Especialistas dizem que alívio de medidas implica cumprimento de regras individuais
A situação na região de Lisboa e Vale do Tejo está a ficar controlada. No norte também e no Algarve igualmente, à exceção de um ou outro município. E embora a incidência no país ainda seja elevada - ontem era de 427,5 casos por 100 mil habitantes a nível nacional e de 439,3 no continente -, os especialistas admitem que chegou a altura em que se pode aliviar algumas medidas restritivas.
A situação epidemiológica do país volta a estar hoje em discussão em mais uma reunião entre peritos e políticos no Infarmed, depois de dois meses. Raquel Duarte, uma dos especialistas que estarão presentes no encontro, explica ao DN que, "neste momento, temos uma taxa de vacinação que está a permitir que a doença grave e a mortalidade por covid-19 tenham menor impacto, o que quer dizer que podemos começar a ter medidas proporcionais e ajustadas à realidade, mas é fundamental manter-se o processo de vacinação ao mesmo ritmo e as medidas de proteção individual".
O professor Carlos Antunes, que integra a equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que faz a modelação da doença, afirma mesmo que os números atuais "levam-nos a acreditar que a situação está mais ao menos controlada no país. Estamos a assistir ao início da remissão da incidência de uma forma geral no país. Nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do norte já se está numa fase de pico planalto. Ou seja, atingiu-se o pico e agora está a estabilizar-se em termos de transmissão", mas deixa um alerta: "Não podemos ter o melhor de dois mundos, se queremos mais liberdade e mobilidade, temos de aumentar a responsabilidade individual", sob pena de chegarmos ao período de regresso às aulas e à atividade laboral pós-férias e voltarmos a ter mais casos.
Raquel Duarte, que foi convidada pelo governo para elaborar as propostas de desconfinamento juntamente com o matemático Óscar Felgueiras, reforça até que "só as medidas de proteção individual podem permitir que haja uma redução da transmissão, porque enquanto esta existir haverá sempre uma percentagem de pessoas que irão contrair a doença, outras que a irão desenvolver com gravidade, tendo de ser internadas em enfermarias e em cuidados intensivos. Portanto, para cortar as cadeias de transmissão é fundamental que se mantenham as medidas de proteção individual, nomeadamente o uso de máscara, em eventos fechados, e sempre que não seja possível manter a distância física".
A médica, que é igualmente coordenadora da unidade de investigação da ARS Norte, argumenta que tais medidas têm de continuar a fazer parte da nossa rotina durante os próximos tempos para que "possamos ter cada vez mais uma vida que se aproxime da normalidade".
Isto porque "sabemos que não há nenhuma vacina que seja eficaz a 100% e que nenhuma medida contra a covid-19 é eficaz isoladamente. O impacto da doença é menor agora, mas temos de continuar a proteger-nos a nós e aos outros".
Esta é a mensagem que é preciso passar nesta fase, porque "se houver um alívio nas medidas podemos ter o reverso da medalha que é a população ficar com uma perceção menor do risco e acreditar que a pandemia passou. E isso não pode acontecer", sublinha Carlos Antunes.
Do lado do governo, o secretário de Estado adjunto e da Saúde, Lacerda Sales, não descartou ontem o alívio das restrições, mas que tal só será decidido de acordo com os critérios técnicos e científicos.
No domingo, o comentador da SIC Marques Mendes afirmou que os especialistas estavam de acordo quanto ao alívio das restrições horárias no setor da restauração, do comércio e até da cultura, mas Carlos Antunes destaca que "se tal acontecer é preciso percebermos que há um risco adicional, vai haver maior mobilidade e as pessoas podem passar a ter uma perceção de risco inferior, descurando a sua exposição ao contágio permitindo maior número de contactos e menos cumprimento das regras de proteção. E isto vai fazer que, em vez de o número de casos baixar, possa aumentar", destaca o professor da Faculdade de Ciências. "Não digo que seja um aumento significativo, mas é um risco que o país está a dizer que quer correr ao aliviar as medidas de restrição."
De acordo com o epidemiologista, "o impacto dos valores da incidência é inferior ao impacto que já verificámos ao nível de hospitalizações e de letalidade, o que se deve à vacinação, sobretudo dos grupos de maior risco, e isso permite uma outra abordagem da situação com maior tolerância à taxa de incidência", explicando: "O país pode assumir agora uma taxa de incidência superior para o mesmo nível de risco, mas tem de haver um reforço da responsabilidade individual no cumprimento das regras, um reforço na vigilância epidemiológica e na testagem para "não se perder o controlo da situação".
As restrições em termos de horários de atividades económicas e de dever de recolhimento a partir das 23h00 poderão ser retiradas já na próxima quinta-feira na reunião de Conselho de Ministros, mas o que os especialistas vão reforçar na reunião de hoje é que a mensagem tem de ser só uma: manter a vacinação ao mesmo ritmo, cumprimento de regras individuais, em espaços fechados e eventos sociais e familiares.
Destaquedestaque"A mensagem que se deve passar é que conseguimos fazer tudo, mas vamos ter de cumprir as regras caso contrário corremos o risco de fazer asneira".
Até porque, salienta Raquel Duarte, "estamos a viver a época de férias que traz algumas ameaças conhecidas, uma mobilidade grande da nossa população e da população migrante, que regressa ao país para estar com a família, o que acontece habitualmente num ambiente mais descontraído. E já vimos no passado que isto aumenta o risco de poder haver nova sementeira do vírus, o que poder ter eventualmente algum efeito quando chegarmos ao momento de retomarmos as atividades letivas e laborais pós-férias". Portanto, alerta, "se quisermos claramente caminhar para alguma normalidade, não podemos esquecer de todo a necessidade de nos protegermos com máscara e distanciamento".
A médica diz mesmo: "A mensagem que se deve passar é que conseguimos fazer tudo, mas vamos ter de cumprir as regras caso contrário corremos o risco de fazer asneira. Temos de olhar com muita cautela e interesse para o que está acontecer nos outros países e perceber como podemos ajustar a nossa realidade nacional à medida em que se vai fazendo o levantamento de algumas medidas restritivas".
Este tem sido o caminho desde o início da pandemia, não só em Portugal mas um pouco em todo o Mundo. Um caminho de avanços e recuos no tentar voltar à normalidade, mas o importante é que "temos vindo sempre a aprender", salienta Raquel Duarte.
Destaquedestaque1610 casos de covid-19. Este foi o número de infeções registado na segunda-feira. Há ainda a destacar nove mortes e 53 996 casos ativos, menos 201 do que no dia anterior. Eram 919 os internamentos, 198 em cuidados intensivos.
Para o professor Carlos Antunes o alívio de medidas pode trazer de novo um aumento de casos e de internamentos, mas, mais uma vez, "temos de ser rápidos a agir", defendendo que "todos os indicadores da matriz de risco têm de continuar a ser muito bem monitorizados para sabermos se a situação está controlada ou não", sustentando que, nesta altura, "não podemos correr o risco de perder o controlo. A vigilância epidemiológica tem de ser mantida ou reforçada e a população também tem de acomodar o seu comportamento".
As restrições horárias poderão ser levantadas em breve, mas as regras de proteção individual ainda estão longe disso. Como defenderam ao DN os dois especialistas "ainda têm de continuar a fazer parte da nossa rotina durante os próximos tempos". O primeiro-ministro António Costa já afirmou que até ao final do verão poderá haver algum alívio nestas regras básicas, mas os especialistas esperam que a vacinação continue ao mesmo ritmo e até conseguir proteger mais de 70% da população portuguesa.