Aos três anos Susete Ornelas perdeu a capacidade de ouvir na sequência de uma meningite. A docente, de 38 anos, enfrentou muitos obstáculos no seu percurso escolar e apesar de sentir que os adultos achavam que não iria conseguir ingressar no Ensino Superior não baixou os braços e trilhou o seu caminho. Foi apenas na faculdade que teve a ajuda de intérpretes, essenciais para terminar a licenciatura em Língua Gestual Portuguesa (LGP). Finalizado o curso, começou a dar formações de LGP e, pouco depois, foi chamada para uma entrevista numa escola. “Naquela altura, parecia quase impossível ser escolhida, pois era muito difícil conseguir colocação. Mas nunca desisti. No ano seguinte, entrei através do concurso e consegui finalmente concretizar o meu sonho de infância: ser professora, transformar vidas e mostrar que a LGP é, acima de tudo, uma ponte para a inclusão”, conta ao DN. Começava assim a sua carreira no ensino, mas com lacunas identificadas. Por isso, Susete Ornelas procurou fazer mais e melhor e voltou a estudar, tendo concluído três mestrados. “Sempre senti que, para ser uma professora capaz de apoiar verdadeiramente os meus alunos, precisava de estar bem preparada e compreender as suas necessidades a fundo. Os meus três mestrados, na Escola Superior de Educação, do Instituto Politécnico de Coimbra, nasceram de situações concretas que vivi e que me fizeram querer aprender mais”, explica. E não foi apenas a vontade de ajudar alunos surdos que a motivou. A docente tirou um mestrado em Educação Especial “porque queria compreender melhor não só a surdez, mas também outras condições, como o autismo ou a paralisia cerebral”.As más experiências enquanto aluna, a partir do ensino secundário, foram o mote para querer fazer diferente. “Muitos professores não se esforçavam para comunicar comigo, e isso causava-me ansiedade e frustração. Foi então que percebi o que realmente era uma barreira - não conseguir ser incluída por falta de acesso à comunicação”, recorda. Dos episódios mais marcantes do seu percurso destaca “uma professora, em particular”, que lhe dizia que “não iria conseguir passar para o ensino superior”. As palavras foram ignoradas e Susete Ornelas manteve “o foco e o objetivo”. “Gostaria que a LGP fosse tão natural quanto aprender outra língua estrangeira”Quando Susete Ornelas foi colocada no Agrupamento de Escolas da Quinta de Marrocos (Lisboa), a disciplina de Língua Gestual Portuguesa (LGP) já existia como Oferta Complementar, do 1.º ao 3.º ciclo, e antes era uma Atividade de Enriquecimento Curricular (AEC). Algo ainda distante da realidade de hoje que a docente conseguiu alterar, dedicando-se a “trabalhar em parceria com colegas, direção e comunidade educativa para aumentar a sensibilização e promover a inclusão e valorização da diversidade”. A professora acabou por conseguir tornar a disciplina de LGP obrigatória para todos os alunos do agrupamento, uma medida com impacto “muito positivo tanto nos alunos como em toda a comunidade escolar”. “O agrupamento é uma referência para a educação de alunos surdos, oferecendo um ambiente inclusivo e acessível. Além disso, a LGP facilita a comunicação entre os colegas surdos dentro da escola, promovendo a integração e o sentido de comunidade”, sublinha. Mas Susete Ornelas ainda quer mais e sonha com a obrigatoriedade em todas as escolas “para que os alunos possam aprender a comunicar com a comunidade surda, não apenas dentro da escola, mas também em várias situações do dia a dia”. Para transformar o sonho em realidade, a docente entende ser necessária vontade política e lamenta o progresso “lento” nesta matéria. “Infelizmente, alguns partidos não aprovaram propostas para que a LGP esteja presente em todas as escolas. A lei diz que as escolas são autónomas e podem criar as suas próprias propostas para tornar a LGP uma disciplina obrigatória, passo a passo. É fundamental que todas as escolas criem propostas para incluir a LGP no seu currículo, promovendo assim uma educação mais inclusiva e acessível para todos”, refere.Susete Ornelas gostaria que “a LGP fosse tão natural quanto aprender outra língua estrangeira”, pois seria “uma forma de unir comunidades e abrir horizontes”. “Assim, estaríamos a construir uma sociedade mais justa e igualitária, onde a diferença é valorizada e celebrada”, conclui.O ensino de LGP pode ainda não ser transversal a todas as escolas, mas no Agrupamento de Escolas da Quinta de Marrocos, crianças ouvintes e não ouvintes não têm barreiras. Susete Ornelas tem conseguido provar à comunidade educativa que a surdez não limita alunos ou professores, mostrando que “tudo é possível quando acreditamos”.