Enxaqueca: a dor de cabeça incapacitante que tende a ser desvalorizada

Sintomas desta doença neurológica são muitas vezes desvalorizados mas as consequências podem demorar horas - ou mesmo dias - até desaparecerem. Estudo da MiGRA Portugal revela que há dificuldades no acesso aos cuidados de saúde e que a maioria dos pacientes têm de recorrer ao privado. A pagar.

A enxaqueca é muito mais do que apenas uma dor de cabeça (forte). É uma doença neurológica incapacitante. As pessoas quando estão a atravessar uma crise de enxaqueca não só podem ficar incapacitadas por horas ou semanas, como enfrentam grandes dificuldades. Desde logo o grande desconhecimento e desinformação por parte da sociedade e, também importante, a dificuldade de acesso a um médico especializado e à compra dos medicamentes adequados.

Um estudo levado a cabo pela MiGRA Portugal mostra um cenário negro no que concerne à enxaqueca. 73% dos inquiridos sofrem de enxaqueca ou outras cefaleias, sendo que para mais da maioria (79%) esta ocorre em mais de 4 dias por mês. Na análise dos dados verifica-se a dificuldade no acesso aos cuidados de saúde. A prova é que 39% dos inquiridos não tem acompanhamento médico e 54% tem, mas no sistema privado. Os dados indicam que a dificuldade verificada no acesso a consultas especializadas em cefaleias no SNS acaba por levar muitas pessoas a procurarem ajuda junto das instituições privadas.

"Infelizmente a enxaqueca ainda é visto como mais uma dor de cabeça, talvez um pouco mais intensa", afirma Bruna Santos, responsável da MiGRA Portugal, que acrescenta que, muitas vezes, as pessoas também confundem os próprios tipos de cefaleias. Na verdade, a enxaqueca, como explica Bruno Santos, é uma doença neurológica que tem associada à dor de cabeça muitos outros sintomas, que incapacitam muito a pessoa. Um exemplo claro é a sensibilidade à luz, ao ruído, os vómitos, as náuseas, a pessoa pode mesmo ter alguma dificuldade de articulação do discurso ou dificuldade motora. "Estes são apenas alguns dos sintomas que, por vezes, não associamos a uma enxaqueca", reflete a responsável pela MiGRA Portugal. Com um consequente impacto a nível pessoa, do trabalho e até social.

Na verdade, quem sofre de enxaquecas tem de lidar com o desconhecimento geral do que é efetivamente a doença e os seus sintomas. O que faz com que, por vezes, a própria pessoa que padece dessa doença acabe por a desvalorizar e, com isso, não passar todo o cenário ao seu médico. Tudo isto faz com que antes de o doente conseguir efetivamente ser consultado por médicos da especialidade seja visto por vários outros médicos. Ou de durante muito tempo não ter um diagnóstico certo. Joana Ferreira, por exemplo, sofre de enxaquecas desde os seis anos de idade, mas só aos 24 começou a ser tratada por um neurologista. Quando tem uma crise tem dificuldade até em tarefas básicas como conduzir ou fazer algo em casa.

"Como o diagnóstico é muito baseado na história clínica da pessoa - não existem propriamente exames específicos para detetar que uma pessoa tem enxaqueca - esse diagnóstico está muito dependente da forma como a pessoa explica os seus sintomas e da forma que eles são entendidos do outro lado", aponta Bruna Santos, que acrescenta que, por vezes, os próprios médicos desvalorizam alguns dos sintomas e não fazem "esta associação". No entanto a responsável pela MiGRA Portugal também reconhece que "felizmente cada vez mais isto está a ser combatido e há muita mais formação nesta área, disponível para os profissionais de saúde". No caso da Joana o problema não foi tanto o desconhecimento - a mãe sofria do mesmo mal e por isso já havia uma desconfiança de que - mas sim o facto de durante anos não ter tido médico de família. E isto faz toda a diferença, porque como refere, o diagnóstico precoce da doença aumenta a eficácia do tratamento. A verdade é que, a partir do momento em que foi acompanhada por uma especialista sentiu uma melhoria imediata. tanto que o seu principal conselho é mesmo esse: contactar um neurologista.

Para além da incapacidade associada à enxaqueca há o problema de não haver uma cura. A única coisa que se pode fazer é tentar minimizar os sintomas, preferencialmente mal estes começam a dar sinal de vida. "É uma doença sem cura, mas sem tratamento", refere Bruna Santos, que esclarece que a dificuldade passa por encontrar o tratamento eficaz, das várias opções disponíveis.

Uma doença com impacto direto na "carteira" dos doentes

Se a doença em si é dolorosa, aos inconvenientes existentes há que contar, ainda, com o "rombo" que causa na carteira. 70% dos inquiridos que têm acompanhamento médico têm-no no sistema privado. "São as próprias pessoas que suportam os custos dos tratamentos", refere Bruna Santos que acrescenta que há muitas pessoas que, pelo desespero, apesar do enorme impacto financeiro no seu orçamento familiar "continuam a procurar os tratamentos e o acompanhamento médico no privado".

E as pessoas com menor capacidade financeira? Pois que têm mais dificuldade em ter acompanhamento médico, dado que não conseguem obter ajuda no Sistema Nacional de saúde e não podem recorrer ao privado. A prova é que 25% dos inquiridos dizem ter dificuldades em suportar o valor da consulta. Ou seja, o que se verifica é que "o acompanhamento e tratamento adequado está dependente do orçamento familiar disponível". A análise dos resultados permite, também, verificar que a maioria das seguradoras não reconhecem a enxaqueca como uma doença incapacitante.

É urgente o combate ao desconhecimento associado à enxaqueca. Não só a nível individual, para que as pessoas consigam elas mesmas perceber quais os sintomas associados e, com isso, transmitir uma melhor imagem ao seu médico, à classe médica para que haja um diagnóstico mais célere, mas também ao nível empresarial. Porque a consequência da enxaqueca vai para além das horas ou dias em que a pessoa fica incapacitada, ou o custo financeiro associado ao pagamento dos tratamentos. Há também que contar com o custo para as empresas que "perdem" - embora temporariamente - um funcionário. E esse é um custo que não está contabilizado. Mas que é importante, ainda mais por que a maioria das pessoas que sofre desta patologia são mulheres na idade ativa.

dnot@dn.pt

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