Luís Ribeiro, diagnosticado com esclerose múltipla depois de dez anos a apresentar sintomas, e o filho Salvador.
Luís Ribeiro, diagnosticado com esclerose múltipla depois de dez anos a apresentar sintomas, e o filho Salvador.DR

Esclerose múltipla. A "doença invisível" que "corta sonhos" aos jovens e leva anos para ser diagnosticada

No Dia Mundial da EM, estudo revela novos dados sobre patologia, que afeta principalmente jovens. Portugal tem cerca de oito mil doentes, num cenário que pede mais integração entre equipas de saúde.
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Foi no final da adolescência que a vida de Luís Ribeiro começou a mudar. Por volta dos 18 anos, começou a "sentir algumas coisas" sem justificação, conta ao DN. Dores sem causa aparente, sintomas de uma depressão inexplicável e uma neurite ótica que surgia com frequência, uma espécie de inflamação no nervo ocular que o oftalmologista sempre dizia "é só uma ferida", relembra o jovem, hoje com 31 anos. Ao todo, Luís passou uma década a conviver com sinais variados, até obter um diagnóstico: esclerose múltipla (EM).

Esta doença autoimune, degenerativa e progressiva é considerada "a doença invisível", explica ao DN a farmacêutica Magda Fonseca, investigadora na área da Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Esta invisibilidade se dá pelo facto de que o diagnóstico de esclerose múltipla ainda é difícil de ser feito e os doentes, assim como Luís Ribeiro, levam anos a sofrer com dores e outros problemas.

Em Portugal, um doente leva uma média de três anos até ao diagnóstico e quase dois a mais até iniciar o tratamento farmacológico. Os dados são revelados nesta sexta-feira, 30 de maio, data que assinala o Dia Mundial da EM, e fazem parte do estudo “Impacto dos Sintomas da Esclerose Múltipla”, apresentado pela Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM) no âmbito do colóquio “Impactos Diários: Viver com os Sintomas da Esclerose Múltipla”, realizado na sala cultura do El Corte Inglés Lisboa.

Promovido pela Plataforma Europeia de Esclerose Múltipla (EMSP) em 22 países europeus, o estudo recolheu respostas de mais de 17 mil pessoas, 785 das quais em Portugal. "É pioneiro. Há estudos que avaliam os sintomas e sua prevalência, mas havia lacunas no sentido de perceber como é que a gestão dos sintomas de esclerose múltipla era feita. Permitiu, portanto, avaliar o impacto da doença na qualidade de vida diária e a forma como os europeus a geriam, de modo a conseguirem ter uma boa qualidade de vida, o melhor possível no seu dia-a-dia", afirma Magda Fonseca, que foi a responsável pela análise dos dados nacionais.

Magda Fonseca, investigadora na área da Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Magda Fonseca, investigadora na área da Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.DR

Perfil do doente

Fadiga, problemas sensoriais, dores, distúrbios do sono e o défice cognitivo são os sintomas mais comuns entre os doentes portugueses, que serão cerca de oito mil, e que também sofrem as alterações motoras e os problemas no equilíbrio, dois dos sinais mais debilitantes da patologia.

As mulheres relatam mais fadiga e dor, enquanto os homens enfrentam mais dificuldades de mobilidade. Os doentes entre os 18 e os 35 anos são os que manifestam menos sintomas, exceto a ansiedade, em oposição ao que acontece na faixa etária dos 51 aos 65 anos, na qual os sintomas tornam-se mais intensos, menos a ansiedade.

Os inquiridos reportaram que conseguem gerir melhor os tremores, a incapacidade motora e os problemas com as mãos e braços, mas relatam insatisfação na forma como lidam com a disfunção sexual, a fadiga e o défice cognitivo.

Devido à sua condição, 1 em cada 5 participantes do estudo não está a trabalhar. Além disso, 7% dos inquiridos desconhecem que tipo de EM têm.

Sobre tratamentos, 19% dos doentes não recebem qualquer cuidado de saúde, seja por não acharem necessário, por incapacidade financeira para a sua aquisição ou pela ausência de prescrição médica.

