Epidemiologista diz que falar do fim da pandemia "é bastante exagerado"
O epidemiologista Henrique Barros considerou esta quarta-feira que falar do fim da pandemia "é bastante exagerado", alertando que pensar-se que a infeção se pode espalhar facilmente sem ter consequências, pode ser "um erro" e uma decisão que se pagará gravemente.
No final da sua intervenção na reunião de peritos com políticos no Infarmed, em Lisboa, com o título "O fim da pandemia? Certezas e Incertezas", o investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto citou uma frase do escritor norte-americano Mark Twain numa altura em que a Organização Mundial da Saúde afirmou que se acabarem as desigualdades no combate à pandemia e que 2022 poderá ser o ano em que ela terminará.
"Permitam-me usar aqui esta frase que poderá não ser totalmente verdadeira, mas é muito bem achada de Mark Twain e dizer que o anúncio do fim da pandemia infelizmente é capaz de ser bastante exagerado", declarou Henrique Barros.
Na sua opinião, não vale a pena, neste momento, continuar-se com "os cenários de erradicação iniciais" como aconteceu com os vírus SARS-Cov e MERS-Cov.
"A eliminação foi um esforço que não se justificou totalmente porque não se conseguiu sequer garanti-la em alguns países como se imaginou e, de facto, o essencial é garantir que controlamos, que antecipamos e respondemos e estamos preparados para responder e que isso é possível", defendeu.
Henrique Barros frisou que ainda persistem incertezas, enfatizando que a variante Ómicron ainda é "demasiado recente" e não se sabe qual é o risco em não vacinados ou em pessoas em que a vacina não induziu resposta imunitária, alertando ainda para a "long covid".
Contudo, frisou, "há uma clara dissociação do número de casos e da sua gravidade", esperando que isso signifique que "as variantes menos patogénicas também induzem menos doença a médio e longo prazo".
"Mas também não sabemos isso e, portanto, imaginar que podemos deixar que a infeção se espalhe facilmente e que isso não tem consequências pode ser um erro e uma decisão que pagaremos gravemente", alertou, defendendo uma estratégia "mais eficiente" de isolamento que permita que não pressionar os cuidados de saúde e garantir "um impacto minimizado" na vida social, económica e particularmente, nas escolas.
Numa escola não é necessário "colocar tanta gente em casa", defendeu, sustentado que é preciso saber jogar com a vacina, que protege, e com os testes que permite identificar as circunstâncias.
"E finalmente não sabemos ainda bem o que vai acontecer com a resposta à vacinação das crianças" e o que "pode ser ou não um novo esquema vacinal", com as três doses e depois de uma quarta dose de reforço ou, por exemplo, todos os anos.
Destacou que "há uma incerteza que é uma enorme esperança" que são as novas vacinas que seguramente irão aparecer mais adaptadas à modificação do vírus e tecnicamente serão mais eficazes.
"Com a vacinação e com uma estratégia de testes nós podemos viver e viver de uma forma muito próxima da normalidade", defendeu o especialista na reunião que hoje de manhã que juntou peritos, políticos e o Presidente da República, para debater a situação epidemiológica, na véspera do Conselho de Ministros.
Considerou também não haver razão nenhuma para se continuar a raciocinar em termos do número de casos e "muito menos" a medir a evolução da infeção e os riscos que ela coloca, contando diariamente os casos como se tem feito até agora.
"É inequívoco que a vacina mudou a resposta à infeção e mudou a nossa vida", mas também é verdade que "há uma imensa reflexão e investigação para identificar medicamentos úteis para responder àqueles casos que as vacinas não preveniu", rematou.
Peritos que aconselham o Governo sobre a pandemia de covid-19 propõem que 70% de internamentos em cuidados intensivos e índice de transmissibilidade (Rt) acima de 1 sejam critérios para agravar medidas de contenção e insistem na responsabilização da população.
Segundo recomendações apresentadas na reunião de avaliação da pandemia realizada no Infarmed, é proposta uma linha vermelha nos 70% de camas ocupadas em unidades de cuidados intensivos e um Rt acima de 1, contabilizando uma média a cinco dias, para, por exemplo, voltar ao teletrabalho quando possível, reduzir as lotações em espaços laborais, públicos e em convívios familiares, usar o certificado e os testes para acesso a espaços públicos e proibir o consumo de bebidas alcoólicas na via pública.
Os peritos propõem igualmente uma aposta na autoavaliação de risco, responsabilizando mais a população, e nos autotestes, defendendo que estes devem ser gratuitos.
As recomendações, apresentadas por Raquel Duarte, da ARS Norte, Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, indicam que, se a linha vermelha for atingida, os restaurantes voltarão a ter um limite de seis pessoas por mesa no interior e a ter de privilegiar os espaços exteriores, os espetáculos em espaço delimitado voltam a ter uma lotação de 75%, assim como os centros comerciais.
