido daquela instituição Matthew B. Dwyer têm estudado, nos últimos anos, os processos informáticos necessários para criar um veículo autónomo (AV, na sigla inglesa), mais seguro do que o conduzido por um ser humano. O resultado do seu trabalho não é nada reconfortante.

“Criámos um modelo [informático] para tentarmos perceber quando é que é possível saber que já fizemos testes suficientes, quando é que já atingimos o nível de confiança suficiente neste tipo de sistemas dos AV para termos a certeza de como eles se comportarão perante todo o tipo de situações”, começa por explicar ao DN Matthew B. Dwyer, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

O encontro decorreu durante a 46.ª edição da International Conference on Software Engineering (ICSE24), que decorreu em meados deste mês, onde os especialistas apresentaram o seu mais recente trabalho aos seus pares.

O seu último artigo, intitulado S3C: Spatial Semantic Scene Coverage for Autonomous Vehicles e assinado em conjunto com outros dois investigadores, Trey Woodlief e Felipe Toledo, também da Universidade da Virginia, visa (grosso modo) descrever como é possível processar em tempo real os dados captados por uma única câmara a bordo de forma a quantificar, tridimensionalmente, o ambiente visionado e, a partir deste, medir de forma objetiva a informação capturada. Isto para: “Até agora os fabricantes utilizam medidas como quilómetros percorridos, etc., que na realidade não dizem muito, porque se estes tiverem sido feitos, por exemplo, em autoestrada, sem cruzamentos ou peões, o sistema pode até funcionar muito bem, mas assim que saia desse ambiente não sabemos como irá reagir”, diz Matthew B. Dwyer. “Queremos criar um modelo abstrato matemático dos vários objetos no ambiente e as suas interações.”

“Até agora”, complementa Sebastian Elbaum, “não havia nenhuma maneira de determinar de forma objetiva até que ponto o veículo tinha já ‘visto’ o mundo para poder vir a tomar decisões no futuro. Este [nosso] artigo é um passo nesse sentido - dizer ‘espera, ainda não viste a maioria das situações da vida real, ainda só viste as mais comuns.’ E, claro, é com as menos comuns que o carro vai ter dificuldades em lidar.”

Tesla não divulga dados...

Os especialistas não puderam testar o seu modelo com o popular fabricante Tesla, que tem um sistema avançado de cruise control que, por questões de marketing, a marca chama Autopilot (ainda que não seja um verdadeiro sistema de condução autónoma). A organização de Elon Musk “não divulga publicamente os seus dados de teste”, lembra Elbaum.

“Mas há dados disponíveis” de outras marcas automóveis, prossegue o professor de Informática. “E mais de metade tem uma coisa em comum: são cenários simples, de ter um carro à frente, outro à esquerda, outro à direita, ou vindo na direção oposta, esse tipo de combinações.” 

Ou seja, não há dados de situações complexas, os casos de exceção, os cenários que, como qualquer pessoa que conduz bem sabe são os que podem levar a um acidente. Elbaum interroga-se: “Para treinar estes sistemas, quantas situações dessas seriam precisas? Um milhão? Alguns milhares? Ou talvez seja mesmo preciso explorar todas as combinações de todos esses cenários que hoje ainda nem fazem parte dos dados!”

A conclusão é, assim, inevitável: “Vai ainda demorar muito, uma década pelo menos, ou ainda mais, até haver carros autónomos verdadeiramente seguros, que possam misturar-se com os outros”, como diz Matthew B. Dwyer.

AV em ambientes específicos cada vez mais comuns

O que já vemos acontecer - e, naturalmente, é uma tecnologia que irá ficando cada vez mais sofisticada - são as soluções de AV aplicadas em cenários específicos. “Nos Estados Unidos, onde muito do transporte de carga é feita por camião, iremos com certeza ter muitos veículos deste tipo automatizados em breve”, afirma Matthew B. Dwyer. O género de percursos que fazem são dos cenários em que a tecnologia da condução autónoma já está razoavelmente treinada.

“Há também casos muito controlados em que [os AV] já estarão prontos a serem seguros, como os campus universitários”, exemplifica ainda o professor.

Prever o futuro é sempre complicado e, claro, é possível que surja um desenvolvimento inesperado que faça com que este tipo de soluções de mobilidade se tornem mais comuns do que atualmente tudo faz crer. Mas é seguro afirmar que “a transição tecnológica será diferente em diferentes locais - nunca será algo binário: hoje temos uma coisa, amanhã será outra”, nas palavras de Sebastian Elbaum.

Dito de outra forma, a realidade dos veículos AV é inevitável e revolucionará a forma como nos deslocamos. Só que, tal como todas as revoluções que perduram, será silenciosa, progressiva e demorará o tempo que naturalmente precisar até estar pronta.

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