Para Magda Fonseca, o que fica deste cenário "é realmente a necessidade de haver diagnósticos cada vez mais precoces, um acesso mais equitativo, também mais precoce e mais inclusivo, a cuidados de saúde e sociais, haver também uma melhor coordenação entre os profissionais de saúde entre si, mas também com os próprios profissionais da área social, porque andam muitas vezes de mãos dadas".

Registo único e medicação atempada

Neste Dia Mundial da Esclerose Múltipla, a SPEM comemora 40 anos de atividade. Segundo Paulo Gonçalves, vice-presidente da associação, o Registo de Saúde Eletrónico (RSE), que está em fase de operacionalização pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, será fundamental para a integração dos cuidados aos doentes.

"Por que é que demoramos anos para ter um diagnóstico? Porque quando nós nos vamos queixar, normalmente aos médicos de família, aos médicos dos cuidados primários, muitas destas pessoas dizem 'olha, eu tenho dores, tenho falta de equilíbrio'. E a seguir é marcada uma consulta de otorrinolaringologia, porque deve ser dos cristais nos ouvidos. Se nós conseguirmos colecionar as várias doenças escritas no registo, aquele médico, seja de medicina geral familiar, seja um especialista, ele diz, 'bom, com estes vários sintomas, se calhar nós precisamos de falar com a Neurologia', é isto", afirma Paulo Gonçalves.

Paulo Gonçalves, vice-presidente da SPEM.
Paulo Gonçalves, vice-presidente da SPEM.DR

A necessidade impoe-se, ainda, pelo facto de a EM ser uma doença que afeta principalmente os jovens. "A idade média de aparecimento dos sintomas é aos 31 anos e tivemos respondentes ao inquérito a partir dos 18 anos. É preciso que as autoridades de saúde, a meu ver, olhem para a esclerose múltipla como uma doença dos jovens e os jovens são, digamos, a força motriz da mudança da sociedade. São as pessoas que vão contribuir para o aumento do nosso produto interno bruto, são eles que têm a força para trabalhar, para produzir, para promover a sustentabilidade do país", diz a investigadora Magda Fonseca.

Também para o representante de SPEM, o acesso atempado à medicação será, inclusive, uma forma de cortar gastos no SNS. "Embora pareça, a curto prazo, que vão gastar mais dinheiro, a médio e longo prazo vão gastar menos porque estas pessoas, primeiro, não vão ser internadas e, segundo, não vão se reformar", explica Paulo Gonçalves. "Nós não podemos cortar as pernas e os sonhos delas. Uma pessoa com 28, 30, 40 anos está no pico da sua capacidade produtiva. Se tivermos uma atitude completamente diferente, estamos a contribuir para que esta pessoa continue a ser feliz, a sua família à volta esteja mais feliz, o hospital tenha um reconhecimento pelo serviço que está a prestar a estas famílias e o país tenha um melhor resultado", completa.

Luís Ribeiro deixa o seu próprio exemplo. Quando obteve o diagnóstico, quase cinco anos atrás, estava prestes a ser pai. Salvador nasceu em meio ao turbilhão de emoções e dificuldades que a esclerose múltipla trouxe para a sua família. "Mas o nome dele não é por acaso, ele salvou-me. É por ele que me levanto. Fico muitos dias em baixo, a rotina é incerta, mas lido com tudo por ele e meus dois pilares, a minha namorada e a minha mãe", conta.

Atualmente a utilizar uma medicação nova e mais adequada, Luís ainda está a enfrentar a adaptação ao fármaco, mas continua a trabalhar, como operador de supermercado, e a executar as suas tarefas diárias. A mais recente atividade é uma pequena reforma em casa. Está a preparar o quarto para a Esperança, segunda filha, que vai chegar em breve. "Um Salvador e uma Esperança para quem tem esta doença, estou feliz e assim vamos continuar", afirma este jovem a quem a EM não deve conseguir parar.

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