Neste caso, os peritos sugerem igualmente que o convívio familiar se restrinja a grupos inferiores a 10 pessoas, com uso de máscara fora do período da refeição e testagem prévia, e nas celebrações (casamentos, batizados) deve evitar-se grupos com mais de 100 pessoas, com autoavaliação de risco e testagem.
Na proposta apresentada, os peritos apontam as ameaças e os fatores protetores da população e defendem que, mantendo-se a atual situação epidemiológica, devem manter-se as recomendações de vacinação, controlo de fronteiras, qualidade do ar interior e atenção às populações mais vulneráveis.
Defendem também a responsabilização da população para fazer a autoavaliação de risco e autotestes, recomendando que seja assegurado o fácil acesso aos métodos de diagnóstico perante uma suspeita e sugerem mesmo a promoção de testes rápidos no momento da consulta médica.
Os especialistas querem ainda que seja incentivada a realização participada de inquérito epidemiológico (via digital) com o utente, em caso de resultado positivo no teste, identificar os contactos de risco, e propõem a redução da carga da plataforma Trace Covid (sistema de vigilância de contactos) na atividade dos médicos de Medicina Geral e Familiar, para que se dediquem aos doentes de maior risco que estão em isolamento e aos não covid-19.
Defendem igualmente que deve ser garantida a "existência de planos de contingência que ofereçam aos serviços de saúde a flexibilidade para se adaptarem devidamente, e em tempo útil, a necessidades emergentes (como a do aumento da capacidade das Unidades de Cuidados Intensivos)".
No âmbito da comunicação, sugerem uma estratégia clara que envolva e esclareça a população sobre o possível efeito a curto e médio prazo no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e na mortalidade decorrentes da incidência elevada, mesmo numa população protegida pela vacinação e perante uma variante que causa doença menos grave.
Na estratégia de comunicação, os peritos insistem igualmente na necessidade de apostar no reforço da vacinação e na vacinação das crianças dos 5 aos 11 anos, de combinar medidas protetoras (testes, vacina, distanciamento físico, ventilação, máscara e desinfeção de mãos) e de usar a máscara corretamente, preferindo as cirúrgicas ou as FFP2, em vez das de tecido, "com menor capacidade protetora".
Face à situação epidemiológica atual, os peritos recomendam a manutenção de medidas gerais transversais, como o cumprimento da proibição de bebidas alcoólicas na via pública, o uso de certificado digital e teste por rotina nos espaços públicos, a aceleração da vacinação, a autoavaliação de risco e testagem prévia nos convívios familiares.
"Nesta proposta, continuamos a apostar na saúde a par do bem-estar económico, social e psicológico; na preservação do quotidiano balanceada com a responsabilização de cidadãos e instituições", afirmou Raquel Duarte.
A maior parte das pessoas que ainda estão por vacinar contra a covid-19 são crianças e jovens entre os 5 e os 20 anos, avançou hoje o coordenador do plano de vacinação, Carlos Penha-Gonçalves.
Fazendo um ponto da situação da vacinação contra a covid-19 na reunião de avaliação da pandemia realizada na sede do Infarmed, em Lisboa, Carlos Penha-Gonçalves, coronel do exército, adiantou que, neste momento, há 90% da população com a vacinação iniciada e 88% com a vacinação completa.
Há uma fração da população que ainda está à espera da segunda dose porque não é elegível, sendo na maior parte crianças que foram vacinadas no dia 18 e 19 de dezembro, explicou o representante do Núcleo de Coordenação do Plano de Vacinação contra a covid-19, na reunião que hoje de manhã juntou peritos, políticos e o Presidente da República.
"No que diz respeito ao perfil etário da vacinação primária (...) estamos com altas taxas de vacinação até à faixa etária dos 20 anos e a partir daí para baixo estamos agora a vacinar as crianças entre os 11 e os 5 anos que vão ajudar a melhorar a vacinação e a proteção destas nestas faixas etárias mais baixas".
Relativamente à administração da dose de reforço, iniciada em 11 de outubro de 2021, o responsável adiantou que 85% da população acima dos 80 anos já está vacinada, 83% na faixa dos 70 e 79% acima dos 65 anos.
"Estamos agora a progredir nas faixas dos 60 aos 64 anos e na faixa dos 50 anos", referiu.
O plano, adiantou, é administrar doses de reforço nos próximos dois meses e meio, entre janeiro e meados de março, nas faixas etárias dos 50 anos para baixo, admitindo que poderá avançar já em março a vacinação dos jovens.
Citando os dados mais recentes, o coordenador do plano de vacinação afirmou que, na terça-feira, cerca de 2,4 milhões de portugueses tinham sido inoculados com a vacina da gripe e um pouco acima de três milhões com a vacina de reforço contra a covid-19.
Dos três milhões de pessoas que receberam a dose de reforço, cerca de um milhão tomaram simultaneamente a vacina contra da gripe.
