Em Sever do Vouga, no distrito de Aveiro, uma pequena casa degradada começa a ganhar nova vida, graças a um grupo de estudantes universitários que trocou parte das férias de verão por uma missão solidária.Ao longo de duas semanas, os jovens trabalham incansavelmente para recuperar esta habitação e devolver dignidade a quem ali vive. A iniciativa surge no âmbito do projeto Habitação Solidária VIDA, promovido pela Fundação Mão Amiga, com o apoio do município e da Universidade de Aveiro (UA).Por volta das 08:30, os estudantes, transformados provisoriamente em trolhas, chegam ao local da obra numa carrinha da autarquia. Colocam o equipamento de proteção - capacetes e luvas - e começam a discutir o que fazer. “Podíamos fazer massa, mas não há areia”, atira um dos estudantes.Pouco depois, chega o mestre-de-obras, que traz areia na carrinha, e logo começam os preparativos para fazer a massa de cimento, areia e água que será usada para rejuntar a parede exterior em pedra.Ao todo são seis rapazes e duas raparigas, a maioria do curso de Engenharia Civil da UA, mas também há no grupo alunos de mestrado e licenciatura de Engenharia Química, Turismo, Bioinformática Clínica e Música..Divididos em duas equipas, os estudantes deitam mãos à obra. No exterior, cinco deles preenchem, com a massa acabada de fazer, os espaços entre as pedras na fachada, para isolar melhor a casa do frio, enquanto, no interior, os restantes estão empenhados na instalação do teto falso na cozinha, sob a supervisão do mestre Nuno Simões.Afonso Carreira, aluno do mestrado de Bioinformática Clínica na UA, é um dos voluntários do projeto. Diz que sempre gostou de fazer voluntariado, mas nunca tinha participado numa iniciativa destas. Desta vez, acrescenta, decidiu pôr mãos à obra e seguir o conselho dos pais: “Os meus pais diziam que, para conhecer o que é a vida, devia ir trabalhar para as obras e pronto, aqui estou”, diz com humor.Também Renata Alencar, finalista do curso de Gestão, Planeamento e Turismo da UA, está a viver a sua primeira experiência na reabilitação de edifícios e está a gostar de aprender coisas novas. “Não tinha nada para fazer nestas duas semanas e pensei: porque não arriscar e fazer algo que nunca fiz?”, diz, adiantando que já aprendeu a fazer massa e a construir um teto.Dia todo de trabalho. Ao quarto dia da obra, que irá durar duas semanas, ainda faltava fazer muita coisa, mas o ritmo é intenso, como conta Nuno Simões, o mestre-de-obras que foi contratado para orientar os voluntários.“Começamos cedo de manhã e vamos até às 19:00 ou 20:00. Já tivemos dias em que saímos às 22:00. Nós temos um compromisso que é começar a obra e acabar a obra”, conta.Com experiência em reabilitação no âmbito de projetos solidários, este empreiteiro confessa que o trabalho nem sempre é fácil, porque encontra “pessoas que nunca pegaram numa colher [de pedreiro], nunca puseram a mão na massa”.“Para mim, é um projeto que é desafiador, mas gosto porque conheço malta nova e eles ficam surpreendidos como é que nós em duas semanas - apenas 12 dias de trabalho - conseguimos pegar numa obra em estado lastimável e conseguimos deixar uma obra pronta a habitar para uma família que necessite”, diz.Hugo Rodrigues, professor do departamento de Engenharia Civil da UA, com quem a Fundação celebrou um protocolo para a reabilitação da habitação degradada, diz que esta “é uma oportunidade de aprender na prática, desenvolver competências pessoais e de fazer a diferença através de um ato solidário”.O docente explica que foi relativamente fácil arranjar os voluntários, a quem não era pedida experiência prévia, só vontade de ajudar. “Quando lançámos a iniciativa, muitas pessoas já tinha planos para as férias mas a resposta foi muito positiva e conseguimos arranjar os voluntários necessários para fazer esta ação”, diz.Desde 2009, a Fundação Mão Amiga já reabilitou 41 casas degradadas em Sever do Vouga, ajudando a mudar a vida de outras tantas famílias carenciadas. “Não é só reabilitar a casa. É preciso reabilitar também as famílias. O acompanhamento pós obra é extraordinariamente importante, com o apoio psicológico, social, médico”, explica a presidente da Fundação, Edite Matos.A casa que está agora a ser reabilitada, no lugar de Sanfins, pertence a um homem de 51 anos que vive sozinho e que dificilmente teria possibilidade de reunir meios e dinheiro para fazer as obras necessárias. “A casa estava a cair. Não tinha casa de banho. Era uma lata despejada para um canto de terra. Portanto, fica sem dúvida com melhores condições de vida”, diz Edite Matos.O presidente da Câmara de Sever do Vouga, Pedro Lobo, realça a importância desta iniciativa, adiantando que o objetivo é replicar este exemplo no concelho.“Infelizmente, há ainda pessoas que vivem ainda em condições muito difíceis, muitas delas até sem casa de banho, e o objetivo desta primeira experiencia é replicar um pouco por todo o concelho melhorando a qualidade de vida dos severenses”, disse o autarca, numa visita à obra.Ao longo das duas semanas, os jovens estudantes trabalham de segunda-feira a sábado para terminar a obra. O domingo é dia de descanso e inclui atividades de ‘team-building’ na natureza. O programa termina com um arraial solidário. Os voluntários têm alojamento garantido pela autarquia, alimentação, seguro, transporte, ferramentas e equipamento de proteção individual..Solidariedade: voluntários limpam os destroços da demolição de casas no Talude.Universitários têm os olhos postos na Europa. Portugal não paga os sonhos que têm para o futuro