O retrato dos últimos anos, de 2022 a 2024, está feito: 1,2 milhões de pessoas entre os 20 e os 79 anos sofrem de Diabetes, o que representa uma prevalência de 14,2% e um “forte aumento desta”, sobretudo entre os 60 e os 79 anos, atingindo mais de um quarto das pessoas deste grupo de doentes. Mas não só. Em 2024, foram diagnosticados nos cuidados de saúde primários 88 .467 novos casos da doença, o maior número de sempre, o que representa também 781,8 novos casos por cada 100.000 habitantes. Ou, em média, nos últimos dez anos, 654 novos casos por cada 100.000 residentes em Portugal Continental anualmente. A doença continua a aumentar significativamente. Os números constam do relatório anual do Observatório Nacional da Diabetes - “Diabetes: Factos e Números”, realizado pela Sociedade Portuguesa da Diabetologia, divulgado esta terça-feira, dia 4, e apontam para o envelhecimento da população como um dos fatores com grande impacto: um aumento de 2,5 pontos percentuais (p.p.) na taxa de prevalência desde 2009 até 2024, um crescimento da ordem dos 21,0% neste período. Quanto a custos diretos com a doença para o Estado, o mesmo relatório também não deixa dúvidas: estima-se que, só em 2024, o custo direto tenha sido da ordem dos 1,5 mil a 1,8 mil milhões de euros, o que equivale a 0,5-0,6% do PIB nacional e 5% a 6% da despesa total em saúde. Para o presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), João Raposo, os resultados refletidos neste documento significam que "Portugal continua sem estratégias de prevenção para a Diabetes. Estratégias de prevenção primária e secundária, para crianças, jovens, adultos e nos adultos na população mais idosa”, considerando urgente avançar-se ainda com “programas de rastreio de diagnóstico precoce da diabetes”. Mas João Raposo diz também que, além das políticas de prevenção, “é preciso intervir na reformulação dos cuidados de saúde, para que as pessoas tenham realmente cuidados integrados e não fragmentados”. Só assim, justifica, “é possível ter melhores programas de rastreio das complicações da diabetes. O relatório indica, por exemplo, que "só 32% das pessoas com diabetes faz rastreio anual aos olhos, que é uma das complicações mais comuns e que leva à cegueira ou à baixa visão, e todos nós deveríamos ter a capacidade de o evitar”. A fragmentação dos cuidados é uma das preocupações deste relatório, mas para o presidente da APDP “deveria ser uma preocupação de todos nós, enquanto cidadãos”, porque esta reflete-se nas assimetrias da doença, começando esta por “atingir mais homens do que mulheres, mais pessoas idosas do que mais novas, mais pessoas com índice de massa corporal mais elevado, as quais têm um risco quatro vezes maior de desenvolver a diabetes do que uma pessoa que tenha um peso normal”. Mas no relatório estão identificadas também assimetrias regionais. Como diz João Raposo, “os resultados apontam diferenças na cobertura para rastreios de complicações nas várias regiões, Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve", nomeadamente no que toca "aos rastreios de complicações renais, na observação do pé, na taxa de amputações, e também no tipo de organização de cuidados”. Por isto mesmo, defende o médico, "enquanto país, deveríamos ter a preocupação de garantir que todos os doentes têm a mesma hipótese de cuidados e de tratamentos, independentemente do sítio onde vivam, das condições que têm ou da organização dos cuidados que têm disponíveis, porque esta é uma realidade no nosso país”. No entanto, nem tudo é negativo, pois o relatório dá conta que a mortalidade por Diabetes diminuiu na última década de forma significativa, menos 39% relativamente ao número de anos potenciais de vida perdidos, embora, em 2022, último ano de informação disponível, a Diabetes tenha representado oito anos de vida perdida por cada óbito na população com idade inferior a 70 anos. Ou seja, “apesar do ligeiro decréscimo da representatividade da Diabetes nas causas de morte em Portugal, esta patologia continua a assumir um papel significativo nas causas de morte, tendo estado na origem de 2,7% dos óbitos ocorridos em 2023”.Em relação à hospitalização, foram também registados menos episódios de internamento por complicações com a Diabetes. “O número de utentes saídos/episódios de internamentos nos hospitais públicos portugueses em que a Diabetes se assume como diagnóstico principal registou uma diminuição significativa nos últimos anos (-14,0% entre 2017 e 2024). Neste sentido, também o número de utentes saídos/episódios de internamentos em que a Diabetes surge como diagnóstico associado decresceu (diminuiu 5,3% entre 2017 e 2024)”. No documento é ainda referido que mais de 90% dos episódios que necessitam de internamento em hospitais públicos atingem a população adulta, mas que 85,3% das pessoas com diabetes tiveram pelo menos uma consulta registada no Serviço Nacional de Saúde em 2024, números que para os especialistas demonstram a recuperação da atividade assistencial nos Cuidados de Saúde Primários.Para João Raposo estes dados revelam que, apesar das diferenças, “morre-se menos por Diabetes em Portugal, e que as pessoas vivem mais anos com a doença”, mas se tal acontece “é porque há mais acesso aos melhores tratamentos farmacológicos”. Uma situação que, justifica, obviamente aumenta os custos diretos com a doença, razão pela qual reforça que se deve "apostar na prevenção". O médico destaca que “o relatório anual da SPD, feito com muito orgulho há uns bons anos, deve ser olhado como a principal ferramenta para que se avaliem medidas e se tomem decisões”, argumentando: “Temos aqui dados que nos permitem perceber se estamos estáveis, se melhorámos ou não e quais são as áreas problemáticas". A partir daqui, "é só preciso lançar a discussão das medidas que consideramos importantes para que os cuidados às pessoas com diabetes no nosso país sejam melhores”.Atualmente, no mundo, a diabetes afeta cerca de 589 milhões de adultos em todo o mundo, número que poderá ultrapassar 800 milhões nas próximas décadas.