"Portanto, em termos genéricos e do país estamos com 83% de pessoas vacinadas acima dos 65 anos e cerca de 62% acima dos 60 anos", disse, ressalvando que estão a ser utilizados como referencial de cálculo de população os números provisórios do Censos2021 "que alteram um bocadinho estas percentagens, mas parecem ser os mais realistas e mais fidedignos neste momento".
Fazendo um resumo do processo de vacinação, referiu que "a vacinação da gripe foi inicialmente priorizada, mas estabilizou a partir do mês de dezembro, enquanto a vacinação da covid-19 tem progredido com algumas flutuações que tem a ver com a vacinação das crianças que param um pouco a vacinação de reforço".
Neste momento, 81% das pessoas com mais de 80 anos estão vacinadas contra a gripe, enquanto na faixa dos 70 anos são 76% e na faixa dos 65 anos, 66%.
"Mais recentemente começámos a vacinar as pessoas entre os 60 e 64 anos", disse, salientando que, de um modo geral, se podem dizer que, acima dos 65 anos, três quartos da população está vacinada contra a gripe e cerca de dois terços dos maiores de 60 anos, tendo alguma desta vacinação sido feita em farmácias.
Penha Gonçalves destacou ainda que a relação entre o número de casos e as mortes começou a mostrar "uma dissociação" - em julho de 2021, com a variante Delta - que é ainda mais evidente na última onda pandémica. "Há uma tendência que nos mostra que nas populações mais idosas a vacinação protege da mortalidade, o que justifica a nossa escolha de ter vacinado por faixa etária", argumentou.
A perceção de risco de contrair covid-19 aumentou no período das festas de Natal, mas houve uma progressiva redução do uso de máscara em espaços interiores, mesmo em grupo, segundo os peritos que aconselham o Governo na pandemia.
De acordo com os dados divulgados na reunião de avaliação da pandemia realizada esta quarta-feira no Infarmed, e que se basearam em questionários 'online' elaborados a cada 15 dias, na última quinzena a frequência da testagem ganhou relevância.
Os números, apresentados por Andreia Leite, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-NOVA), indicam que a percentagem de pessoas que reconheciam nunca ter feito um teste baixou de quase 50% na quinzena 11-24 de dezembro para menos de 30% entre 25 de dezembro e 03 de janeiro.
O motivo mais apontado para a frequência da testagem foi a proteção de família e amigos, segundo os dados da ENSP, que indicam ainda que foi no grupo dos maiores de 65 anos que se verificou um menor recurso à testagem.
Durante a apresentação que fez, Andreia Leite deu igualmente conta de relatos de dificuldades em realizar testes (40% dos participantes no questionário), sobretudo por não ter encontrado testes disponíveis para comprar (autotestes) ou não ter conseguido agendar teste, com uma maior frequência destas respostas entre 25 de dezembro e 03 de janeiro.
Ainda no que refere à testagem, os dados apresentados indicam que 67% das pessoas com rendimentos inferiores a 650 euros reportam menor recurso à testagem.
Quanto à perceção de risco, aumentou nas últimas quinzenas, mas ainda assim ficou abaixo do nível atingido em épocas festivas passadas, com 64% dos que responderam a considerarem ter um risco moderado ou elevado de serem infetados com covid-19 (72% na época festiva passada).
"A vacinação, os dados sobre severidade e a própria familiaridade com a situação pandémica explicarão este menor alarme em relação a períodos com menos casos", afirmou a especialista.
Andreia Leite destacou igualmente a intenção manifestada de adotar cuidados especiais nesta época festiva, com 96% de respostas neste sentido entre 11 de dezembro e 03 de janeiro.
Quanto ao tipo de medidas a adotar nesta época festiva, os portugueses apontaram a testagem prévia aos encontros familiares (7,1%), o arejamento dos espaços (mais de 50%), a limitação de pessoas reunidas e a garantia de que todas tinham esquema vacinal atualizado.
Andreia Leite reconheceu "limitações nestes dados", mas sublinhou que tem havido uma evolução da perceção de risco, o que é "coerente com o agravamento da situação epidemiológica".
A especialista salientou igualmente a necessidade de as autoridades disponibilizarem mensagens consistentes, em particular no que se refere aos comportamentos a seguir em caso teste positivo, "sobretudo num contexto de mudança nas normas e de dificuldade de resposta atempada dos serviços".
No que se refere ao uso da máscara (sempre) em espaços fechados, os dados da ENSP indicam que, após um período de redução generalizada na adesão a medidas de proteção, houve "alguma recuperação, com nova quebra na última quinzena".
No caso da utilização de máscara em espaços fechados, "verificou-se uma recuperação para níveis semelhantes aos do final do verão, mas na última quinzena atestou-se novamente uma redução".
Registou-se também uma quebra na utilização de máscara em contexto de socialização, com cerca de um quarto dos participantes a reportar usar sempre máscara quando esteve próximo de pessoas não pertencentes ao agregado familiar (27,5%) e em convívios de grupo (25,2%), dados que, segundo ENSP, refletem os convívios familiares do período de festas.